sábado, 31 de março de 2018

Inserção das mulheres brasileiras em cargos de chefia é uma das piores no mundo

O Brasil ocupa a 161ª posição no Ranking de Presença Feminina no Poder Executivo, dentre os 186 países analisados pelo 
Projeto Mulheres Inspiradoras (PMI) – 2018. 

ranking é baseado em um índice que sintetiza dados que medem a representatividade feminina nas chefias de governo; a representatividade nas chefias de Estado; o número e a proporção de habitantes governados por mulheres e a proporção de cargos em ministérios ocupados por lideranças femininas.

Os dados do projeto são baseados em informações das Nações Unidas, do Banco Mundial e do instituto de pesquisas The Heritage Foundation. A análise considerou 186 países reconhecidos pela ONU. Também foram coletados dados específicos em consulados e espaços oficiais dos países participantes. No caso do Brasil, foram considerados dados primários e públicos do Tribunal Superior Eleitoral, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Sead).

Dez primeiros colocados
Segundo o ranking atual, os dez primeiros países com presença política de lideranças femininas no Executivo são: Nova Zelândia, Chile, Reino Unido, Suíça, Ilhas Marshall, Myanmar, Islândia, Noruega, Peru e Alemanha. Todos eles tinham mulheres como chefes de Governo, sendo que cinco dessas nações também contam com mulheres chefes de Estado. Mas, mesmo nesses dez países mais bem colocados, a média de mulheres em ministérios é de 28,5%, o que está longe de representar o percentual de mulheres na população mundial, que é de pouco menos da metade do total. De acordo com as Nações Unidas, existem no mundo 101,8 homens para cada 100 mulheres.

Quando comparados continentes, o que está melhor posicionado é a Europa, onde as mulheres ocupam 20,4% das cadeiras de chefias de Governo totais. O mesmo ocorre com a proporção média europeia de mulheres ocupantes de cargos político-administrativos de primeiro escalão: elas estão em 24,7% dessas posições no continente. As Américas juntas estão na segunda posição, seguida pela Ásia e pela África subsaariana, conforme divisão territorial estabelecida na pesquisa. Em último lugar, está o Norte da África, onde não há mulher como chefe de Governo.

De acordo com o PMI, a média mundial de representatividade feminina em chefias de Governo é de 7,53%. Já a proporção de mulheres que ocupam cargos em ministérios é de 18,4%. “Nós estamos mostrando que 92% dos chefes de Governo no mundo são do sexo masculino. A representatividade das mulheres é muito baixa”, enfatiza Marlene Machado, diretora executiva do projeto. Uma situação que encontra eco na história: desde 1940 até hoje, detalha o estudo, apenas 135 mulheres foram chefes de Governo, em 73 países.

Outro elemento histórico que ajuda a explicar a situação é o acesso ao voto. A Nova Zelândia, primeira colocada no ranking, é também a que detém o direito ao voto feminino há mais tempo: 125 anos. Lá, o direito foi garantido apenas quatro anos após os homens terem votado pela primeira vez. 
Austrália, Finlândia e Noruega vêm logo em seguida com 124, 112 e 105 anos de direito ao voto feminino, respectivamente. 
No Brasil, os homens votam desde 189, mas as mulheres só passaram a votar e poder serem votadas em 1932, há 86 anos. A diferença do tempo de homens e mulheres como votantes aqui é de 41 anos.

Brasil distante da igualdade
No ano passado, o Brasil estava em 115° lugar no ranking mundial. Agora, o resultado mostra que a inserção das mulheres brasileiras em cargos de chefia é uma das piores no mundo e a pior da América Latina. A desigualdade fica nítida quando analisadas as eleições presidenciais, para governo dos estados e também para as prefeituras das capitais, bem como a composição ministerial e dos secretariados, segundo a pesquisa.

As mulheres eram três dos 11 postulantes à Presidência da República nas últimas eleições no Brasil. A vencedora, Dilma Rousseff, foi a única mulher a ocupar o cargo, o que ocorreu em 2010 e em 2014. Nos ministérios, a participação das mulheres era de 4% do total em 2016. Hoje é ainda menor: 96,5% dos cargos de ministro estão ocupados por homens, segundo o PMI.

No caso dos governos estaduais, analisando as eleições de 1992 até 2014, o estudo mostra que o melhor ano em representatividade feminina foi 2006, quando três mulheres foram eleitas governadoras.
Nas últimas eleições, em 2014, apenas uma mulher foi eleita: Suely Campos, atual governadora de Roraima. O número de cadeiras nos governos estaduais ocupadas por mulheres hoje é o mesmo que o de 24 anos atrás.
Em Roraima, 27% do secretariado são ocupados por mulheres, o que torna o estado o quarto com maior presença feminina nesses postos. Em primeiro lugar está a Paraíba, com 37,21% de secretarias ocupadas por mulheres, depois Mato Grosso do Sul (30,77%) e Acre (29,17%).

Prefeitas
Quanto às prefeituras, foram analisados 5.477 dos 5.570 municípios – diferença decorrente da falta de disponibilização de dados por parte de alguns deles. Ao todo, no Brasil, existem 4.838 prefeitos do sexo masculino e apenas 639 prefeitas mulheres. 
A pesquisa também aponta que muitas das atuais prefeitas já disputaram reeleição. “Isso mostra que, além de serem poucas candidatas, são poucas as candidatas que têm um desempenho suficiente para se eleger. 70% das candidatas a prefeita não se elegem”, destaca Marlene Machado.

A partir da análise do crescimento da participação nos pleitos e cargos, o projeto estimou que a igualdade de gênero na titularidade das prefeituras só chegará em 20 anos e meio, ao passo que 47 anos e 9 meses serão necessários para que as mulheres consigam ocupar metade das cadeiras para governadores.

Para mudar a situação, Marlene defende uma mudança estrutural dos próprios partidos políticos, bem como abertura do debate com a sociedade sobre a participação das mulheres na política. “Eu creio que seria muito importante que as mulheres fizessem parte das direções dos partidos, para que elas também pudessem ter poder de decisões, e mais acesso ao fundo partidário para que elas possam ter uma campanha melhor”, alertou.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Morre Linda Brown, ícone da luta contra a segregação racial nas escolas dos EUA

Por Agencia EFE

Recusa de escola em aceitá-la como aluna provocou histórica decisão do fim da doutrina de segregação racial na educação pública americana.

Linda Brown, uma mulher do Kansas que na década de 1950 ficou famosa por um processo que proibiu a segregação racial nas escolas dos Estados Unidos, morreu aos 76 anos, segundo informaram nesta segunda-feira (26) meios de comunicação locais. Nascida em Topeka, capital do Kansas, Brown tinha 9 anos quando o seu pai, o reverendo Oliver Brown, tentou inscrevê-la em 1950 na escola pública primária mais próxima à casa da família. A recusa da escola Summer School a aceitá-la por ser negra provocou quatro anos mais tarde a histórica decisão do litígio "Brown vs. Board of Education", com o qual o Tribunal Supremo pôs fim à doutrina "segregada, mas igual" que regia na educação pública americana desde 1896.

O Supremo determinou que "separar (as crianças negras) de outras de idade e qualificações similares unicamente pela sua raça gera um sentimento de inferioridade quanto à sua posição na comunidade que pode afetar seus corações e mentes de um modo improvável de reverter".

Além disso, concluiu que a segregação era uma prática que violava a cláusula de "proteção igualitária" prevista na Constituição.

Embora Brown tivesse dado o nome, o litígio agrupava vários casos recompilados pela Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP, em inglês) de estudantes afro-americanos rechaçados em instituições educativas ao redor do país. A causa recebeu, inclusive, ajuda de Thurgood Marshall, primeiro advogado negro a ser membro Supremo Corte americana.

Um porta-voz da funerária de Topeka Peaceful Rest Funeral Chapel confirmou à imprensa americana que Brown morreu neste domingo por razões que não foram informadas.

Em entrevista à emissora "PBS" em 1985, por ocasião do aniversário de 30 anos da sentença, Brown disse sentir que a decisão do Supremo tinha tido "um impacto em todas as facetas da vida das minorias em todo o país".

"Eu penso em termos do que fez para nossos jovens, na eliminação desse sentimento de cidadania de segunda classe. Acho que fez com que os sonhos, as esperanças e as aspirações de nossos jovens sejam hoje maiores", acrescentou.

“Embora ela tenha se tornado um ícone dos direitos civis, o “Brown” da sentença” Brown vs. Board of Education" pertence ao seu pai, que foi quem apresentou o processo e que morreu em 1961.

terça-feira, 27 de março de 2018

#DeixaElaTrabalhar: a nova investida de mulheres jornalistas contra o machismo

Em uma cobertura ao vivo de uma partida de futebol, a repórter Bruna Dealtry, do canal Esporte Interativo, foi beijada, à força, por um torcedor. O episódio ocorreu no Rio de Janeiro, no último dia 14, durante a partida entre o Vasco e Universidad do Chile, pela Libertadores. Constrangida, a repórter disse que a atitude "não foi legal", mas continuou a transmissão. 

Três dias antes, em Porto Alegre, um torcedor do Inter insultou e agrediu, fisicamente, a repórter Renata Medeiros, da Rádio Gaúcha, que cobria a partida entre Grêmio e Inter. “Sai daqui, sua puta”, disse o torcedor à jornalista.

Esses são apenas dois dos casos mais recentes de assédio e desrespeito que jornalistas mulheres, principalmente - mas não somente - da área esportiva vem sofrendo no ambiente de trabalho. Por isso, uma nova campanha tenta jogar luz sobre este problema e pedir respeito às profissionais.

Sob a marca #DeixaElaTrabalhar, um grupo de cerca de 50 jornalistas mulheres de todo o país lançou nesta sexta-feira a campanha e um vídeo com alguns dos relatos sofridos. Comentários violentos e ameaças de estupro de torcedores nos estádios e nas redes sociais estão entre as agressões.

O objetivo da campanha é chamar a atenção para as agressões que as profissionais sofrem não somente nos estádios,  mas dar uma  resposta aos assédios e as violências sofrida nas redes sociais.

Sabendo disso, alguns clubes começaram a se mexer. Na semana do Dia Internacional da Mulher, o Atlético-MG entrou em campo para o clássico contra o Cruzeiro com faixas chamando a atenção para a violência contra a mulher e divulgando o serviço de denúncia Ligue 180. Maria da Penha Maia Fernandes, que empresta o nome à lei que criminalizou a violência doméstica e familiar sofrida por mulheres, esteve no gramado do Independência e foi homenageada pelo clube. Nas arquibancadas naquele dia, as torcedoras posaram com cartazes para marcar um território cada vez mais reivindicado por elas: "Meu lugar é aqui". Outros times também se mostraram mobilizados na semana da mulher.

O Corinthians, por exemplo, jogou contra o Mirassol com a marca #RespeitaAsMinas estampadas no uniforme e entrou em campo junto com as atletas do time feminino. Porém, no resto do ano, esta cortesia com as mulheres nos estádios não entra na jogada.

Jornalistas contra o assédio 
Não é a primeira vez que jornalistas mulheres se unem para denunciar os abusos e assédios sofridos na profissão. Em junho de 2016, depois que uma repórter do portal iG foi assediada no meio de uma entrevista coletiva pelo ex-cantor Biel, um grupo de jornalistas mulheres criou a campanha #JornalistasContraOAssédio.

Na época, Biel, que caiu no ostracismo após o episódio, chamou a repórter de 21 anos de "gostosinha" e disse que a "quebraria no meio" se eles tivessem relações sexuais. A jornalista chegou a registrar queixa na Delegacia da Mulher e o iG prometeu que daria todo o apoio à profissional. Mas ela foi dispensada menos de um mês após o caso vir à tona.

Na época, a campanha também reuniu relatos de abusos e assédios sofridos por profissionais no exercício da profissão. Hoje, a campanha se transformou em um coletivo que denuncia, sistematicamente, as diversas formas de assédio. 

Fonte Elpais 

quinta-feira, 22 de março de 2018

Chefia da EBC restrige cobertura da morte de Marielle


Chefes da empresa federal enviaram e-mails para equipe 

Jornalistas da EBC : Fotofacebook
Jornalistas e radialistas da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em Brasília, protestaram nesta terça-feira(20), cruzando os braços , contra mensagens recebidas de gerentes da companhia - que reúne a Agência Brasil, a Radio Nacional e a TV Brasil  orientando a equipe para parar de cobrir manifestações contra os assassinatos  sobre as mortes da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes.

O gerente-executivo da Agência Brasil, Alberto Coura, pede que uma repórter seja orientada a “não fazer manifestações sobre a morte da vereadora. Estão repetitivas e cansativas. Nos jornais só há artigos e, você sabe, não publicamos esta forma de opinião. Claro que, se houver fato novo relevante, deve fazer".

O gerente de redação da Agência Brasil, Roberto Cordeiro, disse por e-mail: "Precisamos reduzir matérias da morte da vereadora Marielle Franco. Essas homenagens do PSOL são para tirar proveito do momento. Ou outras repercussões do gênero. Devemos nos concentrar nas investigações e naquilo que dizem as autoridades”.


Diante da situação os  profissionais buscaram amparo no Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal.

Coordenador do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Gésio Passos diz que as mensagens não são compatíveis com a missão da empresa e comprovam a falta de independência editorial do grupo, além da interferência externa na produção:
Além da denúncia pública do caso, vamos entrar com uma representação no Ministério Público Federal para apurar o abuso.

“Desde 2016 estamos acompanhando o agravamento do controle editorial da empresa. Essa é mais uma tentativa de interferência para impedir que o jornalismo da EBC não dê repercussão para um caso que está sendo visto pelo governo de forma negativa”, afirmou o coordenador do SJPDF, Gessio Passos.

Críticas e orientações

Em nota conjunta divulgada no fim desta tarde, sob o título de O Jornalismo Sequestrado da EBC, os sindicatos dos jornalistas do Distrito Federal e São Paulo, o Sindicato dos Radialistas do DF, representantes dos trabalhadores no Conselho de Administração da EBC e a Comissão de Empregados da EBC do DF, RJ e SP acusaram o governo federal de fazer jogo duplo no caso ao declarar que auxilia a investigação do crime e, todavia, pedir a redução da cobertura do assassinato.

As entidades afirmam ainda que um dos chefes da Agência Brasil foi assessor por seis anos do atual Ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, e do Ministério da Defesa. “As ordens dele, nas últimas semanas, são de um relações públicas, exigindo a cobertura de todas as ações da intervenção, incluindo pautas menos relevantes […] Tem sobrecarregado a pequena equipe da sucursal, impedida de fazer a cobertura aprofundada do tema, mostrando os problemas históricos na segurança pública do Estado”, dizem na nota.

Os autores criticam ainda a política de patrocínio da empresa, que, segundo eles, tem se sobreposto a critérios jornalísticos para a veiculação de notícias. “[…] enquanto a Agência Brasil publica cerca de 10 matérias por dia sobre o Fórum Mundial da Água, devido à sobrecarga dessa cobertura paga, a EBC, pela primeira vez desde sua criação, deixou de cobrir o Fórum Social Mundial e mal vem cobrindo o Fórum Mundial Alternativo da Água, que reúne ambientalistas e especialistas críticos ao fórum oficial”, ressaltam, destacando ainda que ambos os fóruns têm cobertura na imprensa comercial, devido às suas relevâncias.

Vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, a EBC administra veículos como a TV Brasil e Agência Brasil, além de ser a responsável por produzir o programa de rádio A Voz do Brasil.

A EBC é uma empresa pública federal e, de acordo com informações publicadas em seu site, "cumpre sua função de prestadora de serviços e contribui para o objetivo de ampliar o debate público sobre temas nacionais e internacionais, de fomentar a construção da cidadania, com uma programação educativa, inclusiva, artística, cultural, informativa, científica e de interesse público, com foco no cidadão".

Em nota, a EBC disse que a direção da empresa foi surpreendida com a informação de que houve orientação na Agência Brasil para reduzir a cobertura dos assassinatos e que o assunto tem sido amplamente coberto por todos os veículos do grupo. Segundo ela, só a Agência Brasil produziu, do dia 14 de março até as 12h09m desta terça, 41 reportagens, seis galerias de imagens, uma reportagem em inglês e duas em espanhol sobre os assassinatos de Marielle e Anderson. "A orientação repassada pela gerência da Agência Brasil contraria a determinação do comando editorial da empresa de sempre pautar seus veículos pela melhor prática do jornalismo. Seus profissionais devem cobrir todos os temas da agenda nacional, como o caso Marielle, noticiando os fatos do dia a dia. Em razão do ocorrido, o responsável foi formalmente advertido, e a direção enviou comunicado a todos os seus empregados reforçando a premissa editorial da empresa", informou a nota.

Fontes: OGlobo/Metropoles/CUTBrasil/Folhadiferenciadablog

terça-feira, 20 de março de 2018

“Martírio” - Filme de Vicent Carelli, revela a história de genocídios dos índios Guarani Kaiowá


Por Dalen Jacomino 

O filme “Martírio”, do antropólogo Vincent Carelli, que revela a história de genocídios dos índios Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, é um dos destaques do Cine Brasil Marginal. 
A mostra chega a sua segunda edição reunindo filmes independentes e que discutem temas ligados aos direitos humanos, justiça social e política.

Trazer à luz histórias e personagens da história na sociedade, da mídia, da justiça – é um dos principais objetivos da mostra Cine Brasil Marginal
, que acontecerá entre os dias 23 e 25 de março, em Zurique, com uma sessão especial para o público infantil no dia 21 de março. 

No documentário, que já ganhou vários prêmios desde seu lançamento, em 2017, Carelli mergulha na história, na cultura, nos valores e costumes desse povo, buscando as origens do extermínio, resultado de um conflito brutal entre forças desiguais. De um lado da cena, a longa e pacífica resistência dos despossuídos Guarani Kaiowá. Do outro, o poderoso aparato do agronegócio. O desequilíbrio é brutal.

“Feito com as tripas”                                                                                         
“O caso retratado no filme é extremo. Da minha parte, gerou quase uma compulsão incontrolável de revolta. Comecei em 1988 e durante uma década fiz coisas aqui e acolá, mas acabei não montando o filme. No entanto, quando a coisa começou a explodir – as notícias de assassinatos, queima de corpos, desaparecimento de cadáveres e por aí vai – me joguei nesse processo. Foi um filme feito com as tripas”, conta Vincent Carelli, em entrevista à swissinfo.

Com um texto claro e direto, fundamentado em estudos históricos, antropológicos, cartográficos, e recheado de depoimentos, Carelli vai apresentando ao expectador as nuances de perspectiva, os conflitos de interesse e as decisões envolvendo o poder econômico, político, judiciário em relação à identificação e demarcação das terras indígenas. A falta de uma visão política, que enxergue “o outro” além dos interesses do chamado “progresso econômico”, que envolva os índios na tomada de decisões e que garanta seus direitos, é crônica, e está presente desde a chegada dos portugueses. 

“É a postura do colonizador, que nunca mudou. No fundo, é uma disputa por território, por recursos. E nessas horas, o índio não vale nada. O índio é um marginal. E, de fato, ele é marginal às nossas normas. Eles têm outro conceito de propriedade. Ou melhor, eles nem têm um conceito de propriedade. Para eles, a terra é de Deus e nós estamos aqui para cuidar dela, para usufruto de todos.”

E o diretor prossegue: “Tudo foi e é feito para esquecermos os índios. Tinha um índio que dizia: ‘na escola brasileira, nos livros didáticos, eles matam a gente o tempo todo. Primeiro, eles falam que ficávamos ali atrás  (escondidos) esperando Cabral (Pedro ´Alvares Cabral), e depois desaparecemos.’ Mais recentemente, a sociedade tem mostrado maior interesse pela questão indígena. Índio entrou na moda.  Mas esse pessoal que tem interesse pelo tema ainda é sempre uma minoria.”

Segundo Carelli, a política atual do estado em relação aos índios está tão precária quanto àquela em relação aos cidadãos brasileiros. “A política do estado brasileiro está no seu pior momento para todos nós. A realidade indígena brasileira é muito complexa, variada. Embates existiram e existem em diversas regiões e em momentos diferentes. Mas o embate com o agronegócio, que é a questão dos Guarani Kaiowá, e dos Guarani do Sul como um todo (em relação à pequena propriedade), é muito ruim porque quem está no poder no momento são os caciques do agronegócio."

Segundo relata Carelli, "até o ano passado havia um embate político sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que prevê que as demarcações de terras indígenas passassem a ser responsabilidade exclusiva do Congresso Nacional (atualmente o governo e a FUNAI são responsáveis), o que deixaria a tomada de decisões à mercê do lobby ruralista no Congresso. Agora, o lobby ruralista assumiu o poder e de repente nem se fala mais nela. Por quê?  Porque quem queria administrar as terras indígenas agora está no poder. Mas, ao mesmo tempo, os índios têm um movimento nacional fortalecido.  Superaram outros momentos difíceis da realidade brasileira e resistem.”

Câmera nas mãos dos índios
Carelli tem vivência e experiência mais do que suficientes para avaliar essa jornada.  Em 1986,  ele deu início ao projeto Vídeo nas Aldeias, que utiliza os recursos audiovisuais como forma de fortalecer a identidade e cultura dos povos indígenas. E o crescente interesse pelo chamado cinema indígena é também uma realidade.

“São 30 anos de experiência. Hoje todo mundo filma, inclusive com o celular.  Essa coisa do audiovisual viria de qualquer maneira. Mas acho que conseguimos gerar um interesse e produzir trabalhos que foram muito divulgados no Brasil, e que estimularam e inspiraram outras pessoas. Hoje começa a aparecer o cinema indígena. Trata-se, portanto, de uma longa jornada. Não foi por geração espontânea.”

E os desafios continuam significativos: “O fato é que sempre foi e é um espaço precário. Como se trata de um cinema marginal, há pouco investimento. Hoje em dia nas aldeias não há recurso para fazer formação, uma das principais atividades que a gente fazia. Então, apesar disso, tem gente aqui, acolá, colaborando com algum índio, mas aos trancos e barrancos.”

Vaquinha
Para conseguir terminar de produzir o filme, Carelli contou com recursos provenientes de crowdfunding (financiamento coletivo). De acordo com o diretor, mil pessoas contribuíram para que o filme pudesse ser finalizado.

“Nesse momento de crise política, não são os partidos, mas a sociedade civil que tem que se reorganizar e voltar à cena política. E num momento em que há uma censura ideológica, inclusive para financiamento da área cultural, e uma ausência de recursos , é fundamental a ação das redes de solidariedade, de articulação e de reflexão. Toda crise gera uma reação. Então, eu acho que quando temos um governo que não nos representa a gente tem que se virar. E no momento o crowdfunding é fundamental. É propício.”

O filme “Martírio” é o segundo de uma trilogia que começou com “Corumbiara” (2009), sobre o massacre indígena em Rondônia, e termina com “Adeus, capitão”, cujas filmagens ainda não começaram.

“A trilogia apresenta casos emblemáticos da situação indígena.  São casos com os quais me envolvi pessoalmente ao longo da vida. Então, é um pouco o meu testemunho pessoal sobre esses processos e a história de cada um desses povos. Os dois primeiros filmes são sobre genocídios e o terceiro contará a história de um povo que quase se extingue e depois se depara com projetos milionários de uma ferrovia que deve atravessar a área onde habita, em Marabá, no Pará. E isso altera totalmente a vida deles. Quero dar meu testemunho.”

Festival marginal em curva ascendente
Além de “Martírio”, a mostra Cine Brasil Marginal contará com 16 filmes, entre longas e curta-metragens. Uma das novidades deste ano é a sessão exclusiva voltada ao público infantil, com seis curta-metragens, que acontece no dia 21 de março. Já a programação para adultos conta ainda com dois filmes da República Dominicana: “Después de Trujillo” (2014) e “Caribbean Fantasy” (2016). Ao longo da mostra também estão programados debates, que acontecerão após a apresentação de alguns dos filmes.

“Na primeira edição da mostra houve uma procura significativa não só pelos públicos brasileiro e latino-americano, mas também pelo suíço. Existe, sim, uma demanda reprimida que procuramos atender”, explica Fabiana Kuriki, uma das organizadoras do evento.  O Cine Brasil Marginal é organizado pelo coletivo Taoca,  um grupo de profissionais que promove iniciativas de reflexão e debate sociais, e conta com a parceria do Centro Latino-Americano da Universidade de Zurique.

Os filmes são falados em língua original e legendados em inglês.


Cine Brasil Marginal 
Datas: Dia 21 (público infantil), e de 23 a 25 de março
Local: Photobastei - Sihlquai 125, 8005 Zurique
Para programação completa, clique aquiLink externo.
Entrada gratuita.
 Trailers: 
Fonte: swissinfo

segunda-feira, 19 de março de 2018

A situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil: violências e violações

Por Mônica Aguiar 



Estamos fechando o mês de março, dia internacional de luta da mulher, data marcada pela tragédia no dia 25 de março, onde 130 mulheres  foram brutalmente exterminados por reivindicarem o fim da violência contra mulheres . 


Aproximamos do dia  21 de março, Dia Internacional de Eliminação da Discriminação Racial, dia que marca o Massacre de Sharpeville, em Joanesburgo, na África do Sul, no qual negros e negras de diversas idades foram assassinados sem compaixão, durante uma manifestação pacifica, por tropas do exercito, durante o regime do Apartheid.  Sessenta e nova (69) pessoas foram exterminadas e outras cento de oitenta e seis (186), ficaram gravemente  feridas . 

Este ano de 2018, o dia quatorze(14) de março fica marcado com a atrocidade cometida contra a Vereadora negra Marielle Franco, militante feminista e dos direitos humanos, exterminada no exercício de sua função pública como Vereadora, representante notória  dos interesses das mulheres, da população negra e direitos humanos perante o poder público e  sociedade. 

Diante este e tantos fatos de violação dos direitos humanos ocorridos contra centenas de mulheres negras brasileiras, apresento o Dossiê  de 2016 

 "A situação dos direitos humanos das 
mulheres negras no Brasil" 

Produzido pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra e Criola – Organização de Mulheres Negras, apresentado na 157ª sessão da Comissão da OEA – Organização dos Estados Americanos.

Com abordagens da violência e diferentes formas de violações de direitos humanos de mulheres negras brasileiras no Brasil.  

Dentre vários objetivos: Exigir respostas urgentes capazes de frear a exposição desproporcional de meninas, adolescentes, jovens mulheres negras lésbicas, trans e heterossexuais, do campo e da cidade às múltiplas formas de violência. 

A abertura do Dossiê também já apontava que " a violência é um fenômeno complexo e, nas sociedades afetadas pelo racismo patriarcal heteronormativo, atingindo de maneira desproporcional às populações de pele escura, com forte marca do sexismo e das fobias LGBT". 

Reafirmando que "apesar do Brasil ter se empenhado nas últimas décadas em ações de diminuição das desigualdades sociais e de enfrentamento da violência contra a mulher, elas não impediram o aumento de 54.2% dos assassinatos de mulheres negras entre 2003-2013, o aumento do encarceramento feminino e a continuidade das violações de direitos das mulheres negras. 
Para  proteger a vida e os direitos de mulheres e meninas negras, é imprescindível que mecanismos, soluções e atuem sobre as experiências e necessidades específicas deste grupo populacional, incorporando a perspectiva de enfrentamento ao racismo patriarcal heteronormativo, ao racismo institucional e seus impactos sociais, econômicos e psíquicos na vida das mulheres e meninas negras". 

Exigindo respostas urgentes capazes de frear a exposição desproporcional de meninas, adolescentes, jovens mulheres negras lésbicas, trans e heterossexuais, do campo e da cidade às múltiplas formas de violência. 

Apresentando caminhos para reverter a inadequação e/ou ineficiência das políticas públicas em curso no Brasil para proteger as vidas das mulheres negras. 

Sendo, nós mulheres negras estamos historicamente tentado dialogar com o Estado brasileiro , sobre as violações dos direitos humanos que sofrem o povo negro .  


A situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil: violências e violações – PortuguêsA situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil: violências e violações – InglêsA situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil: violências e violações – Espanhol

sexta-feira, 16 de março de 2018

VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NEGRAS


Por Mônica Aguiar 

Muitas mulheres negras sofrem em seu cotidiano com a violência que se apresentam em diversas formas. 
Mudar conceitos, lutar contras as regras imposta, contra o patriarcado racista, não assumir papeis tradicionais com funções servis pré-determinadas principalmente se for mulher negra, é um afronta para alguns setores que tem nas mãos a estrutura do Estado .

Estes setores anacrônicos, tem reagido de forma diretamente ofensiva contra as mulheres negras, principalmente as que tem independência de vida  e participação na política. 
Abominam ver uma mulher negra ocupando espaços públicos e de poder;
Abominam ver que uma mulher negra pode ter vida privada longe dos valores da determinada regra preconceituosa e discriminatória.

Lembrando, quem ocupa os espaços de poder público, são maioria homens brancos. Muitos representam o setor retrógrado racista, que  não suportam estar sob comando de uma mulher. 
Não suportam ver uma mulher negra ter representatividade política na sociedade. 

Este setor, demostra diariamente sua capacidade de aniquilar as mulheres negras que rompem com as  regras impostas e se tornam a  representação e voz na política de um povo que até então estavam praticamente sozinhos. 
Este setor anacrônico, espera que a mulheres negras apenas ocupem funções no máximo de auxiliares, desde que estas não sejam deliberativas e determinantes.  

São totalmente contrários a quaisquer ação positiva de defesa da vida promovida pelas mulheres negras, principalmente quando sua representatividade é conquistada com exercício direto da democracia. No voto. 

Observemos que as velhas frases prontas, agora modernizadas, restauram diuturnamente a desqualificação e questionamentos, com relação as bandeiras de defesa da vida promovido por uma  mulher  negra que tem representação na vida  política independente da esfera federativa. 

Lançam  desenformações com requinte de crueldade, coagindo sentimento de ódio nas pessoas manifestados explicitamente por vários agentes da segurança pública em exercício de sua função nas redes sociais . A pauta de defesa dos direitos humanos para o povo negro, são considerados  ainda perturbadores da ordem pública, provocadores de tumultuo. Valendo a interpretação que onde os interesses políticos estão ameaçados, "ações de extermínio são necessárias" para quem não afiança e contrapõem as estruturas dominantes deste Estado.

O eco das vozes das  mulheres negras  contra o  extermínio do povo negro e  da juventude negra,  tem ganhado a atenção por parte da sociedade, desencadeando reações distintas de defesa dos  direitos humanos sem precisar do abono da imprensa tradicional ou mandatários.

As infestações racistas, não tem mais grandes efeitos onde o povo negro vive e são maioria.
Vozes das mulheres negras ecoam em defesa da vida nas comunidades e favelas, contrariando a estratégia da  invisibilidade  por  parte da imprensa.  

Não somos grupo minoritário . Somos  a maioria da sociedade  brasileira!  Lutamos pela vida. 

A Vereadora Marielle, representa um povo que não aguenta mais ver seus filhos, filhas, netas e netos, amigas e amigos vizinhos, morrer  por ações orquestradas por quem esta governando o  Estado maior.  
O Estado deve respeito as mulheres que lutam pela a garantia dos  direitos humanos e pelas garantias dos direitos fundamentais.

As mazelas do racismo estão cada dia mais evidenciadas nos dados de desigualdades socioeconômicas desta atual conjuntura  política. 

Vidas humanas não podem ser transformados em dados estatísticos. 

O extermínio sofrido por pessoas que lutam em defesa dos direitos humanos no Brasil tem que acabar .

O não reconhecimento dos direitos humanos por parte de setores do Estado,  provocam abusos, intolerância, injustiça, opressão, tortura física e psicológica e extermínio .

Vida para nós mães, avós e filhos. 

quinta-feira, 15 de março de 2018

Vereadora Negra Marielle Franco foi Executada !


Vereadora Marielle 
por Mônica Aguiar 

A vereadora negra Marielle Franco (PSOL), de 38 anos, foi executada ontem quarta-feira (14), por volta das 21h30m, próximo à prefeitura do Rio.  Anderson Pedro Gomes, seu motorista, também foi morto na ação.

Os criminosos aparelharam o carro que ocupavam com o carro da Vereadora Marielle Franco no centro do Rio, abrindo fogo em  direção da jovem Vereadora Negra .  
Marielle estava sentada no banco de traz e recebeu vários tiros na cabeça. 
Os assassinos não levaram nada.

O extermínio da Vereadora negra Marielle, choca o mundo, tornando notícia em jornais como “The New York Times”, “The Washington Post” e na rede ABC News, todos nos Estados Unidos.

A Vereadora negra Marielle,  estava saindo do encontro "Jovens Negras Movendo as Estruturas", na Lapa. 

Março mês da mulher.

A Vereadora negra  Marille é a 5ª mais votada no Rio em 2016.  É uma das cinco mulheres negras, militante e  feminista eleita no Brasil. 
Teve  46 mil votos. 

https://monicaaguiarsouza.blogspot.com.br/2016/10/apenas-5-mulheres-negras-eleitas.html 

Seu mandato dedicado e com a marca na defesa das mulheres negras, juventude negra, combate ao racismo , combate as violências sofridas pelas mulheres negras e genocídio da juventude negra .  

A Vereadora nascida e criada na favela da Maré,  é socióloga e Mestre em Administração pública, foi  coordenadora da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj. Defensora dos direitos humanos, militante feminista negra. 

Tinha orgulho de sua origem!

Sempre lutou e defendeu vidas!
Vidas da população negra e pobre moradora da favela.

"Sou mulher, negra, mãe e cria da favela da Maré". Assim Marielle se identificava em seu site. 


Uma dia antes de ser assassinada Marielle postou : 
Marielle Franco@mariellefranco “ Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”


A vereadora negra Marielle,  em forma de protesto,  denunciou  em rede social  o 41° BPM de "Batalhão da morte", no sábado (10). 
"O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens", 
escreveu ela.

Os moradores do Complexo da Maré, amigos e  militantes do movimento de mulheres negras, movimento negro e direitos humanos,  expressaram a revolta e a tristeza da morte da Vereadora negra Marielle em vários canais interativos e redes sociais. 

O grito por justiça social ecoará sempre.. Não calaram nossas vozes!


O corpo de Marielle será velado na Câmara dos Vereadores a partir das 11h desta quinta-feira(15)...............................................................................................................................................................................................................................................

Uma Vida Interrompida
pela Irresponsabilidade do Estado ! 

MAIS LIDAS