quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

CANSEI: projeto joga luz sobre as violências sofridas pelas mulheres negras

Larissa Isis, fotógrafa e autora do
 Projeto Cansei (Foto: Larissa Isis)

“Juntas, somos mais fortes”, 

diz a fotógrafa Larissa Isis, 

autora da série fotográfica


Uma lousa embaixo do braço e uma máquina fotográfica na mão, foi assim que a fotógrafa Larissa Isis, de São José dos Campos, começou o Projeto CANSEI. A iniciativa joga luz sobre as violências do dia a dia sofridas pelas mulheres negras. “Cansaço não faltou”, disse à Marie Claire. Mas desistir não fazia parte dos seus planos. Em poucos dias, reuniu em uma série fotográfica empoderadora o relato de meninas que, assim como ela, estão cansadas.

Larissa abordou cada uma das retratadas - foram mais de 90 - e, segundo ela, “a resposta era imediata”. “Cansei de duvidar da minha inteligência.” “Cansei de ser silenciada e invisibilizada.” “Cansei de ser julgada pela minha aparência.” “Cansei de ser objetificada.” “Cansei de ser exótica.”

Além de clicar as personagens, ela deixou a sua fala no trabalho. “Cansei de me chamarem de morena, sou negra”, escreveu em sua própria lousa. “As pessoas têm um certo receio em usar a palavra negra quando vão se referir ao meu tom de pele, como se me ofendessem falando assim. EU SOU NEGRA! Acredite em mim, você me chateia mais ao me chamar de morena.”

Desde pequena, Larissa é vítima de preconceito. Na escola, conta ela, foi apelidada de macaco. “Me lembro perfeitamente. Onde já seu viu crianças insultarem as outras assim? O racismo é estrutural”, lamenta.

"Cansei de olharem para a minha raça, para o meu gênero, para
a minha idade, e suporem que eu não sou capaz. Cansei dos olhares de
surpresa quando provo o contrário; cansei de ser
desvalorizada intelectualmente, cansei de
acharem que não tenho nada para f (Foto: Larissa Isis)
Por isso, celebra o trabalho como uma forma de quebrar com esse ciclo de violência diária e promover a união entre as mulheres negras no combate a essa realidade. “Juntas somos mais fortes”, afirma ela, que tem as irmãs Beyoncé e Solange Knowles como inspiração.

No ano passado, Queen Bey assumiu um discurso racial, político e social importante ao lançar o álbum visual “Lemonade”. E a caçula não fez diferente. Em “A Seat of the Table”, Solange reacendeu o debate sobre a identidade negra. “Não toque no meu cabelo”, cantou em uma das músicas mais aplaudidas do disco.

"Eu realmente estou cansada.
Exótico não é sinônimo de beleza e eu sou é maravilhosa"
- Loo Nascimento (Foto: Larissa Isis)
E foi justamente a questão capilar que mais tocou a fotógrafa no projeto. “A história mais marcante para mim foi a de uma senhora que escreveu: ‘Cansei de agredir o meu cabelo’. Infelizmente, ela não me enviou o depoimento completo, mas esse é um ponto muito importante para nós mulheres. Alisamos nossos cabelos para nos sentirmos dentro do padrão de beleza que a sociedade impõe”, conta Larissa.

Para desconstruir os estereótipos, ela sugere que as pessoas leiam, ouçam e se interessem mais pela questão racial. “Tudo o que está ligado ao negro acaba sendo marginalizado”, diz. No Brasil, as negras ainda são as maiores vítimas de feminicídio e violência doméstica, e recebem salários menores.

Os elogios direcionados ao projeto servem de combustível para que ela siga “retratando os cansaços”. O próximo passo é dar voz aos homens negros.

Fonte e texto : Mariclaire

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Partidos são Punidos Por Não Incentivar Participação das Mulheres na Política

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu punir nove partidos por não terem destinado 10% do seu tempo de propaganda gratuita de rádio e televisão para incentivar a participação das mulheres na política, conforme determina uma regra da Lei dos Partidos Políticos.

Foram punidos PT, PSB, PMDB, PCdoB, PR, PSD, PSC, PHS e PRB. Como sanção, as legendas perderão parte do tempo de inserção gratuita em rádio e TV a que teriam direito durante o primeiro semestre deste ano.  O Artigo 45 da Lei dos Partidos (9.096/1995) determina que as legendas “promovam e difundam a participação política feminina, dedicando às mulheres o tempo que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 10% (dez por cento) do programa e das inserções”.

Para o relator das ações que resultaram na punição aos partidos,  não basta a veiculação de mensagens favoráveis à participação política feminina para que a regra seja cumprida, sendo necessário que as próprias mulheres figurem como protagonistas nas inserções.

“Penso que o objetivo da lei é acabar com o sistema em que os homens se auto intitulam representantes naturais da mulher. A norma pretende fazer a mulher reconhecer que ela é cidadã igual ao homem, com voz própria para defender seus direitos”, afirmou Herman  Benjamin  relator das ações .
Confira quanto tempo de inserção gratuita em rádio e TV foi perdida pelas legendas punidas:
·       PT – 25 minutos
·       PRB – 20 minutos
·       PSB – 20 minutos
·       PSC – 20 minutos
·       PMDB – 20 minutos
·       PC do B – 20 minutos
·       PR – 20 minutos
·       PSD – 20 minutos
·       PHS – 10 minutos

EM MINAS

O Partido da Mulher Brasileira não tem dado espaço para as mulheres em sua propaganda partidária exibida na televisão. O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) cassou por unanimidade parte das inserções do PMB por descumprimento do percentual mínimo do tempo das inserções para promoção e divulgação da participação política feminina e pela veiculação de promoção pessoal de detentores de mandato eletivo. 
A Lei dos Partidos determina a reserva de 10% do tempo de propaganda para a divulgação da participação das mulheres na política. De acordo com o TRE-MG, as irregularidades foram verificadas em inserções veiculadas no primeiro semestre de 2016. 
Nessas propagandas partidárias, as inserções do PMB com teor de promoção e difusão da participação feminina foram veiculadas aquém do mínimo do tempo total das inserções de propaganda. 

Por  Monica Aguiar 

Isto reforça a denuncia sobre homens que constitui sistematicamente mecanismo para afastar as mulheres do poder político partidário. Esta auto titulação como representantes das mulheres, vem sempre precedida pelo debate de gênero.

As mulheres ao desenvolver a defesa pela igualdade de gênero, não era para que os homens apoderassem sobre os precários espaços existentes para as mulheres.  

A defesa da igualdade de gênero,  propõe abolir a discriminação entre os sexos, e enfraquecer os mecanismos que garantem favorecimento apenas ao homem. 
Os privilégios ou favorecimentos existentes, retira o direto das mulheres em ter oportunidades no desenvolvimento econômico e igualdades no aspectos da vida social e politica.

Na verdade, oportunista é o que mais existe dentro dos partidos políticos. Infelizmente,  as secretarias de mulheres dos partidos que deveriam impedir tais situações, são colegiados separados da composição política nas direções. Isto cria um distanciamento entre os poderes internos.  

E apesar  de muitas das secretárias ou presidentes destes órgãos, de defesa das mulheres dentro dos partidos, terem um histórico de luta e atuação feminista ou de defesa das mulheres, várias  submetem aos caprichos e autoritarismo de homens que são dirigentes dentro do seus partidos.  Para evitar o chamado constrangimento politico, as ações e debates de defesa das mulheres ficam reduzidos aos caprichos chavões padronizados pelos homens, os recursos acabam sendo destinados para outros fins.
O resultado? Sempre desastroso na vida politica das mulheres. Homens continuam ditando "regras  politicas", que dificultam o exercício da cidadania partidária das mulheres, que impedem a sociedade  de conhecer suas candidatas e propostas  editadas pelas próprias mulheres. 

Se tivesse enfrentamento e debate político robusto das  mulheres que estão na vida politica partidária, abriria para a possibilidade do acesso as  informações , mesmo sendo, em um curto horário de tempo . Mas,  empoderar mulheres na sociedade, assusta os oportunistas politiqueiros. 

Esta situação e relações devem ser modificadas . Esta pauta de enfrentamento deverá partir das mulheres, como sempre !

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Medidas Importantes de Proteção de Imagem das Mulheres Poderá ser Votadas a partir de segunda(20)



Projetos que tratam de direito da mulher é  o destaque da pauta do Plenário da Câmara dos Deputados, que tem sessões de votação a partir de segunda-feira (20).

Um dos itens pautados é o Projeto de Lei 5555/13, do deputado João Arruda (PR), que cria mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra as mulheres na internet ou em outros meios de comunicação. 
Segundo texto, a divulgação não autorizada pela internet de imagens, dados, vídeos ou áudios sujeitará a pessoa responsável pela divulgação a todas as sanções da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), como afastamento do lar e restrição de contato com a vítima. 
Sempre que esse tipo de dado, imagem ou áudio for divulgado sem o consentimento da mulher, o juiz ordenará a remoção do conteúdo da internet, a ser feita, em até 24 horas, pelo provedor de serviço de e-mail, gerenciador de rede social, empresa de hospedagem de blog ou qualquer outro responsável. 
O projeto dá mais alternativas ao juiz para punir o condenado por essas condutas. Hoje, quem produz ou compartilha imagens ofensivas à intimidade da mulher já está sujeito às punições previstas no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) para os crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação), que podem chegar a dois anos de detenção mais multa . 
O Plenário poderá analisar dois textos alternativos ao projeto. Um deles é o substitutivo já aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família, que prevê detenção de 3 meses a um ano para quem ofender a dignidade ou o decoro de pessoa com quem manteve relacionamento ao divulgar imagens, vídeos ou outro material com cenas de nudez ou de atos sexuais. 
Outro texto, apresentado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, prevê medidas como a inclusão, na Lei Maria da Penha, de dispositivo que considera a violação da intimidade da mulher como forma de violência doméstica e familiar. 
Também na pauta, o Projeto de Lei 7371/14, da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher, cria o Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres para investir em políticas do setor. Entre as ações que podem ser beneficiadas estão: assistência a vítimas, medidas pedagógicas e campanhas de prevenção, pesquisas, participação de representantes oficiais em eventos relacionados à temática da violência contra a mulher, reforma de instalações, compra de equipamentos e outros gastos relacionados à gestão (exceto pagamento de pessoal).
Projeto prevê multa de até R$ 200 mil para 
publicidade  que 'objetifica' mulher 

Ainda em andamento nas comissões,  o projeto de lei em análise na Câmara dos Deputados prevê a proibição de publicidade que exponha ou estimule a agressão ou violência sexual contra as mulheres. O desrespeito às regras pode levar à multa que varia de R$ 5 mil a R$ 200 mil, além de suspensão da propaganda e advertência.

 A proposta em análise foi enviada à Câmara em setembro de 2016, pela deputada federal Erika Kokay (PT-DF). "O papel da publicidade se mostra por vezes contraproducente ao perpetuar o machismo em nossa sociedade, atuando na direção contrária à igualdade de gênero", justifica a autora. 
O texto cita como exemplo as propagandas de cerveja. 
"É rotineiro o emprego da imagem feminina na publicidade como objeto prontamente disponível para a satisfação dos desejos masculinos. Essa realidade é muito nítida no caso de propaganda de cervejas, comumente tido como um produto de interesse predominantemente masculino, mas por vezes se manifesta também na publicidade de muitos outros produtos, às vezes sutilmente e outras vezes nem tão sutilmente assim", argumenta. 

 As regras valem para qualquer meio de comunicação impresso, eletrônico ou audiovisual. De acordo com o texto, 
"os anúncios não poderão expor, divulgar ou estimular a violência sexual, o estupro e a violência contra a mulher". Fica vedado ainda conteúdo vinculado à misoginia e ao sexismo. 
A proposta ainda analisada pelas comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Defesa dos Direitos da Mulher, de Constituição e Justiça, e de Cidadania.

Fontes: UOL/ Câmara Federal / Rede Mulher e Midea 
Fotos Internet

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Dia da Mulher promete ser o Dia sem Mulher, com uma grande greve internacional feminina

Autor: Redação Revista Fórum

O próximo 8 de março – o Dia da Mulher – promete ser histórico. Em mais de 30 países, grupos feministas prometem fazer greve. 
“Se nosso trabalho não vale, produzam sem nós”, define Cecilia Palmeiro, uma das porta-vozes de “Ni Una Menos”, grupo de mulheres da Argentina.
O próximo 8 de março – o Dia da Mulher – promete ser histórico. Em mais de 30 países, grupos feministas prometem fazer greve. “Se nosso trabalho não vale, produzam sem nós”, define Cecilia Palmeiro, uma das porta-vozes de “Nni Una Menos”, resume assim por que o grupo de mulheres convoca no próximo 8 de março uma greve nacional feminina na Argentina. 
Elas não serão as únicas a se levantar e deixar seus postos de trabalho voluntariamente para “protestar contra o feminicídio, a exploração no trabalho/econômica e a desumanização e desierarquização das mulheres”.
Grupos feministas da Austrália, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, República Checa, Equador, Inglaterra, França, Alemanha, Guatemala, Honduras, Islândia, Irlanda do Norte, Irlanda, Israel, Itália, México, Nicarágua, Peru, Polônia, Rússia, El Salvador, Escócia, Coreia do Sul, Suécia, Togo, Turquia, Uruguai e EUA confirmaram a convocatória que tem o objetivo de deixar escritórios, lojas, fábricas ou qualquer trabalho sem a presença do sexo feminino para protestar contra as desigualdades de gênero e a violência machista.
Marcha das Mulheres Negras/Brasília/Nov. de 2015
“A ideia é se apropriar da greve como ferramenta política para expressar as nossas demandas e intervir concretamente na ordem da produção”, conta por e-mail esta acadêmica, doutora em Literatura Latino-americana. 
Ela explica que a greve de 8 de março começou a ser planejada depois do forte movimento argentino de mulheres de 19 outubro –  contra os 200 assassinatos anuais por violência machista no país – e do 3 de outubro, na Polônia, quando milhares de mulheres pararam e protestaram contra a restritiva lei de aborto impulsionada pelo Executivo polaco, que depois foi rechaçada pelo Parlamento pela pressão das marchas. “Entramos em contato com as companheiras polonesas e coreanas, que também tinham parado, para construir uma articulação internacional”, conta.
O protesto internacional é inspirado no Dia Livre das Mulheres islandesas de 1975, quando 90% das cidadãs deixaram seus postos de trabalho em 24 de outubro desse ano para protagonizar uma grande manifestação nas ruas do país e marcar um ponto de inflexão na luta pela igualdade de direitos. 
“Com esta greve demos visibilidade para o trabalho doméstico não remunerado e para o fato de que as mulheres ganham, em média, quase 30% menos que os homens pelas mesmas tarefas. 
Com nosso trabalho invisibilizado em casa e desvalorizado no mercado, as mulheres sustentam a economia capitalista mundial”, explica. A greve, como explica, “permite uma reapropriação do nosso tempo. Uma oportunidade para ensaiar uma divisão mais equitativa do trabalho”.
As anglo-saxãs se inspiraram nelas e entenderam bem. 
Angela Davis e outras ativistas do mundo acadêmico assinaram no The Guardian desta semana a carta Mulheres dos Estados Unidos, vamos fazer greve. Vamos nos unir e assim Trump verá nosso poder, uma carta na qual chamavam à ação para “construir uma greve geral contra a violência masculina e em defesa dos direitos reprodutivos”. Sua ideia é “mobilizar as mulheres, incluindo as transgênero” para construir “um novo movimento feminista internacional com uma agenda expandida: antirracista, anti-imperialista, anti-neoliberal e anti-heteronormativo”.
As ativistas querem se distanciar dos últimos anos marcados pelo marketing do falso empoderamento e da dominação do corporativismo feminista. Uma vertente que dominou a conversa cultural, inclusive nos meios de comunicação, e que esteve empenhada em fabricar líderes com slogans publicitários através de “ideólogas” como Sheryl Sandenberg e outras CEO do mercado ou políticas conservadoras que enfiavam suas camisetas 
“Isso aqui é uma feminista”, enquanto aplicavam as regras do livre mercado às políticas da mulher. Como bem resume em tom cômico a comediante britânica Bridget Christie em A Book for Her (Um Livro para Ela) “o feminismo conservador poderia ser resumido da seguinte forma: Para mim, funcionou, então por que não funcionaria para todo mundo?, ah sim, e quando eu chegar no alto a primeira coisa que vou fazer é colocar obstáculos a todas que tentem seguir meus passos”.
As ativistas norte-americanas também estão profundamente decepcionadas com essa tendência e, após o sucesso esmagador da Marcha das Mulheres de 21 de janeiro – apenas em Washington marcharam cerca de 500.000 pessoas –, se sentiram encorajadas para definir o início de uma nova era na luta pela igualdade. “O feminismo do Lean in (lema de Sheryl Sandberg) e suas variantes não funciona para a maioria de nós, para aquelas que não têm acesso à autopromoção individual e cujas condições de vida só podem ser melhoradas com políticas que defendem e assegurem os direitos reprodutivos e garanta os direitos trabalhistas. Tal como vemos, essas novas ondas de mobilização feminina devem ser direcionadas para todas essas preocupações de maneira frontal”, conta Davis em sua carta.
As norte-americanas, especialistas em batizar tudo, se permitiram rotular essa nova onda global como a do Feminismo do 99%. Um termo que se distancia das raízes capitalistas dos últimos anos e enfatiza os direitos sociais, com a simbologia herdada dos protestos de Occupy Wall Street contra o 1% que sustenta a riqueza global.
“Está claro que a resistência à agenda radical de Trump será liderada por mulheres corajosas lutando pelo nosso futuro”, tuitava recentemente a senadora californiana Kamala Harris. 
No próximo 8 de março mulheres de todo o mundo vão deixar seus trabalhos para provar isso.
Fonte: CEERT/Revista o Forum /internet

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Blocos de Mulheres Feministas, Bruta Flor e Clandes Tinas Abre Folia em Belo Horizonte.

Por Mônica Aguiar 

Embora o feriadão seja só nos últimos dias de fevereiro, os tamborins começaram a se aquecer na capital mineira, que se prepara para uma festa de rua maior a cada ano.

Foliões se concentrados na Praça da Estação e a festa ficou durante todo o dia em vários pontos de BH.

O primeiro bloco a se apresentar no pré-carnaval deste domingo, dia 12,  foi o Bloco Bruta Flor, e Clandes Tinas no Centro da capital. 

Com temática direcionada em defesa de direitos para as mulheres, os blocos se apresentaram logo cedo com muita energia, de forma descontraída, retratando as desigualdades sofridas pelas mulheres . Os primeiros foliões chegaram à Praça da Estação por volta das 9h30.
 Glitter, paetês, fitas e adereços, alinharam as integrantes do Bruta Flor , que saiu da Praça da Estação rumo à Rua Guaicurus, onde o bloco Clandes Tinas fez a sua concentração e se encontraram.


O bloco Clandes Tinas, estreante no carnaval de BH, é exclusivo de mulheres, todas ligadas à ocupação Tina Martins. 

"A partir da ocupação, a gente pensou que a mulher deveria ter um papel importante nesse Carnaval, um momento para dar visibilidade à luta da mulher", explica a idealizadora do grupo,  Ana Roberto.   

A bateria do grupo , escolheu o lilás e o amarelo como suas cores e  aprenderam entre elas, a tocar os instrumentos. No repertório, canções autorais  que falam sobre o empoderamento feminino.

Uma das organizadoras do cortejo, Juliana Arcanjo, os dois blocos são pautados pela luta contra o machismo.
 "O Carnaval de Belo Horizonte também tem espaço para a luta das mulheres", disse. 

O bloco Clandes Tinas surgiu na Casa de Referência da Mulher Tina Martins, que presta assistência a vítimas de violência. No repertório, músicas compostas por mulheres.
O Bloco Bruta Flor sai pela segunda vez em BH, é um bloco feminista e apresenta músicas que destacam o universo feminino de compositoras residentes em Belo Horizonte.

Os Blocos Clandestina e Bruta Flor tem página no Facebook, com agendas dos ensaios, e atividades  diversas .

https://www.facebook.com/blocobRUTAfLOR/

https://www.facebook.com/BlocoClandesTinas/




Oficialmente, em Belo Horizonte,  363 blocos se cadastraram para desfilar em 2017, entre os dias 11 de fevereiro e 1º de março deste ano. Número 30% maior do que o do ano passado.
São esperadas 2,4 milhões de pessoas na ruas da capital este ano, número que representa um aumento de 20% em relação aos foliões do ano passado.

Fontes: CarnavalBH/ hojeemdia/uol/estadodeminnas/otempo
Foto: facebook blocos

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Adolescente Negra Viraliza nas Redes Sociais Por Sua Beleza Única

Lola tem 16 anos e vive em Nova York, esta sendo considerada a “Barbie Negra”. Se impõem e manda recados de alto estima para as meninas negras.


Depois do sucesso da “Deusa da Melanina”, uma outra jovem vem roubando a cena nas redes sociais por sua beleza única. Lola Chuil, de 16 anos, tem deixado muita gente impressionada e angariado cada vez mais seguidores principalmente no Instagram,  já soma mais de 253 mil seguidores.

Dona de uma beleza delicada e única, Lola ganhou o título de Bárbie negra (apesar de se auto nomear a "Hanna Montana negra") por seus seguidores, que não poupam elogios para a moça como: "parece uma boneca", "perfeita" e "maravilhosa".


Apesar de não divulgar muitos detalhes de sua vida, a jovem, que vive em Nova York, costuma mandar recados empoderadores e de autoconfiança às colegas de escola, principalmente para mulheres negras . As mensagens enviadas por redes sociais, dão verdadeiras lições de auto estima.

Ela revelou em um post que gostaria de fazer um canal no YouTube, mas que estaria pensando sobre qual conteúdo iria compartilhar.

 “Só queria dizer às minhas colegas negras da escola que não liguem para os garotos”, começa dizendo em um dos posts que tem mais de 58 mil curtidas. 
“Eu perdi muito tempo me preocupando sobre como meu cabelo e maquiagem estavam para agradá-los. Copiava outras meninas. E tudo o que eu fiz me causou apenas insatisfações sobre mim e me afastou de quem eu realmente sou. Foque nas suas notas e formação. Metade desses garotos odeiam eles mesmos. Então seja bonita, mantenha-se esperta e ame-se.”

Mesmo com toda atenção voltada para alto estima das mulheres negras, Lola recebe mensagens de haters que a ofendem racialmente. 

Lola vem tirando as postagem racistas de letra e já conquistou até centenas de brasileiros, que vem recheando suas  fotos com belos elogios.

Em uma outra publicação, expôs um desejo carinhoso: 
“Gostaria que mais pessoas se amassem”. 

E numa ocasião específica chegou a mostrar sua revolta sobre um comentário racista que costuma ouvir com frequência.




Fontes: Marieclare/todateen/Glamour/todosnegrosdomundo
Fotos: internet

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Clementina, de uma voz do povo emerge o canto ancestral

 Era a noite de 7 de dezembro de 1964, e o palco era do Teatro Jovem, no bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. Clementina usava um vestido bordado de rendas claras, que custara três vezes o valor de seu salário como doméstica.
Naquela manhã, Clementina de Jesus acordou tomada pela ansiedade. Aquela “nega” trabalhadora, prestes a completar 63 anos e que tinha passado a vida cantando entre amigos, subiria pela primeira vez em um palco para cantar profissionalmente.
Antes de entrar em cena, tomou uma garrafa inteira de Cinzano, conforme revelou anos depois em depoimento ao Museu da Imagem e do Som (MIS).
A garganta continuou seca do mesmo jeito. Aí tocou a sineta. Tocou uma e eu, firme. Tocou duas, eu dei mais um gole e me benzi. Tocou três e eu me benzi pra baixo, pra cima e entrei. Entrei e não vi nada. Soltei a voz como se estivesse em casa e foi aquele sucesso.
Ela era acompanhada por César Farias ao violão. Exímio violonista e pai de um rapazinho que também estava no palco, Paulo César, o Paulinho da Viola, além de Elton Medeiros na percussão. Todos testemunhavam o “nascimento” artístico de Quelé, em uma noite aberta pelo jovem talento Turíbio Santos, violonista clássico, em projeto chamado O Menestrel.
A iniciativa visava a unir o erudito e o popular, conforme explicou, no texto de apresentação do show, o produtor Hermínio Bello de Carvalho, responsável pelo “descobrimento” de Clementina, a quem passaria a chamar de mãe. Naquela época, ela ganhava a vida como empregada doméstica.
“Nossa ideia é aproximar os dois públicos, da música popular e erudita, e dar-lhes o melhor de cada gênero num só espetáculo (e invoco o exemplo de Bernstein apresentando Louis Armstrong). Temos sobre a matéria um entendimento eclético, porque sabemos que a música não é arte unilateral, nem privativa de castas favorecidas economicamente.”
Contada em detalhes, essa história, entre tantas, está no livro Quelé, A Voz da Cor: Biografia de Clementina de Jesus, lançada em janeiro (editora Civilização Brasileira, do grupo Record, 384 páginas). Uma obra surgida de um trabalho de conclusão de curso (TCC) de quatro estudantes da Universidade Metodista, em São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista: Felipe Castro, Janaína Marquesini, Luana Costa e Raquel Munhoz. Três deles nem tinham nascido quando Clementina morreu, em 19 de julho de 1987, aos 86 anos: Felipe e Raquel têm 26 anos e Luana está com 27.
Janaína era uma menina de 5 anos, que tempos mais tarde conheceria o LP Canto dos Escravos e se encantaria pela voz poderosa daquela senhora, então com 81 anos. A apaixonada pesquisa consumiu seis anos, consulta a aproximadamente 600 edições de jornais e a variadas fontes, mais de 40 entrevistas, 40 viagens.
“A história e a cultura do povo banto transmitidas oralmente pela mãe fez de Tina uma mulúduri – herdeira –, sem imaginar que o seu futuro lhe reservava a função de transmitir e perpetuar os cantos ancestrais de matriz africana”, escrevem os autores. Clementina, chamada de Tina em casa, começou a cantar em coro de igreja aos 7 anos, em Valença, interior do Rio, onde nasceu, em 7 de fevereiro de 1901. Filha de Paulo, pedreiro e carpinteiro, e Amélia, parteira e rezadeira.
Entre seus muitos méritos, o livro ressalta as origens de Clementina, que bem pequena ouvia os cantos trazidos pelos escravos africanos. Assim ela falou ao MIS sobre sua mãe:
Ela estava lavando roupa, eu ali por perto. Lavando e cantando, e de vez em quando ela dizia: “Tina, vá acender esse cachimbo”. E eu respondia: “Sim, senhora”. Botava fumo, acendia e trazia pra ela, e ela estava cantando. Assim que eu aprendi uma coisinhas gostosas que ela cantava. A roupa batia na prancha, marcando o passo do canto, espirrando água e sabão na minha cara. E eu acocorada, cantando baixinho, para aprender com a mãe. 
Os quatro autores contam que Clementina foi criada “sobre duas distintas vertentes: o catolicismo e as religiões de matrizes africanas, como o candomblé, presente em muitos de seus cantos”. O pai ajudou a construir a igreja de Carambita, bairro de Valença onde a família morava e de onde sairia em 1908 para morar no Rio, em Jacarepaguá.
Carpinteiro e quase sem instrução, Paulo adorava receber os amigos para encontros sempre animados por sua viola. A pequena Tina gostava de acompanhá-lo na cantoria de modinhas, jongos e cantos de trabalho, reforçando a presença de valores religiosos africanos mesclados à fé católica nos alicerces da família.
Janaína conta que se impressionou com o disco Canto dos Escravos, que tinha, além de Clementina, o sambista paulista Geraldo Filme e a carioca Tia Noca. “O que mais fiquei encantada foi com a ancestralidade dela. Ela cantava de memória, pela cultura oral”, disse no programa Sem Censura, da TV Brasil, no último dia 26 de janeiro.

Elo perdido

As palavras do pesquisador Jairo Severiano reforçam essa visão. “Com seu canto vigoroso, rascante, inusitadamente grave e suas canções primitivas, impregnadas de negritude, a neta de escravos e pretos forros Clementina de Jesus, a Quelé, é a prova cabal da presença da África na MPB”, escreveu, ao receber um exemplar do livro sobre Clementina.
Acrescenta Severiano: “Nas palavras do historiador Ary Vasconcelos, ‘ela tem para a música popular brasileira uma importância que presume corresponder na antropologia, a do achado de um elo perdido’. E é o casamento dessa presença africana, especialmente na rítmica, com melodia e harmonia de inspiração europeia que constitui o aspecto mais fascinante do samba, nosso mais importante gênero musical. Uma caraterística, pois, só possível pela participação de figuras como Quelé, Donga e Pixinguinha em sua formação”.

Certidão de batismo, assinada a seis meses de sua morte, aos 86 anos. Felizmente sua voz foi descoberta duas décadas antes
O primeiro disco, Clementina de Jesus, é de agosto de 1966, quando a cantora já estava com 65 anos. Como se registra no livro, lá estão samba, cantos de pastorinhas, batucadas… E os cantos da infância. Para que isso acontecesse, foi decisivo o encontro entre Hermínio Bello de Carvalho e Clementina, em 1964, na Taberna da Glória, no Rio, aos pés do outeiro que leva o nome da padroeira. Depois de alguns desencontros, o poeta consegue se aproximar da cantora. Ela pede demissão do trabalho doméstico, para espanto da patroa, e estreia no final daquele ano, no show O Menestrel.
Dali em diante, não para mais. A partir de março de 1965, participa do mítico espetáculo Rosa de Ouro, no mesmo Teatro Jovem, produzido por Hermínio, com gente como Elton Medeiros, Araci Cortes e Paulinho da Viola. No ano seguinte, vai a Senegal, para o I Festival Mundial de Artes Negras, e se destaca em uma apresentação em um estádio. Na mesma viagem, canta no Festival de Cannes, na França. Ali, onde estava hospedada, Clementina conheceu uma musa italiana.
Foi tudo muito bom, cantei aquelas coisas que sempre canto e estava no mesmo andar do meu apartamento aquela mulher, a mais bonita do mundo… como é mesmo o nome dela? A Sophia Loren, não é? Eu vi que ela é mesmo muito bonita, mas é bruta, sabe? Ela tarraco, tarraco, tarraco, tratava assim mesmo o marido.

“Vai dar galho”

São várias histórias, como a de como Clementina conheceu Albino Corrêa Bastos da Silva, o Albino Pé Grande, que seria o seu grande amor. Integrante da Unidos da Riachuelo (bairro da zona norte carioca) e depois portelense declarada, ela estava no Morro da Mangueira quando viu Albino, 10 anos mais novo, e pensou: “Que mulato bonito!”. Era 1938, e Clementina tinha uma filha, Laís, de um namorado que não assumiu o relacionamento. Ao jornalista Millôr Fernandes, d’O Pasquim, ela contou sobre o início do namoro, bem ao seu estilo direto, em entrevista resgatada no livro.
“É, vai dar galho esse negócio”, eu disse. Chamei ele e falei: “Olha, meu amigo, meu caso é esse: se gostar de mim, gosta, se não gostar, não gosta. Vou ser sincera com você. Você trabalha?” Ele disse que trabalhava, sim. Na Estrada de Ferro Central de brasil. Boas falas! E eu: “Porque eu trabalho, meu filho. Eu não quero ninguém pra ficar nas minhas costas não. Você é bonito e eu sou uma crioula e coisa e tal, morou? Resultado, estamos juntos há 37 anos. Casadinhos, civil e religioso.
Clementina, que acabou se aproximando da verde-e-rosa, e Albino – que de ferroviário passaria a estivador – ficaram juntos até a morte dele, em  junho de 1977. Os seis últimos anos foram particularmente difíceis, depois que Albino sofreu um infarto e passou a precisar de cuidados constantes. Tiveram uma filha, Olga, nascida em 1943 (em 1940, o recém-nascido Euclides morreria em pouco tempo, em consequência de uma pneumonia; Laís, a primogênita, morreu em 1974, depois de sofrer um acidente vascular cerebral).
Lançada pelo “filho” Hermínio em 1964, Clementina terá atividade intensa nas décadas seguintes. Em 1968, por exemplo, grava o disco Gente da Antiga, com Pixinguinha e João da Baiana, participa do espetáculo Mudando de Conversa, que viraria LP, com Nora Ney e Ciro Monteiro, e lança Fala Mangueira!, com pesos pesados da escola: Cartola, Nelson Cavaquinho e Carlos Cachaça, além da cantora Odete Amaral. Em 1971, em entrevista ao Correio da Manhã, ela reclamaria que o carnaval estava ficando diferente, “só tem pula-pula, ninguém sabe sambar”.
Ainda viriam, entre outros álbuns, Clementina, Cadê Você? (1970) e Marinheiro Só, em 1973, no mesmo ano em que participam da gravação do LP Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento, na faixa Escravos de Jó, podada pela censura – três anos depois, em Geraes, gravaria com Milton a impagável Circo Marimbondo.
O disco Marinheiro Só, faixa-título de um samba de roda do Recôncavo Baiano recolhido por Caetano Veloso, tem a presença marcante do percussionista Naná Vasconcelos. Assim ele se refere à cantora:
Clementina é a prova de que a África é a espinha dorsal da nossa cultura. A música dela é realmente de corpo e alma.
Também presente no álbum, assim Paulinho da Viola se refere a Quelé, um apelido que ela recebeu ainda na infância, de um vizinho em Valença:
Essa figura cantando curimas, cantando pontos, cantando sambas de partido-alto, acho que nunca tinha acontecido na nossa música. O impacto que isso provocou fez com que muita gente tivesse uma ideia, a partir de então, da importância dos artistas e do povo negro na formação da nossa cultura.

Fúria após 13 horas de estrada

Muita gente achou que Clementina pararia depois da partida de Pé, como ele era chamado carinhosamente. Mas ela continuou na estrada. Literalmente. Um mês depois, em julho de 1977, Milton reuniu amigos para uma apresentação em sua Três Pontas, em Minas Gerais – uma praça chamada Travessia havia sido inaugurada  diante da casa de seus pais. Muitos amigos. Quelé foi de carro, do Rio até Três Pontas, com Chico Buarque e Francis Hime. Segundo relato de Milton, a viagem durou duas vezes mais tempo que o previsto, o que deixou a cantora furiosa.
Eu lembro que, quando ela chegou, desceu do carro brava, mas muito brava: “Vocês dizem que são seis horas de viagem. Foram 13 horas! Não se pode fazer isso com uma velha”. Aí eu olhei pro Chico: “Você demorou 13 horas pra chegar aqui?”, e ele respondeu: “A estrada é muito comprida”. E eu: “Chico!? Onde vocês pararam por essa estrada?”
Chico e Francis acabariam confessando que o roteiro teve várias paradas para abastecimento. Não exatamente do carro.
É também de 1977 o lançamento de um disco de Clara Nunes (As Forças da Natureza) que traria uma faixa que se tornaria, possivelmente, a mais conhecida canção a falar da própria Clementina. Com refrão inconfundível, P.C.J (Partido Clementina de Jesus) foi composta por Candeia.
Não vadeia, Clementina!Fui feita pra vadiar!Não vadeia, Clementina!Fui feita pra vadiar! Eu vou!Vou vadiar, vou vadiar, vou vadiar, eu vou
Ela também ficou brava durante as gravações de Clementina e Convidados, em 1979. Irritou-se com as exigências de Fernando Faro, responsável pela produção, conforme ele mesmo contou, com humor. Foi o primeiro álbum sem a presença de Hermínio.
Clementina certa vez ficou tão irritada que ameaçou, ao final das gravações, me presentear com uma feijoada com veneno.

Canto dos escravos, canto final

E assim foi Clementina, já com a saúde abalada após sofrer um derrame, em 1973, e tendo de cuidar do seu querido Pé. A sua última aparição em estúdio foi em 1985, na gravação da trilha sonora do filme Chico Rei, de Walter Lima Jr. Ela interpretou Quilombo de Dumbá e Chico Reina, cantos de origem religiosa, como lembram os autores do livro.
Naquele 1985, Quelé tinha uma filha, sete netos, seis bisnetos e dois tataranetos. Um show no Circo Voador, no Rio, foi feito para ajudá-la, como se lia em um folheto: “Ela gostaria de ganhar como presente a linha de seu telefone, cortada por falta de pagamento”. E também reclamava de calotes de empresários.
Bem antes disso, em 1979, com constantes problemas financeiros, Clementina escreve uma carta (reproduzida no livro) ao ministro da Previdência, Jair Soares, pedindo aposentadoria como cantora. O texto é ilustrativo das relações entre o povo e o poder público no Brasil.
A nêga Clementina de Jesus já passou por muita coisa na vida.E hoje, para viver, beirando os 80 anos, necessita ainda se locomover por esse Brasil inteiro fazendo a única coisa que ainda pode: cantar.Mas a nêga véia está cansando, seu Ministro. O que me dá forças prá prosseguir é essa juventude maravilhosa, que me recebe de braços abertos prá todo lugar onde vou.Depois de trabalhar muitos anos como doméstica, com marido dando duro na estiva, me sobra bem pouco para viver, prá dar sustento aos meus netos.
No final, conta que tem outros na mesma situação difícil:
Pois é, doutor Ministro: a nêga véia e muitas outras pessoas do nosso meio estão no mesmo pagode.
A resposta, dois dias depois, é protocolar, anotam os biógrafos.
Em 1982, Clementina participa de um LP especial, o 11º e último de sua carreira. O Canto dos Escravos, com Geraldo Filme e Tia Doca, se inspirava no livro O Negro e o Garimpo em Minas Gerais, de Aires da Mata Machado Filho, publicado em 1943, e pretendia reproduzir cantos dos trabalhadores em Diamantina. O disco, do selo Marcus Pereira, foi gravado em 45 dias. O produtor Marcus Vinícius de Andrade reparou na memória de Quelé.
Os africanos têm um ditado assim: toda vez que morre um velho negro, é uma biblioteca que vai embora.
Clementina guardava cantos aprendidos na infância com sua mãe. Mas não conseguia memorizar uma letra aprendida minutos antes. Sofreu para concluir sua parte em O Canto dos Escravos, com ajuda do produtor Marcus Vinícius e do percussionista Papete. E prosseguiu de show em show, até 1987 – há registro de uma apresentação, como convidada do cantor Badu Bisou, em 24 de maio, no bairro do Méier, zona norte do Rio. Menos de um mês depois, sofre novo derrame – o quinto – e fica internada até 19 de julho, um domingo, quando morre, às 2 da manhã.
Quelé não queria ficar parada, queria cantar. A capa do livro é ilustrativa: mostra uma animada Clementina no baile Rosa de Ouro, em 18 de fevereiro de 1966, no tradicional Hotel Glória, em comemoração aos 77 anos do cordão carnavalesco. No início da carreira, 63 anos completados, Quelé, em entrevista à revista Fatos & Fotos, sabia que o sucesso não mudaria nada: “Serei sempre a personagem que está aqui. Só não vou fazer mais salgadinhos e doces pra fora, coisa que só fazia pra ajudar na despesas”.
“Os jovens biógrafos fugiram dos lugares-comuns e abordaram o real significado de Quelé para a nossa cultura, escavacaram suas raízes africanas e também a importantíssima questão da oralidade: tudo que aprendeu com a mãe já era a herança musical que a ela foi passada por seus antepassados. Canções, portanto, centenárias. E meu trabalho era registrar aqueles tesouros”, escreveu Hermínio. “Respondo, sempre, repito, que nunca descobri coisa alguma, apenas exercia a arte de prestar atenção.”
Os quatro estudantes prestaram muita atenção e amplificaram uma voz do povo, que fez emergir cantos ancestrais.
Fonte:RBA por Vitor Nuzzi

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