terça-feira, 2 de maio de 2023

Violência obstétrica, precisa estar prevista na legislação federal do Brasil.

 Pôr Mônica Aguiar 

Para este reconhecimento deve-se considerar as assimetrias deste tipo de violência na saúde, as práticas que levam as transgressões aos diretos sexuais e direitos reprodutivos durante a gravides, parto e período puerperal e as possibilidades de colocar a vida social, psicológica e saúde da mulher em risco ou com sequelas irreversíveis.

É muito comum encontrar definições subjetivas e lista reduzida dos cognominados agravos que provocam a violência obstétrica na linha de violências acometidas de forma verbalizada:- sofrimentos psicológicos à gestante, ofensas verbais e tratamento agressivo, dentre outros,  

Na minha avaliação, a violência obstétrica estar relacionada ao crime de gênero. As práticas e condutas ilegais que configuram o crime de violência obstétrica, ferem os direitos humanos das mulheres e meninas, autonomia sobre o corpo e provocam óbitos precoces durante as várias etapas de vida da mulher.

Tenho encontrado várias definições com tipificações sobre o tema e agora, se faz necessário ampliar os olhares, considerar e aprofundar o abismo existente da violência obstétrica que provocam agravos, e que, violam os direitos humanos condizendo a métodos criminais.

E minhas afirmações, além dos estudos aqui apresentados estão baseadas em relatos de adolescentes e mulheres em sua ampla maioria negras, residentes nas periferias de Belo Horizonte, que se predisporiam a romper com a barreira do medo e “contar”. Esta escuta pessoal, foi realizada de forma voluntária no ano de 2020, em função da relevância do tema e aumento de mortes maternas no Brasil.

Não tenho a menor dúvida que a violência obstétrica, além da inegável destruições que causam na vida pessoal de uma mulher, provocam impactos na vida social, produtiva e econômica das mulheres e também de Governos. O aumento das despesas médicas e legais, impactam o orçamento dos programas governamental, sociais, assistenciais e previdenciário e no desenvolvimento econômico e produtivo de um país.

Com isto, devemos considerar todas as assimetrias dos impactos que a violência obstétrica provoca na vida das mulheres.

Estudo recente que envolveu mais de 24 mil mulheres, apontou que mulheres que sofrem com a violência obstétrica tem seu aleitamento comprometido na maternidade e traz repercussões a longo prazo. A pesquisa já havia apontado que 44% sofreram algum tipo de violência obstétrica. Este achado é de um estudo inédito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

 Mulheres que sofrem violência obstétrica têm menos chance de sair da maternidade amamentando exclusivamente e de manter o aleitamento a longo prazo. Entre aquelas que tiveram parto vaginal, o impacto é ainda maior e pode se prolongar por até seis meses”.

Conforme a pesquisadora Tatiana Henriques Leite, professora da UERJ em uma entrevista na revista Metrôpoles: “Há poucos estudos sobre o tema e menos ainda explorando as consequências dessa violência, tanto para a mulher quanto para o recém-nascido”.

“Segundo a autora, um dos problemas é a própria definição de violência obstétrica: embora muita gente a associe com abusos físicos ou sexuais, o termo é bem mais amplo e engloba violência psicológica, desrespeito, falta de informação, de comunicação, de autonomia e até de privacidade no contato com a equipe médica, além da falta de acesso a recursos a que a mulher tem direito”.

ESTUDOS

Como os meus passos, vem de longe, fui a procura na internet sobre assuntos que discorrem sobre a violência obstétrica e estratifiquem os dados a partir das condições territoriais, socioeconômica e de cor/raça. 

Encontrei alguns estudos. O que me chamou a atenção:  RAÇA E VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL”, de kelly Diogo Lima, publicado em 2016, constante na arca da FIOCRUZ.Objetivou-se comparar as características sociodemográficas de mulheres segundo cor/, com foco nas mulheres negras e analisar os tipos mais comuns de agressões a elas infringidas na assistência ao parto pelo Sistema Único de Saúde. Trata-se de um estudo transversal de base populacional, com dados provenientes da pesquisa Rede Cegonha do Ministério da Saúde”. No estudo, foi observado os piores indicadores sociodemográficos nos grupos de pardas, negras e indígenas se comparadas as mulheres de cor/raça branca.  As violências mais comuns foram a episiotomia, a manobra de Kristeller e o impedimento de um acompanhante no momento do parto. No estudo, houve um excesso de mulheres de cor parda que referiram ter sofrido toques vaginais repetitivos. Conclui-se que, muitas das intervenções usadas na rotina de um parto são desnecessárias ou mesmo prejudiciais à mulher, sendo assim, violentas. Desta forma, é necessário que haja uma maior discussão sobre um modelo de assistência ao parto que se paute em um maior protagonismo da mulher, nos seus desejos e nas suas histórias de vida. https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/18547

Ao dar prosseguimento a minha navegação, encontrei outro estudo, recentemente publicado: “A violência obstétrica e os danos à saúde psicológica da mulher”.   No artigo fundamentado em pesquisas bibliográficas referentes a violência obstétrica, assinados por Aléxia Fortes, Ana Paula e Evelyn Sofia e apresentado no XIX Encontro Científico Cultural Insteristitucional em 2021, que abordou sobre os danos da violência obstétrica diante da saúde psicológica das mulheres apontam em seu resumo varias asseverações de conceitos:   

 A violência obstétrica é caracterizada por ações que violam o direito das mulheres durante a gestação e principalmente no pré e pós parto, a mesma constitui-se como ações que apropriam-se do corpo da mulher de forma desumanizada, como por exemplo, uso de episiotomias, ocitocina sintéticas e manobras de kristeller, além de humilhações e omissões”.

VEJA ARTIGO : https://www2.fag.edu.br/coopex/inscricao/arquivos/ecci_2021/18-10-2021--16-24-38.pdf

........Observa-se que a violência obstétrica vem aumentando cada vez mais, no entanto, é algo que ainda não é do conhecimento da sociedade, uma vez que esta violência está presente em nossa cultura sendo algo desvalorizado, impactando com danos na saúde física, mas principalmente psicológica da mulher. Contudo, conclui-se que a saúde psicológica da mulher é a mais afetada, causando traumas, pânico, depressão, ansiedade, medo, angústia, insegurança e entre outros aspectos emocionais que prejudicam seu funcionamento, sendo assim, nota-se a necessidade da Psicologia dentro do contexto hospitalar e também na saúde para que auxilie na orientação dos profissionais, da mesma forma que no acolhimento da mulher, como uma maneira de prevenção possibilitando informações sobre os direitos das mulheres.....

Outras pesquisas apontam para o número de casos de violência obstétrica durante o parto. Independente de ser vaginal ou cesária, os abusos são constantes e por diversas razões não existe interesse para serem divulgados à sociedade, ou, para fazerem parte do pacote de temas de provocam o debate e impactam a sociedade. 

A violência obstétrica é um agrupamento de maus tratos, sejam eles físicos, psicológicos ou verbais à mulher em trabalho de parto, além da prática de procedimentos que não são necessários e invasivos, como por exemplo, as episiotomias, restrições de leitos no pré-parto, tricotomia, ocitocina sem nescessidade,  ausência de acompanhamento  e de informações e constragimentos . (A volência obstétrica e os  danos à saúde psicológica da mulher)”.

Dentre estas, acrescento. Ocitocina sem necessidade; ausência de acompanhantes; constrangimentos: morais, racial e religiosos; baixa assistência primária e obstétrica; privação de anestesia; fechamento das penas; pontos extras e laqueaduras sem consentimento da paciente, dentre tantas violações.

O parto no Brasil a um bom tempo se tornou de responsabilidade hospitalar. Com isto, para cada assimetria apontada nos direitos sexuais e reprodutivos, consequentemente uma implicação, em sua maioria, irreversível na vida das mulheres.  

MORTES MATERNAS E CESÁRIAS

 Em um estudo nacional realizado pela IMS (2021) mostra que em 2011/12 houve uma taxa de 56,6% de brasileiros que nasceram por meio da cesariana pelo SUS, porém na rede privada a frequência é ainda maior, com um percentual de 90%. Em relação à ocitocina administrada para indução ou aceleração do processo, há 36,4% de mulheres que foram submetidas a esse medicamento sem necessidade, logo, 39,1% sofreram amniotomia. Em relação às mulheres que tiveram um parto "normal", 36,1% foram submetidas a manobra de kristeller e 53,5% sofreram episiotomia. Em vista disso, a violência.

No artigo “ No Brasil das cesáreas, falta de autonomia da mulher sobre o parto é histórica”, punblicado pela FIOCRUZ em 2021,  destaca influência de fatores médicos, legais e religiosos na disseminação do parto cirúrgico.

Neste artigo, encontrei dados que colocam o Brasil como o, pais com a segunda maior taxa de cesária do mundo e com indicativo a normalização e naturalização da cesária. Com isto, os índices de mortes maternas evitáveis e a violência obstétrica só crescem.  

Entre 2016 e 2030, como parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Brasil assinou a meta global de reduzir a mortalidade materna para menos de 70 por cada 100 mil nascidos vivos.

As mortes maternas no Brasil refletem as desigualdades no acesso aos serviços de saúde pública e privada, destacam as desigualdades existentes entre negros e não negros, com agravamento maior a depender da faixa territorial que residem.  Na ampla maioria destes territórios não existem profissionais qualificados para atenção ao parto e ao nascimento. 

 No Brasil, aproximadamente 55% dos partos realizados no país são cesáreas. É a segunda maior taxa do mundo, atrás apenas da República Dominicana. Se considerarmos a realidade no sistema privado de saúde, a proporção pula para 86%. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que a taxa ideal de cesarianas deve estar entre 10% a 15% dos partos”.

O número de cesárias recomendadas e aconselhadas também tem aumentado significativamente nas regiões mais pobres e entre as mulheres jovens.

Quando não existe risco de vida para a mamãe e o bebe, a escolha do parto deve ser baseada no histórico de saúde da paciente, na vontade da gestante em ter o parto humanizado, mais tranquilo possível, livre de quaisquer forma de violências, aconselhamentos e práticas carregadas de valores patriarcal, racial, moral e religioso.  

A cesária sem indicação ou por escolha da mãe podem  levar à prematuridade fetal, acarretando ao bebê problemas respiratórios, dificuldades para manter a temperatura corporal e para se alimentar.

Um estudo liderado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) sugere que partos cesáreos podem estar associados ao maior risco de mortalidade na infância, com exceção dos casos que uma indicação médica seja clara sobre o procedimento cirúrgico conhecido popularmente como "cesariana".(FIOCRUZ 2021)

As taxas de parto cesáreo têm aumentado, porém, as pesquisas ainda não chegaram a um consenso científico se este aumento tem sido impulsionado pela preferência materna ou por indicações médicas.

Entre os relatos ouvidos por mim, das grávidas que fazem o pré-natal levam a concluir que a maioria das indicações para cesária são dadas em atendimentos do corpo técnico que fazem o acompanhamento do pré-natal das gestantes nas unidades de saúde básica pública como também no setor privado. 

A cada hora, uma mulher perde a vida devido a complicações na gravidez, no parto ou no pós-parto, a grande maioria delas evitáveis.

Nestes últimos 4 anos, centenas de mulheres morrem por complicações na gravidez, parto e pós-parto.

Pressão alta, sangramento intenso e complicações decorrentes de abortos inseguros são causas mais comuns. No entanto, nove em cada dez dessas mortes são evitáveis ​​por meio de atendimento de qualidade, acesso à contracepção e redução das desigualdades no acesso aos cuidados.

O Brasil teve um aumento de 5,4% no número de mortes materna nos últimos vinte anos. O dado é de um estudo publicado, em Genebra, Suíça, pelas Nações Unidas e o Banco Mundial. Subiu para 72 óbitos para cada cem mil habitantes em 2020. Na média de todos os países, houve queda de 34% nas últimas duas décadas. (EBC).

ENEFICÁSSIA DO ESTADO EM GARANTIR OS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS LIVRES DE VIOLAÇÕES, CRIMINALIZAÇÃO E  VIOLÊNCIA.

 O Brasil teve que assumir obrigações internacionais com relação aos direitos da mulher, dentre elas, tomar medidas para implementação dos direitos humanos sexuais e reprodutivos.

Em 1993, a II Conferência Internacional de Direitos Humanos (Viena), a   Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento (CIPD) em 1994, o Comitê da Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Comitê CEDAW), o Comitê do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais (Comitê PIDESC), marcam a luta das mulheres ao exigir do Estado brasileiro a atenção devida aos temas que afetam direta e especificamente a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Como resultado desta batalha travada pelas mulheres brasileiras, passos foram dados e proporcionaram algumas conquistas como: - O Programa de Atenção à Saúde Integral das Mulheres (PAISM), as políticas de atenção à feminização da epidemia de Aids, elementos da estratégia Rede Cegonha, entre outros. A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento do Ministério da Saúde, instituição e complementações em várias legislações em diferentes esferas no Brasil.

Com a intensificação da luta pela liberdade e autonomia incoercível de decidir sobre os próprios corpos, a pauta da saúde sexual e saúde reprodutiva foram se intensificando. É objeto de resistência direta, por parte legisladores, judiciário e da sociedade que se colocam como capazes de criminalizar as mulheres utilizando aparelhos do Estado, principalmente quando as decisões implicam em aborto seguro, aborto legal, parto humanizado, violência obstétrica e união entre pessoas do mesmo sexo.

O Estado brasileiro é coordenado e governado por maioria de homens. Com isto, confrontos com grupos políticos, partidos, legisladores, membros da segurança pública e judiciário sobre estes temas são evitados.

Fecham os olhos, tapam os ouvidos, permitindo que direitos sejam violados. Direitos estes ratificados pelo próprio Brasil, garantidos nos tratados internacionais, de proteção dos direitos humanos e nos que protegem os direitos humanos:-  à saúde sexual e reprodutiva da mulher, direitos humanos à liberdade, autonomia, vida privada, integridade física e psicológica. 

PROJETOS DE LEIS QUE TRATAM DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

O Brasil assumiu várias responsabilidades ao assinar e pactuar tratados e convenções, porém Governantes se sentem com liberdade em não cumpri-los.  Se sentem livres para utilizar as estruturas do Estado brasileiro para manutenção de violências e violações a diretos constitucional e humanos das mulheres.

Eu considero algumas medidas e tomadas de decisões como avanços, diante as complexidades moral e religiosa dentro das questões políticas no Brasil. Esforço dos poucos grupos progressistas e de esquerda com poder. Reconhecem o prejuízo político que traz a interferia de religiosos, ante abolicionistas e moralistas tradicionais na vida administrativa do Brasil. Alguns Governantes até conseguiram dar um furinho neste entrelaçado que operam com sentimentos das pessoas e que sustentam o racismo e o patriarcado. 

Muitos Estados, tem Leis que tratam da violência obstétrica, porém muitas não preveem punições, outros não utilizam a expressão "violência obstétrica". Outros, as legislações tratam da humanização do parto e práticas recomendadas e não indicadas. (Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rondônia, Santa Catarina, Tocantins, Acre, Alagoas, Amazonas, Ceará, Mato Grosso, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima, São Paulo).

Existe um Projeto de Lei tramitando na Câmara Federal, o PL 422/23 de autoria da deputada Laura Carneiro (RJ). Este projeto inclui violência obstétrica na Lei Maria da Penha e união, estados, Distrito Federal e municípios. E estes deverão promover políticas públicas integradas para prevenção e repressão da violência obstétrica. 

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2253464 

Na Câmara, já tramitam outras propostas visando coibir a violência obstétrica, como os projetos de lei 7867/17 e 8219/17, que estão apensados ao PL 6567/13, do Senado, que obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a oferecer à gestante parto humanizado

 

FONTES DE PESQUISAS INFORMATIVASOPAS - Organização Pan-Americana da Saúde / Ministério da Saúde /Jusbrasil / Sobef /Câmara/ EBC/ Folha/UOL/GELEDES/ POLETIZE/GLOBO  

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