Para alcançar boa qualidade de vida e desenvolvimento sustentável para todas e todos, é preciso combater o racismo e todas as formas de discriminação e reafirmar o foco na efetivação dos Direitos Humanos em todas as suas dimensões. Essa foi a posição defendida por representantes de organizações afrodescendentes da sociedade civil que estiveram reunidos hoje na Casa da ONU, em Brasília. O encontro, promovido pelo UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), serviu para reunir contribuições dos grupos afrodescendentes para o processo de consulta nacional que vai subsidiar a elaboração da nova Agenda Global de Desenvolvimento pós-2015.
Na abertura da consulta, o Representante do UNFPA no Brasil, Harold Robinson, destacou a grande responsabilidade e impacto que o grupo pode ter por trazer ao processo de consulta a voz de mais de 50% da população brasileira e 40% da população latino-americana.
Os representantes das organizações e redes de entidades participantes do encontro lembraram que a questão do racismo não foi incluída explicitamente nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e destacaram o papel do Sistema ONU na ampliação do debate e na busca de resultados mais efetivos a partir de 2015, quando termina o prazo dos atuais ODMs.
Ao final dos debates, as entidades afrodescendentes definiram quatro sugestões de metas para o Pós-2015: erradicar o racismo institucional e seus efeitos nos diversos campos, incluindo as estratégias de redução da pobreza e promoção do desenvolvimento sustentável com justiça; garantir a regularização dos territórios quilombolas, o desenvolvimento sustentável com efetiva participação das e dos quilombolas, bem como o uso e exploração dos bens e recursos naturais com a participação dos mesmos; garantir do direito à vida digna e sem violência para a população negra, em especial a juventude, como fatores determinantes para o desenvolvimento; e garantir que os modelos de desenvolvimento sejam orientados para a efetivação dos direitos individuais e dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.
Para implementar essas metas, o grupo indicou, entre outras, as seguintes estratégias: a produção e utilização de dados sociodemográficos desagregados por raça e cor, como instrumento de gestão de políticas públicas e tomada de decisões; o investimento na qualificação, democratização e transparência dos mecanismos de governança; a implementação das ações afirmativas como estratégias para a consecução do desenvolvimento para todas e todos e para a sustentabilidade; a intervenção nas formas de discriminação agravadas na vigência do racismo, tais como a discriminação de gênero, orientação sexual, idade, religião, língua e cultura; a valorização da cultura e dos saberes dos povos tradicionais de matrizes africanas; e a definição e implementação de estratégias mais efetivas para que negras e negros tenham seus direitos respeitados na sua integralidade. Foi destacado também a necessidade de garantir o cumprimento dos compromissos e tratados internacionais firmados pelo Estado brasileiro para efetivação e ampliação dos direitos, bem como o fortalecimento e a integração dos mecanismos de monitoramento desses compromissos, com a participação da sociedade civil.
O grupo recomendou ainda que o Estado brasileiro reforce a defesa do Decênio dos Afrodescendentes; que a ONU Brasil garanta a democratização no acesso às informações e mecanismos mais efetivos de participação da sociedade civil, bem como inclua o quesito cor nos seus estudos e registros; que o Estado brasileiro e a ONU Brasil ampliem e sustentem o debate sobre a agenda de desenvolvimento junto à população negra; e que os temas da agenda pós-2015 sejam incluídos nas conferências municipais, estaduais e na Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
Cairo
“A população negra deve estar na concepção da agenda de desenvolvimento do país. Temos que pautar a agenda de desenvolvimento a partir da garantia dos direitos da juventude negra, das mulheres, da população negra”, resumiu Geovan Braz, do Conselho Nacional de Combate a Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais/FONAJUNE.
Para Lucia Xavier, da ONG Criola, é importante mostrar que o racismo faz parte de todos os processos que constroem a desigualdade e as iniquidades. “O governo já reconhece, mas e a sociedade? O racismo não é um problema só nosso, está presente em todo o mundo, promove inequidades e mortes. Não teremos um bom modelo de democracia ou desenvolvimento se eles seguem utilizando o racismo como prática”.
Já Richarlls Martins, da Rede Lai Lai Apejo - População Negra e Aids, defendeu a integração da Agenda Pós-2015 com o processo de revisão do Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, a Conferência do Cairo, que completa 20 anos em 2014. “Temos utilizado nessa discussão a Declaração de Bali, que é um documento avançado e traz temas como saúde sexual e reprodutiva, gênero, prevenção do HIV”. A Declaração de Bali foi aprovada no Fórum Global da Juventude, realizado em dezembro na Indonésia com o objetivo de produzir subsídios para o processo de revisão do Plano de Ação do Cairo.
A questão do direitos das e dos quilombolas também foi discutida. Arilson Ventura, da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), lembrou que existem 5 mil comunidades quilombolas espalhadas por todo o país e propôs a regularização de suas terras. Denildo Morais, também da CONAQ , defendeu ainda a necessidade de medidas estruturantes para enfrentar o problema: “28% da população quilombola é analfabeta. Somos parte significativa da sociedade brasileira. Para as comunidades quilombolas, a questão estruturante é a questão da terra, a educação”.
Os participantes também apontaram a importância do envolvimento contínuo no processo da construção da Agenda Global de Desenvolvimento pós-2015. "É importante garantir que a discussão que aconteceu hoje não se perca, que tenha uma continuidade. A proposta é que o grupo possa acompanhar como está sendo desenvolvido este processo de forma bem sistemática. E existem meios que permitem isso sem que seja preciso muito recurso, como, por exemplo, a internet", apontou Richarlls Martins.
Fonte http://www.unfpa.org.br
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