Conquistar e manter um emprego são o norte de milhões de trabalhadores brasileiros. Para as mulheres, mais do que um objetivo, a caminhada pelo trabalho remunerado pode representar a independência financeira diante do companheiro e do pai, mas também é permeada por grandes dissabores e desafios provocados pelas diferenças econômicas e sociais que ainda existem entre homens e mulheres.
Dados do estudo "Uma análise das condições de vida da população brasileira de 2010”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o primeiro grande desafio da mulher que quer trabalhar é conseguir um emprego formal, com toda a rede de proteção social garantida, como férias e previdência social. Das quase 40 milhões de mulheres empregadas com mais de 16 anos em 2009, apenas 48,8% são registradas.
Para os homens o índice de formalização chega a 53,2% para um universo de cerca de 52 milhões empregados. Se levada em conta a ocupação das mulheres em trabalhos formais por cor ou raça, a proporção de formalização para negras e pardas cai para 45,9% e 40%, enquanto entre as brancas é de 56%. Além disso, os empregos femininos continuam desvalorizados, com diferenças salariais gritantes, apesar das mulheres terem alcançado mais anos de estudos (8,8 anos contra 7,7 anos). De acordo com o Censo de 2010, mesmo com um ganho real de 13,5% em relação à média salarial de 2000, as mulheres ainda recebem o equivalente a 74% da renda dos homens. A renda média das trabalhadoras chega a R$ 1.115, enquanto a dos trabalhadores chega a R$ 1.510.
Somada a dificuldade de acesso aos empregos formais e de bons salários, também é fato facilmente observável que a maior parte das mulheres ainda é responsável pelo trabalho doméstico e precisa cumprir dupla, às vezes tripla, jornada de trabalho. Conforme aponta a socióloga Helena Hirata, uma das maiores estudiosas sobre o tema da autonomia feminina no Brasil e pesquisadora do Centro Nacional para a Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), a independência financeira não representa a autonomia integral porque a sociedade ainda atribui ao gênero feminino a responsabilidade de cuidar da casa, dos filhos e dos idosos.
“Hoje no Brasil, para poderem trabalhar em tempo integral e investir em uma carreira, as mulheres precisam de outras que possam limpar a casa, levar os filhos para a escola, lavar a roupa, fazer a comida. São as empregadas domésticas e diaristas, que atualmente são 7 milhões no Brasil. E nesse sentido elas nunca podem ser autônomas, porque elas vão depender de outras mulheres para fazerem seu trabalho e assim poder levar uma carreira e ter uma profissão”, pontua Hirata.
A divisão do trabalho doméstico entre os gêneros nas famílias brasileiras, a tomar pela pesquisa Uma análise das condições de vida da população brasileira, é de grande discrepância. Em 2009, os homens gastavam, em média, 10,5 horas por semana em afazeres domésticos, enquanto as mulheres gastavam 26,6 horas. Entre homens e mulheres com trabalho, a média era de 9,5 horas e 22 horas semanais, respectivamente, uma diferença de mais de 100% do tempo gasto com atividades quase nunca prazerosas. Tendência que não mudou, segundo Hirata.
“Essa noção de que a mulher é responsável pelo trabalho doméstico foi construída através da história e, pouco a pouco, pela sociedade e instituições sociais, criada por uma ideologia paternalista, do tipo patriarcal, que fez com que houvesse uma divisão do trabalho grande entre mulheres e homens em todas as esferas, na esfera do saber, do poder, do trabalho profissional e doméstico”, explica a pesquisadora.
Para o governo, apesar de tímida, aumentou na sociedade a demanda para que o trabalho doméstico seja de responsabilidade social e não mais da mãe e companheira no seio da família. “Nas últimas décadas, a gente tem tido um aumento muito grande da participação das mulheres no mundo do trabalho remunerado, o que é reconhecido na sociedade como trabalho produtivo, mas ao mesmo tempo isso vem acompanhado de uma demanda muito forte para que o trabalho feito no cotidiano da casa e no cuidado com as pessoas e crianças passe a ser uma responsabilidade social. Isso ainda é um desafio”, afirma a secretária de Avaliação de Políticas e Autonomia Econômica das Mulheres da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) do governo federal, Tatau Godinho.
Assim como o direito ao trabalho precisa ser acompanhado por condições dignas de trabalho, os movimentos feministas apontam a necessidade de uma mudança concreta nas relações sociais entre mulheres e homens, que coloque em xeque a atual divisão sexual do trabalho. Na opinião das feministas, não bastam políticas públicas, mas são necessárias mudanças estruturais da sociedade, começando pela auto-organização e mudança de comportamento das mulheres. “Essa noção de vulnerabilidade foi socialmente construída, isso quer dizer que não foi sempre assim, não é divisão natural, e como foi construída socialmente é também possível que ela deixe de existir através da luta, resistência e reivindicações feitas por movimentos sociais, políticos, sindicais e feministas que podem mudar a ordem das coisas”, defende a socióloga Helena Hirata.
Fonte: Brasil de Fato
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