terça-feira, 13 de março de 2018

Uma Técnica que Desafia Preconceitos

Lucimar Medeiros, 46, já perdeu as contas de quantas vezes ouviu a pergunta. Seja com palavras literais ou de forma sutil, ela sempre vem.
“É difícil para uma mulher se manter no mundo das lutas. Não há nenhum reconhecimento. Dizem ‘ah, mas é mulher’. E daí? Mulher não luta? Luta até muito mais do que os homens”, afirma.
Há nove anos, Lucimar é a responsável por 65 atletas entre sete e 27 anos no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, em São Paulo. Técnica de wrestling, ela é a única mulher a comandar equipe de luta greco-romana no país.
Ex-integrante da seleção brasileira de judô, Lucimar também praticou jiu-jitsu, foi campeã nacional de pancrácio, treinou sumô e foi a principal atleta de luta olímpica do país até 2009, quando passou a ser treinadora. 
O wrestling se divide entre luta olímpica, com categorias masculina e feminina, e a greco-romana, onde só os homens competem. Por causa disso, ouviu o “vai parar, né?” em 2010, no Panamericano da Juventude.
Ao sentar-se na posição do treinador da equipe de greco-romana da categoria cadete (15 a 17 anos), quase causou uma rebelião entre colegas de outros países, que foram reclamar com o responsável pela delegação brasileira no torneio. Queriam tirá-la de lá.
"Questionaram como puderam pôr uma mulher para ficar de técnica no greco-romano? Disseram que mulher não entende de greco-romano, que esse mundo era complexo demais para uma mulher. Eu apenas dei risada.”
Riu e seguiu a carreira. Hoje constata, sem qualquer lamentação, que a validação do seu trabalho aconteceu graças a um homem.
Conceituado na modalidade, o cubano Alejo Morales assumiu o comando do Sesi, em São Paulo, e começou a levar os melhores atletas da modalidade para o seu time.
Homens e mulheres. “Roubou” alguns do Centro Olímpico. Meses depois, ao ouvir comentário sobre a capacidade de Lucimar como técnica de wrestling, comentou: 
“os melhores que temos no Sesi são os atletas que eram dela”.
Ela se acostumou a provar o que sabe. Ensina crianças, adolescentes, homens e mulheres, garotas frágeis e adultos de 1,90 m e 130 kg.
Um deles foi o armênio Eduard Soghomonyan, que representou o Brasil no wrestling dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. A relação foi difícil porque o atleta não aceitava a autoridade de Lucimar.
A treinadora dá de ombros. Se fosse dar importância a isso, teria cedido aos olhares de “vai parar, né?” que recebeu quando assumiu o cargo no Centro Olímpico, em 2009.
“A sociedade é machista não apenas do lado dos homens. As mulheres veem as outras que praticam lutas como homens, masculinizadas. Não como um esporte. As mulheres hoje em dia procuram as lutas, mas para condicionamento físico ou defesa, não como competição.”
Isso a deixa contrariada. Dos seus três filhos, dois praticaram o esporte e desistiram. Tentou incentivar outras pessoas de sua família a tentar, mas não foi atendida.
Lucimar começou a levar a sério o esporte em 2002, cansada de se classificar para torneios internacionais no judô e não poder viajar por falta de verbas. Tinha de custear tudo do próprio bolso. Pelo wrestling, a federação pagava passagem, hospedagem e alimentação. Mergulhou de cabeça, como costuma fazer.
Lucimar não apenas começou a frequentar os treinos, como lutava contra meninos impressionados com a força que ela tinha. Foi no primeiro dia que chegou em casa pós-aula de judô que ouviu a pergunta: “Vai parar, né?”
Até hoje, Lucimar Medeiros balança a cabeça para confirmar a resposta negativa. 
“Não tinha como parar. Eu nasci lutadora.”
Acesse e leia nossos “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol” 20142015 e 2016, com os casos de preconceito e discriminação no esporte brasileiro aqui.
Fonte e texto: Folha de São Paulo 

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