segunda-feira, 30 de maio de 2022

Mortalidade maternas & Mulheres Negras. Dados que precisam ser modificados

 Por Mônica Aguiar

A equidade e universalidade apontam para diminuir as variantes historicamente existentes das desigualdades. Porém são as mulheres pobres que recebem menos cuidados de saúde e de forma adequada. As mulheres pobres deste pais tem cor, são maioria negras.

A integralidade na saúde deveria ser adotado como um dos princípios norteadores para garantir avanços e consolidação no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, com ênfase na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento familiar, na atenção ao abortamento inseguro e no combate à violência doméstica e sexual.  

O Governo Brasileiro não tem interesse de promover no SUS um formato humanizado com eficiência, com senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de direitos. Tem demostrado indisposição em criar mecanismos eficientes que dê atenção integral a vida sexual e reprodutiva das mulheres.

Centenas de mulheres negras através de suas organizações tem lutado para que as futuras gerações não sofram com as mazelas do período escravagista e nem que perpetue sequelas do pôs escravidão.

O racismo tem sido colocado de forma equivocada e fragmentada como estrutural. De fato, as práticas racistas somadas os pensamentos carregadas de valores morais e subjetivos que passam longe da ciência e dos princípios que norteiam os direitos humanos    produzem consequências danosas na sociedade.  

De maneira mais geral, podemos observar que na gestão de saúde pública existe uma reinvenção e reformulação de pensamentos que se adequam ao tempo político e governamental e veladamente imputam as mulheres negras e suas gerações a posição na sociedade de ser dotadas apenas de deveres e não de direitos.

As mulheres e meninas negras no Brasil historicamente tem o aceso fragmentado aos denominados direitos universais e os declarados fundamentais.

No período da pandemia reacendeu o alarme para os autos índices de mortalidade maternas. Uma pesquisa divulgada em julho de 2020, o estudo publicado no International Journal of Gynecology apontou que, entre 26/2, quando foi registrado o primeiro caso no país, e 18/6, 124 gestantes e puérperas morreram por covid-19 no Brasil — o que corresponde a 77% dessas mortes no mundo.

Segundo pesquisas realizadas pelo Observatório obstétrico, desde o início da pandemia, uma em cada cinco gestantes e puérperas (22,6%) internadas com Covid não tiveram acesso à UTI e 33,3% não foram intubadas, último recurso terapêutico para os casos graves da Covid-19.

Desde o início da pandemia foram 9.479 casos de internações por Covid entre gestantes e puérperas, com 738 mortes. Existem outros 9.784 de registros de SRAG (síndrome respiratória aguda grave) não especificados nesse grupo, com 250 óbitos.

No ano passado em 2021, morreram 2.796 mulheres grávidas ou puérperas, segundo dados preliminares informados pelo Painel de Monitoramento de Mortalidade Materna, do Ministério da Saúde.

Dados da ONG CRIOLA a mortalidade materna entre mulheres negras supera em 78% a de mulheres brancas. Em nosso país, 54,1% das mortes maternas ocorrem entre as mulheres negras de 15 a 29 anos. Os números refletem o óbito durante a gravidez, o parto, o aborto e o puerpério. Estatisticamente, mulheres negras também são as que têm menos acesso a cuidados no pré-natal no SUS e recebem menos anestesia no momento do parto. O Brasil não alcançou o patamar mínimo apontado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que é de 20 mortes por 100 mil nascidos vivos. É preciso combater a violência de gênero, erradicar todas as formas de discriminações e racimo e se refere à proteção das mulheres desde o pré-natal ao pós-parto.  O Brasil vem registrando um aumento expressivo de mortes maternas, diminuição do pré-natal e aumento de violência obstétrica. 

De fato as diferenças socioeconômicas regionais existentes impactam os resultado na saúde. Porém dezenas de municípios , principalmente os que subsidiam atendimento materno de outros municípios, demostram descaso com a Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, Política Nacional de Atenção à Saúde da Mulher, Política Nacional de Saúde Integral da População Negra/PNSIPN , Estatuto da Igualdade Racial e dispositivos da Política Nacional de Humanização. 

Observa-se em grandes Capitais a diminuição no número de leitos em hospitais maternidades, peregrinação das gravidas na busca de vagas, aumento de partos em vias públicas, altos números de cesárias, excessos de induções para partos rápidos e consequentemente o aumento alarmante das mortes maternas e de violência obstétrica. 

A atual gestão federal publicou uma portaria que substitui a Rede Cegonha – programa considerado eficiente na assistência ao pré-natal, parto e puerpério – pela instalação da Rede Materno e Infantil (RAMI). Um risco à saúde pública, em especial à vida reprodutiva.

As mortes maternas e de das mulheres não grávidas por causas evitáveis refletem desigualdades no acesso aos serviços de saúde e destacam a lacuna entre ricos e pobres. 

Estamos vigilantes!

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Novos fatores das desigualdades aprofunda abismo entre as mulheres no mercado de trabalho


Por Mônica Aguiar 

Novos fatores das desigualdades de acesso e permanência no trabalho tem atingido diretamente as mulheres de maneira geral, destas, em grande proporção as mulheres negras.

A situação econômica e social das mulheres no Brasil com relação ao trabalho estar cada dia mais grave na medida que o mercado de trabalho se deteriora.  Milhares de mulheres se encontram na condição de desocupadas, sublocadas e desalentadas. Chegam a ficar sem trabalho por um período acima de 2 anos sobrevivendo com menos de um salário mínimo.  Em junho de 2020, 39,4% estavam desocupadas. Superando à taxa de desocupação dos homens.

Com o Brasil ladeira abaixo na produtividade as principais causas do desalento se apresentam na falta de condições financeiras de fazer qualificação, trabalhos e salários inadequados, falta de experiência por ser jovem, fator idade maior, excesso de horas de trabalho e desvio de funções.  Na linha imaginaria da produtividade os “pontos considerados ativos” afetam e muito as mulheres negras e criam barreiras de acesso aos postos de trabalhos.

A cada dia mais mulheres estão exercendo funções de prestação de serviços, serviços essenciais e domésticos com salários menores que o piso nacional das categorias destes grupos.

A maioria das mulheres tem assumido uma jornada de trabalho exaustiva e excessiva, tendo que conciliar:-  trabalho fora, trabalho em casa, cuidado dos filhos ou netos, educação direta, ajuda à familiares e a própria sobrevivência.

Nestes últimos anos, as trabalhadoras domésticas é a categoria que concentra maioria sem registros nas carteiras de trabalho. Destas, as mulheres negras são maioria sem registro, chegando a 74%. Muitas cumprem trabalho análogo ao período escravidão.  

As mulheres além de ser as mais atingidas pela crise política e econômica, são as mais afetadas por todos os efeitos da pandemia e o pós pandemia.

No ranking da igualdade salarial, o Brasil ocupa o penúltimo lugar entre todos os países das Américas. Em todo os números da linha da pobreza a maioria são as mulheres.

Se compararmos a participação das mulheres no mercado de trabalho, no período de 2019 e 2020, depararemos com uma queda em 2020 de 7 pontos percentuais.  

Nestes últimos três anos as mulheres tem encontrado grandes dificuldades de se manter no trabalho. As poucas que rompem com as barreiras encontram grandes dificuldades de ascensão na carreira.

A falta de creches e escolas que estejam adequadas o tempo na escola ao período de trabalho é um fator de agravamento da manutenção na mulher no mercado de trabalho formal.  

A extinção e mudanças de vários programas sociais e transversais de políticas públicas para as mulheres tem contribuído para crescente quadro de miserabilidade das famílias que são chefiadas por mulheres.

As diferenças salariais variam muito mais quando analisados por raça/cor. Uma mulher negra chega ganhar 50% menos. O rendimento domiciliar per capita médio das trabalhadoras negras é metade do recebido pelos brancos. Estas diferenças tem remetido a população negra a conviver sem perspectivas em um quadro de profundas desigualdades.

Os pretos e pardos correspondem a 72,7% dos que estão em situação de pobreza ou extrema pobreza - são 38,1 milhões de pessoas. Dentre aqueles em condição de extrema pobreza, as mulheres pretas ou pardas compõem o maior contingente: 27,2 milhões de pessoas. (Pontesocial)

A falta de esperança nas ações de governo e na política brasileira, passam a ser refletidas nos rostos cansados, vistos diariamente pelas ruas.   

O Governo Federal e muitos Estados e Cidades, não se dispuseram em dar um passo, em direção ao combate às desigualdades sociais e raciais direcionados para as mulheres antes, durante e pós a pandemia.

Para avançar nos direitos das mulheres garantindo a equidade e implementação das políticas públicas é preciso transformar medidas pontuais em ações verdadeiramente afirmativas, transversais, intersetoriais e reparatórias. A adoção destas estratégias é fundamental pra garantir equilíbrio nas relações de trabalho.

É preciso reparar os danos sofridos e mudar os paradigmas .

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Análise: Mulheres negras e maternidade

 Por : ROSILENE COSTA - Mãe, professora e pesquisadora

Ainda hoje, muitas pessoas brancas se justificam como não racistas dizendo que têm uma mãe preta, geralmente, uma mulher que assumiu os cuidados da pessoa na infância. A mãe preta não era exatamente a profissional babá. Na maior parte dos casos, era uma mulher negra que assumia multitarefas nos cuidados de uma criança branca. Assim, a mãe preta permeia o imaginário brasileiro. Bondosa, pouco letrada, hábil na cozinha e sempre disponível.

Ao mesmo tempo, também está no imaginário a mãe preta irresponsável. Estamos falando da mãe preta daquela família desajustada, na visão de alguns, pois é chefiada por uma mulher. Em grande parte dessas famílias, a mulher sai para trabalhar e, como não há vagas em creches, ela deixa os filhos sozinhos ou com quem puder cuidar.

As vivências do cotidiano fazem com que os filhos dessa mãe preta, muitas vezes, apresentem dificuldades na vida escolar. Ela é chamada na escola e não vai, porque não pode faltar ao trabalho, então, é vista como desinteressada.

Quando os filhos dela se tornam adolescentes, a mãe preta, algumas vezes, é briguenta, porque quer mantê-los em casa. Ela teme a violência policial que mata e fere jovens negros em proporção quatro vezes maior do que jovens brancos. O medo da violência sexual surge, pois as meninas negras são 55% das vítimas de violência sexual no Brasil. 

Assim, a mãe preta bondosa e sempre disponível das pessoas brancas acaba contrastando com a mãe preta negligente e beligerante das crianças negras.

Todos esses dados sempre fizeram parte de minha história e de meus estudos de professora e pesquisadora. Contudo, aos 41 anos de idade, a maternidade chegou para mim. Passei a sentir na pele o que as mães pretas vivem.

Meu filho nasceu em um hospital público. Busquei o pré-natal também na rede pública. Foi quando senti as primeiras mazelas do racismo. Uma mulher negra de 41 anos que nunca havia engravidado e que havia planejado a gravidez destoava da narrativa habitual. Assim, já no pré-natal, a violência obstétrica estava instalada: julgamentos, desconfianças e informações nunca oferecidas. O privilégio de ter passado alguns anos nos bancos escolares minimizou meu sofrimento pessoal, mas a estrutura racista estava ali no sistema de saúde.

Meu filho nasceu e, para encontrar pares, busquei grupos de mães nas redes sociais. Percebi que as narrativas da mãe preta bondosa e da mãe preta negligente também estavam ali. A maior parte das mulheres brancas com bebês recém-nascidos gozava de uma licença-maternidade maior, seja por trabalharem em locais que oferecem 180 dias de licença, seja por disporem de outras licenças que poderiam ser usadas. Ao mesmo tempo, algumas podiam abrir mão dos seus trabalhos para ficar com os filhos e, se não o faziam, contratavam babás (quase sempre negras) ou pagavam boas creches.

As mães negras, em sua grande maioria, voltavam ao trabalho após 120 dias. Não dispunham de vagas em creches, nem de babás especializadas. Lembro de uma mãe que deixava seu bebê de quatro meses com a bisavó de 79 anos e com movimentos limitados. Muitas acabavam desmamando seus filhos e ofertando mamadeira, sendo julgadas como descuidadas, logo ali nos primeiros dias da maternidade. Oferecer mamadeira não era descuido, mas ausência de informação no pré-natal, geralmente seguida de falta de condições de amamentar, tirar leite e ainda trabalhar no dia seguinte. Outra vez, a mãe preta bondosa (e a ama de leite agora) contrastava com a mãe preta negligente.

Vivemos o fenômeno das influenciadoras digitais que falam de maternidade real — narrativas válidas e importantes. Influencers negras também vêm se destacando. Apesar disso, a representação estereotipada da mãe preta ainda é forte no imaginário brasileiro.

As políticas de saúde e educação precisam olhar para a população negra, especialmente para as mulheres. A maternidade deve ser uma opção da mulher. Decidida pela maternidade, ela deve ter informações e condições mínimas para parir e cuidar do bebê.

A estrutura social, a pobreza e o papel dos homens na criação dos filhos devem ser considerados quando se rotula uma mãe como negligente. A violência, inclusive a policial, deve cessar para que as mães pretas tenham paz quando os filhos saírem de casa.

Precisamos olhar com mais empatia para a mãe preta de nossos dias, pois ela está lutando com as armas que tem contra um sistema patriarcal, machista e racista. Sistema que faz com que a mulher negra possa ser assimilada se estiver dentro do estereótipo de servidão e que a representa pejorativamente quando ela decide cuidar de seus filhos e construir os seus próprios afetos.

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