No início deste outono, o que pode ser descrito como uma forte onda de estupros irrompeu no Estado de Haryana, ao norte da Índia. Cerca de 20 jovens e meninas, incluindo uma de 6 anos e outra deficiente mental de 13, foram vítimas em incidentes separados.
Mas tão horríveis quanto os próprios crimes são as reações da polícia e de políticos locais que, ao explicar esse surto de violência sexual, dão opiniões tão bizarras a ponto de fazer Richard Mourdock, de Indiana, e Todd Akin, de Missouri - que deram declarações polêmicas sobre o tema nos EUA - parecerem seres benignos.
O governador de Hayana, envergonhado com a cobertura negativa da mídia, sugeriu que os estupros fazem parte de uma conspiração global para degradar o seu governo. Naturalmente o diretor do serviço de polícia, que até o momento não conseguiu agarrar alguns dos suspeitos, concordou. E um terceiro político, o porta-voz do governo distrital de Dharambir Goyat, sugeriu que as pessoas se acalmem porque 90% dos estupros são de certa maneira consensuais - opinião bastante generalizada em algumas partes da Índia rural.
Entretanto, o número de vítimas continua a crescer e os criminosos estão ainda em liberdade. Uma das jovens estupradas suicidou-se ateando fogo ao corpo. O pai de uma outra vítima cometeu suicídio depois de ver um vídeo mostrando a menina ser molestada. Quando a polícia finalmente se mobilizou, foi para dispersar um grupo de manifestantes que se reuniu para protestar contra a inércia do governo. Cinco pessoas do grupo, incluindo três mulheres, foram hospitalizadas.
O "khap panchayat", conselho não eleito formado por anciões tribais que exercem um forte domínio sobre a população nos vilarejos, resolveu se envolver no caso. Para eles, o problema na verdade é o casamento precoce, ou a sua falta; se a idade mínima para contrair matrimônio - atualmente é de 18 anos para as meninas e 21 para os rapazes - diminuísse para 15 ou 16, os jovens solteiros não se sentiriam compelidos a descontar sua frustração sexual nas meninas. Os políticos avalizaram a ideia, o que levou as Nações Unidas a reagir, enviando uma carta às autoridades do governo em que afirma que "o casamento precoce não é a solução para proteger as jovens contra crimes sexuais, incluindo o estupro".
Na carta, foi lembrado também que, como 40% dos casamentos precoces no mundo já ocorrem na Índia, os limites mínimos de idade para os jovens se casarem não são os responsáveis pelo aumento das agressões sexuais.
Um fato real, e não insano, como uma organização feminina local sublinhou, é a proporção desigual de mulheres e homens, resultado da preferência secular por meninos e da moderna tecnologia que, embora tecnicamente ilegal, mas inteiramente à disposição, permite que os pais pratiquem o aborto quando o feto é de uma menina, o que deixou 830 mulheres para cada mil homens no Estado. Por isso Haryana observa altos índices de estupro e violência, típicos de sociedades dominadas por homens.
A carta das Nações Unidas não surtiu nenhum efeito sobre a classe dirigente da Índia. A governadora de Bengali, outro Estado indiano, ao opinar a respeito, alegou que esses crimes com base em gênero ocorrem porque rapazes e moças hoje se misturam muito como nunca se viu antes, afirmando que a Nova Índia é "um mercado aberto com opções em aberto". Ao mesmo tempo criticou duramente a mídia por não se concentrar em temas mais alegres. Por outro lado, os "khap panchayat" ofereceram uma nova teoria: a comida chinesa, especificamente os pratos muito condimentados, como o "chow mein" (massa com carne e legumes) podem provocar um desequilíbrio hormonal e um impulso para atacar mulheres.
Com ideias como essas não é surpresa o fato de a Índia estar entre os países considerados os mais perigosos para as mulheres. Num estudo do G-20, no ano passado ela superou até a Arábia Saudita e a Indonésia como o pior lugar para uma mulher viver.
Fonte : Instituto Patricia Galvão
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