O manifesto pela “anticandidatura” ao Supremo Tribunal Federal de uma professora universitária que vem do campo do direito e da criminologia crítica tem o objetivo de trazer à cena política uma carta de princípios afirmativos da diversidade humana, cultural, socioeconômica, étnica e religiosa da sociedade brasileira, pelo avanço e concretização dos direitos sociais fundamentais inscritos no Pacto Constitucional de 1988. Lançado por um grupo de feministas, profissionais de diversas áreas, estudantes e ativistas dos movimentos sociais, já conta com o apoio e a adesão de mais de 3.500 pessoas, entre personalidades dos meios universitário, político, cultural e social.
A ação pela anticandidatura guarda uma estética especial nesses tempos de “pós-verdade” – a palavra do ano de 2016, segundo o dicionário Oxford – em que as candidaturas fortes ao Supremo são mais do mesmo, ou seja, nomes alinhados com o retrocesso nos direitos, o punitivismo em matéria de política criminal, com o desmonte do mundo do trabalho e com as ideias neoliberais do Estado Mínimo.
Se a Opus Dei quer fazer um ministro no Supremo, essas mulheres respondem ao desafio de ocupar espaço público na oposição ao conservadorismo e reforçar a necessidade de uma discussão pública sobre a importância do Judiciário no Estado Democrático de Direito, como também sobre a própria forma de escolha dos integrantes da cúpula desse Poder da República. Defendem que sexismo, homofobia, lesbofobia, discriminação racial, desrespeito aos direitos humanos e sociais e ao Estado laico não podem ser parte da trajetória de quem irá integrar o colegiado do STF. Uma anticandidatura é, assim, um contra-ponto às candidaturas que têm a simpatia de um governo sem legitimidade, porque esvaziado de sustentação democrática.
O processo de indicação e nomeação de juízes, apesar da intervenção formal do legislativo, por intermédio da sabatina do Senado, consolida-se nos bastidores da instituição. É marcado pelas influências pessoais e centrado em personagens, ao invés de ideias, o que contribui para o isolamento do judiciário e seu distanciamento dos dramas reais vividos pela grande maioria da sociedade brasileira. O “grande público” apenas assiste o processo, sem nenhum tipo de participação mais efetiva no seu desenvolvimento. Talvez seja a hora de abrir o debate público em torno das indicações e possibilitar que os candidatos explicitem suas ideais e compreensões sobre temas constitucionais de grande importância para a sociedade brasileira. Assim como no manifesto pela anticandidatura, seria desejável que os postulantes ao cargo de ministro do STF expusessem publicamente suas ideias.
O manifesto pela anticandidatura é também, como está dito no próprio texto, a defesa de um Supremo Tribunal Federal atento à missão constitucional de guardião maior dos direitos fundamentais e sensível às necessidades de uma sociedade complexa como a brasileira, marcada pela desigualdade e pela injusta redistribuição de riquezas.
Especialmente nesse momento, em que o Supremo está prestes a definir o relator que irá substituir Teori Zavaski nos processos relativos à operação Lava-Jato, o manifesto também não se descuidou de apontar para a necessidade de repressão e controle da corrupção – o que não se faz sem ações preventivas, de transparência e de acompanhamento das ações dos órgãos da administração em geral. O importante a ser destacado é que, para o alcance desse objetivo, o judiciário não pode consentir em violações à legalidade, ao devido processo legal e às garantias constitucionais de defesa. Nesse contexto, nem a “fulanização” da corrupção e nem a “heroificação” de juízes, membros do Ministério Público ou das Polícias conduzem a resultados positivos e desejáveis. Juízes não são heróis. São servidores públicos que devem pautar sua conduta profissional pela estrita obediência à lei e à Constituição da República.
* Beatriz Vargas Ramos é professora de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da UnB.
Caso queria assinar o manifesto, segue novamente o
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