Nos últimos anos de trabalho, depois de mais de 30 como empregada doméstica em Petrópolis, Jurema contava nos dedos o tempo que faltava para a sua aposentadoria. Mas o tão sonhado descanso nunca chegou: foi diagnosticada com leucemia e morreu alguns meses antes de completar a idade necessária para descansar.
Ela nunca conseguiu aproveitar os benefícios das décadas de contribuição para a previdência social. Apesar da realidade das mulheres ter melhorado muito nos últimos anos, os avanços não foram suficientes para que casos como este não se repitam.
Enfrentando longas jornadas de trabalho que se estendem até depois do expediente no cuidado com os filhos e a casa, as mulheres brasileiras ainda são quem menos usufruem dos resultados oriundos do seu trabalho. Ou seja: elas trabalham mais, vivem mais, porém ainda recebem valores menores de aposentadoria.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, juntando as horas gastas com o trabalho formal e dentro de casa, as mulheres chegam a trabalhar mais de 58 horas por semana, treze a mais que os homens. Em 2005, a atividade doméstica foi incorporada na Emenda Constitucional 47, que criou um regime de inclusão na previdência para as donas-de-casa, caracterizando o serviço doméstico como trabalho.
Dupla jornada prejudica aperfeiçoamento
Mesmo assim, a maioria das aposentadorias das mulheres ainda se concentra nos benefícios de baixo valor e são, em média, 35% inferiores ao valor das masculinas.
"A dupla jornada é um dos grandes empecilhos para a superação da desigualdade de gêneros. Enquanto não houver uma divisão igualitária das tarefas domésticas, as mulheres não conseguirão receber remuneração mais alta ou alcançar postos de trabalho melhores, pois grande parte do tempo que poderiam estar usando para se aperfeiçoar está no trabalho de casa", afirma Ana Carolina Querino, oficial de Projetos de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça no Mundo da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
O alto índice de desemprego aliado a informalidade também contribui para que os benefícios da aposentadoria sejam menores. Uma em cada cinco mulheres trabalha como empregada doméstica, por exemplo. Porém, destas trabalhadoras, apenas 28% contribui para a previdência, ou seja, está empregada de maneira formal.
O nível de desemprego entre as mulheres também é muito alto e só metade delas faz parte da População Economicamente Ativa (PEA) do país, informa Ana. "Isso, por si só, é uma perda para o país, pois deixamos de ganhar com esta mão-de-obra. Mas, também pode ser prejudicial para as mulheres, já que deixam de contribuir para obter os benefícios mais tarde, além de se manterem quase que a margem do mercado", analisa Ana.
Os motivos para a desigualdade no recebimento da previdência são muitos e refletem um quadro de injustiça de gêneros em todo o país. É o que aponta a professora Hildete Pereira de Melo, em seu artigo "Mercado de Trabalho e Previdência Social - um olhar feminista".
"A participação feminina é mais elevada entre os desprotegidos (pela previdência) do que a verificada para os homens, provavelmente isto reflete sua entrada e saída do mercado de trabalho devido às funções de maternidade a difícil coinciliação entre família e mercado", analisa o texto. Segundo informa Hildete no estudo, o fato das mulheres receberem pensões menores contribui na perpetuação da pobreza no país.
Envelhecimento sobrecarrega previdência e as mulheres
O envelhecimento da população brasileira, que se acelerou nas últimas décadas, aponta o aumento no desenvolvimento social do país. Mas também coloca novos desafios para a sociedade. A contribuição previdenciária é um deles, já que com mais pessoas idosas e menos jovens, a conta entre contribuintes e beneficiários "não fecha".
Em entrevista para o Jornal do Brasil, o economista João Pedro Azevedo, do Banco Mundial, já havia alertado sobre os problemas que podem surgir nesta nova realidade. "O único jeito desta conta fechar é se ficarmos mais competitivos ou aumentarmos fortemente nossa produtividade", afirmou.
E com o envelhecimento da população, novamente as mulheres correm o risco de ficarem ainda mais sobrecarregadas. De acordo com o estudo "Envelhecimento da população: quem se encarrega do cuidado?", da OIT, a dupla jornada feminina pode piorar, já que são elas quem cuidam dos idosos.
Além disso, as mulheres vivem, em média, 7,5 anos mais que os homens. Com a chegada da idade, problemas de saúde ficam mais constantes e, recebendo pensões menores, a situação destas mulheres pode ficar ainda pior. "A demanda por cuidado por parte das pessoas idosas está aumentando. As mulheres estão mais sujeitas, por viverem mais, à discapacidade funcional, demandando maiores cuidados", afirma o estudo.
Fontes: Obs.Brasil da igual. de Gênero e Jornal do Brasil
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