Obra reúne 100 escritores de todo o país, desde o período colonial
Dezenas de poetas de talento, autores mais conhecidos pela produção científica ou musical, e outros cuja faceta afro ainda precisava ser revelada. Cem escritores de todo o Brasil, do século 18 aos dias de hoje, compõem os quatro volumes de Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica, que a Editora UFMG lançou em outubro.
O ineditismo da empreitada – que durou mais de dez anos e envolveu 61 pesquisadores de 27 instituições, seis delas estrangeiras – é garantido pelo resgate de autores em grande medida esquecidos pela historiografia literária vigente, segundo o professor Eduardo de Assis Duarte, da Faculdade de Letras da UFMG, organizador da obra.
Além disso, segundo ele, a obra pode ser chamada, sem receio da redundância, de antologia crítica. "Antes dos poemas, contos ou trechos de narrativas mais longas, o livro traz estudos sobre os autores e indicações de consulta", explica Duarte. Ele conta também que o último volume reúne depoimentos de escritores e artigos que discutem sob diversos ângulos o "veio afrodescendente da literatura brasileira".
Eduardo Duarte chama a atenção para a oportunidade criada pelo livro de se iniciarem novas pesquisas sobre autores como Muniz Sodré – cientista social que escreveu contos e romances – e Joel Rufino dos Santos, historiador que produziu "romances instigantes, inovadores na forma e no conteúdo". O mesmo acontece com Nei Lopes e Martinho da Vila, expoentes do samba que também escrevem poemas e contos. Outro mérito da antologia seria, salienta o organizador, abordar aspectos novos da produção de Machado de Assis, Lima Barreto e Cruz e Souza, "embranquecidos pela capacidade de absorção do establishment literário, que ignora a questão racial".
Mapeamento em rede
A publicação é resultado de enorme esforço de mapeamento e seleção em rede – lançando mão em grande parte de mensagens eletrônicas –, que distinguiu autores de ficção, teatro e poesia com pelo menos um livro publicado. Há mais poetas que autores de prosa. "A poesia parece ser o ponto de partida de grande parte desses autores. No momento, cresce a produção em prosa, sobretudo de contos", afirma Eduardo Duarte.
Quanto à distribuição por gênero, ele ressalta que até meados do século 20, é imenso o predomínio da autoria masculina. "A mulher negra surge, então, mais como personagem, embora com tratamento diferente daquele dado, em especial, às mulatas pela escrita dos brancos." Nas três últimas décadas, acrescenta o organizador, cresceu bastante a participação da mulher como autora.
O primeiro volume de Literatura e afrodescendência no Brasil é dedicado aos "precursores", autores nascidos antes de 1930: desde Domingos Caldas Barbosa, no século 18, até Machado e José do Patrocínio. A antologia segue com os escritores que publicaram na segunda metade do século passado, como Domício Proença Filho e Francisca Souza da Silva, que tratou das cozinhas, ruas e favelas brasileiras.
O volume 3 aborda 39 autores contemporâneos, como Esmeralda Ribeiro, Paulo Lins e José Carlos Limeira. Na última parte, a obra reflete sobre o projeto de uma literatura afro-brasileira explorando visões contrastantes. Há depoimentos de Abdias Nascimento e Cuti – poeta e ficcionista, fundador da série Cadernos Negros – e textos críticos de Silviano Santiago, Zilá Bernd e Regina Dalcastagnè, entre outros.
No caso de um trabalho tão amplo e intenso, é de se esperar que, além de iluminar talentos desconhecidos, contenha histórias incomuns. Luiz Gama se enquadra nas duas situações. Aos 10 anos, ele foi vendido pelo próprio pai e viveu cativo até a maioridade. Transformou-se em abolicionista e "advogado de escravos", tendo libertado mais de mil deles. Além de petições e outros textos jurídicos, escreveu poemas e crônicas. "Há 150 anos, quando a ciência reduzia o negro a mera força de trabalho braçal, Luiz Gama se autointitulava 'Orfeu da Carapinha' e proclamava sua adoração à 'Musa da Guiné'", conta Eduardo Duarte.
Fonte: UFMG
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