quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Pandemia: profissionais de saúde negras sofrem mais com desigualdades

 

Publicado em Julho ,2021 - Por Camila Maciel - Repórter da Agência Brasil - São Paulo


Há 15 meses atuando na linha de frente da covid-19, profissionais de saúde no Brasil ainda se sentem despreparados para lidar com a pandemia, mostra estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Entre as mulheres, 72,2% das entrevistadas disseram não ter informações suficientes para trabalhar. Essa condição atinge 61,1% dos homens. Para profissionais negras, o percentual é ainda maior e chega a 78,22%. Os pesquisadores destacam que os indicadores de sensação de despreparo refletem os dados sobre quem recebeu mais treinamento, orientações ou recursos.

“Essas desigualdades têm marcas de gênero e de raça. As mulheres estão em situação pior e essa diferença vem aumentando em relação aos homens ao longo do tempo [da pandemia]”, diz Gabriela Lotta, uma das pesquisadoras responsáveis pelo trabalho. O relatório foi produzido com dados de uma enquete online, com 1.829 profissionais de saúde, entre os dias 1º e 20 de março deste ano.

Esta é a quarta rodada da pesquisa e faz parte de uma série realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB-FGV), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Rede Covid-19 Humanidades. A proposta é compreender as percepções dos profissionais que atuam na linha de frente da pandemia sobre as condições de trabalho nesse período

Sobre o recebimento de equipamentos, treinamento e testagem, também observam-se disparidades. Enquanto 57,93% dos homens brancos disseram ter recebido equipamentos de forma contínua, o percentual cai para 38,12% entre os homens negros. Em relação ao treinamento, 43,9% dos homens brancos relataram ter recebido, e as mulheres negras foram as que menos receberam, com 20,94%. A testagem de forma contínua foi citada por 22,5% dos homens brancos e 11,5% das mulheres negras.

“A gente achava que ao longo do tempo essas desigualdades fossem amenizadas, mas, pelo contrário, elas foram se acentuando”, afirma a pesquisadora. Gabriela explica que a análise por gênero e raça se mostrou fundamental ao longo do trabalho. “Nas outras etapas ficou cada vez mais evidente que embora a pandemia afetasse a todas as pessoas, e especialmente os profissionais de saúde, ela atingia de maneira diferente mulheres e homens, especialmente as questões de raça.”

A desigualdade aparece também nas áreas de saúde mental e divisão do trabalho doméstico. Para 67,3% dos homens entrevistados, a saúde mental teve impacto durante a pandemia. Entre as mulheres, o índice chega a 83,7%. Mais da metade das profissionais de saúde disseram dedicar mais de 14 horas por semana às tarefas domésticas, contra 39% dos homens.

Em termos comparativos das etapas do levantamento Gabriela mostra que, no geral, os indicadores se mantiveram ruins. “O sentimento de despreparo diminuiu um pouco, o acesso a equipamentos de proteção individual aumentou, o acesso à testagem aumentou, o suporte e orientação aumentaram mas outros indicadores se mantiveram muito ruins o tempo inteiro.”

Gabriela chama atenção para o esgotamento dos profissionais de saúde. “Estamos com alto percentual de adoecimento, mortalidade muito alta também, especialmente antes da vacinação, profissionais que estão com a saúde mental abalada e precisam continuar cuidando dos pacientes. Eles não estão tendo descanso, não têm férias, não têm licença e estão no limite.”

A pesquisadora destaca a necessidade de políticas que observem as desigualdades estruturais. “Essas políticas deveriam ser para todos os profissionais, elas precisariam ter um olhar muito cuidadoso, pois o estudo revela os reflexos também dessa desigualdade estrutural de gênero na sociedade", diz. Para ela, as políticas sempre devem ter um olhar diferenciado para homens e mulheres, porque "se elas tratam todo mundo igual, a gente está só reproduzindo desigualdades.”

Fonte e texto : AgenciaBrasil

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Mulheres Negras e Saúde : A resistência que salva vidas

 Por Mônica Aguiar 

As mulheres negras ativistas e militantes, ao longo da história tem lutado para transformar a vida de outras mulheres negras que vivem em condições desfavoráveis pela falta de oportunidades e desigualdades raciais existentes . Centenas de mulheres negras não fazem  parte do conjunto da população que conseguem acessar as políticas fundamentais. O exercício da cidadania  ainda é extremamente limitado, demarcando o alcance da liberdade e  autonomia sobre seu corpo.

As mulheres negras ativistas e feministas trouxeram para dentro da Política Nacional  de Atenção Integral  à Saúde das Mulheres  e dos direitos sexuais e reprodutivos a importância do reconhecimento das especificidades existentes na saúde da população negra. Com isto, temas que nunca foram debatidos passaram a ser também temas de conferências da saúde, a exemplo:  as Mortes maternas e evitáveis no Brasil ganharam força na voz das mulheres negras, tornando resoluções e Leis especificas :

·       A Portaria nº 344, de 1º de fevereiro de 2017, do Ministério da Saúde, passou a adotar o critério da autodeclaração, ou seja, o próprio usuário define qual é sua raça/cor, com exceção nos casos de recém-nascidos, óbitos ou diante de situações em que o usuário estiver impossibilitado cabendo aos familiares ou responsáveis a declaração de sua cor ou pertencimento étnico-racial.

  • ·    A Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009: institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.
  • ·     A Portaria nº 4.279, 30 de dezembro de 2010: estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)
  • ·      A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.

É fundamental o reconhecimento da existência de doenças de maior prevalência na população negra em virtude do condicionamento de fatores genéticos que atuam conjuntamente com fatores sociais, econômicos e ambientais e, que, tem, efeitos diretos e indiretos na produção de comorbidades, morbidades e na mortalidade da população negra. Fatores que influenciam de forma drástica na perspectiva de vida das mulheres negras grávidas e puérperas, devem ser objetos de estudos e não de resistência.  

A Precocidade de óbitos maternos ressaltado nas altas taxas de mortalidade materna e infantil, e as prevalências de doenças crônicas, infecciosas e de desnutrição demostram os níveis de desigualdades existentes quando o assunto é a falta de acesso aos diretos fundamentais.

Mesmo tendo avançado na política pública de saúde, ainda existem muitas resistências por parte de profissionais da saúde pública e privada, secretarias de saúde e conselhos de saúde para implementar, colocar em prática a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Existe “indisposição e melindres” por parte de vários profissionais da saúde para direcionar ao paciente o direito de responder a definição étnica/racial a ser incluída nos prontuários.

Também podemos observar no conteúdo das argumentações de vários profissionais da saúde pública e gestores que participam dos espaços de controle social (Conselhos), a negativa que a declaração da raça/cor é importante para a construção de políticas públicas, pois permite que os sistemas de informação do SUS consolidem indicadores que traduzem os efeitos dos fenômenos sociais e das desigualdades sobre os diferentes segmentos populacionais.

De outro lado, existem consensos por muitos especialistas que são profissionais da saúde pública e gestores públicos que certas doenças e agravos prevalentes na população negra necessitam de uma abordagem específica e para isto tais doenças foram agrupadas como: geneticamente determinados; adquiridos em condições desfavoráveis; de evolução agravada ou tratamento dificultado.

Afinal, a   igualdade e  equidade pela vida não é privilégio é direito de todas de ter saúde com dignidade.

O racismo ainda estar muito presente nas concepções e valores de muitos profissionais, infelizmente ainda são denominados culturais no Brasil.  

As mulheres negras são as que mais sofrem, são principais vítimas das práticas racistas na saúde.  A mulher negra chega ao ponto de ficar totalmente refém deste sistema muito abstrato e que se move a partir da concepção racial de cada um, “claramente” detectada nas linguagens, abordagens, acolhimento, tempo de consulta, desinteresse a escuta, quebra de sigilo, dificuldade de consultas e exames específicos, erros nos diagnósticos e dos  preenchimento de prontuários até a dificuldade de apresentação de dados em comitês e Fóruns mortalidade materna/saúde da mulher separadas por grupos étnicos/racial.

Existe segregação da população negra na saúde pública. E por mais que seja em sua maioria a quem mais acesa o Sistema Único de Saúde no Brasil o SUS,  este fato é notório, apontados em diversas pesquisas.

Não acredito que certas práticas profissionais devam ser consideradas como racismo institucional ou estrutural.  As relações interpessoais se dão em breves momentos com formatos e foro íntimo.  Comportamentos discriminatórios e preconceituosas produzidos a partir da concepção pessoal que cada profissional tem ao  ver, enxergar o outro principalmente, aqui reafirmo, a mulher negra como semelhante, igual.  

Neste todo processo de avalições e supervisão do controle social é importante ressaltar que as análises apresentadas das mortes maternas e infantis, violência obstétrica  não contenham linguagens, formatos criminalizadores e preconceituosos, mas que busque reforçar o papel do Estado para garantia da igualdade na atenção da saúde pública; universalidade do acesso e   integralidade da atenção, bem como o papel dos Governos independente das forças políticas e da  esfera administrativa em reparar os danos causados pela escravidão.

A dimensão político-programática de combate ao racismo institucional é caracterizada pela produção e disseminação de informações sobre as experiências diferentes e/ou desiguais em nascer, viver, adoecer e morrer; pela capacidade em reconhecer o racismo como um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliação das potencialidades individuais; pelo investimento em ações e programas específicos para a identificação de práticas discriminatórias; pelas possibilidades de elaboração e implementação de mecanismos e estratégias de não discriminação, combate e prevenção do racismo e intolerâncias correlatas – incluindo a sensibilização e capacitação de profissionais; pelo compromisso em priorizar a formulação e implementação de mecanismos e estratégias de redução das disparidades e promoção da equidade. (Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política do SUS)

TEMPOS DE COVIDE

No Brasil, neste período de pandemia, o coronavirus matou mais as pessoas negras e pobres que são trabalhadores de serviços essenciais e informais, trabalhadores que não puderam deixar de trabalhar, além de pessoas pobres idosas e com comorbidades, com acesso desigual ao sistema de saúde.

A pandemia escancarou o que a décadas as mulheres negras vem denunciando em relação a falta de acesso a saúde de qualidade para a população negra.  Terreno fértil para a população que se encontra cada dia mais  em situação de desigualdades sociais e econômica, sem alimentação adequada e sem aceso ao saneamento básico.

 Resultados de um estudo do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, grupo da PUC-Rio, em julho de 2020, confirmam que pretos e pardos morreram por covid-19 mais do que brancos no Brasil. O grupo analisou a variação da taxa de letalidade da doença no Brasil de acordo com variáveis demográficas e socioeconômicas da população. Cerca de 30 mil casos de notificações de covid-19 até 18 de maio disponibilizados pelo Ministério da Saúde foram levados em conta. Considerando esses casos, quase 55% de pretos e pardos morreram, enquanto, entre pessoas brancas, esse valor ficou em 38%. A porcentagem foi maior entre pessoas negras do que entre brancas em todas as faixas etárias e também comparando todos os níveis de escolaridade. (BBC)

Fontes e pesquisas:  https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/SUS_bracos_abertos_saude_populcao_negra.pdf  /BBC / CRIOLA/ GELEDÉS/ FOLHA/ ESTADO DE MINAS 

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