Texto: André Santana
Esses números apresentam o quadro de discriminação racial desde o atendimento básico até os casos de homicídios. Por exemplo: 75,7% das gestantes brancas passam por sete ou mais consultas pré-natal, durante a gestação. Entre as mães negras esse número não passa de 54,5%. Em 2010, 52.260 pessoas morreram vítimas de homicídio no Brasil, 67% eram negros ou pardos. 70% dos jovens (de 15 a 29 anos) vítimas de homicídio eram negros. Atualmente, 12.190 jovens negros são assassinados a mais que jovens brancos.
Os avanços na saúde não têm eliminado essa lógica de desigualdade e preconceito. Só para se ter uma idéia, entre 1982 e 2004, houve a redução da taxa de mortalidade de filhos de mães brancas em 47% (de 30 por mil nascidos para 14 por mil). Já entre os filhos de mães negras essa redução foi de apenas 11% (de 53 por mil nascidos vivos para 30 por mil).
Gestão - Mesmo assim, ainda é difícil que gestores e profissionais de saúde reconheçam o racismo como determinante no agravamento da vulnerabilidade de saúde da população negra. E que o aspecto racial seja um conceito norteador na elaboração de políticas públicas. "Enfrentar o racismo é o grande desafio do Sistema Único de Saúde – SUS. O censo comum de que o atendimento deve ser universal, sem observar aspectos como raça e gênero, é uma visão tacanha, é burrice. Universal é a união das pluralidades, é saber que há negros, brancos, mulheres, homens, crianças, idosos, índios, moradores de favela, do interior etc. O gestor de saúde que não entende esses aspectos está lendo o conceito de universal com a lente do racismo", afirma a médica carioca, Jurema Werneck, titular do Conselho Nacional de Saúde e coordenadora da Criola, organização social de defesa das mulheres negras.
Uma das precursoras nas pesquisas sobre saúde da população negra no Brasil, a Doutora em Saúde Pública, Maria Inês Barbosa, concorda que é preciso entender saúde não apenas pelo aspecto biológico, mas também pelo impacto das dimensões socioculturais no indivíduo. "O racismo determina os níveis de acesso à educação, aotrabalho e também à saúde. As relações raciais são determinantes no processo saúde-doença. A leitura que não contempla esse aspecto não abarca todas as dimensões da saúde e não responderá a todas as perguntas necessárias", enfatiza. Para a pesquisadora, o desafio é fazer com que os gestores, que se acham parte da solução, se sintam parte do problema. "Sem esse reconhecimento não há mudanças fundamentais", adverte.
Mortes - Jurema Werneck chama atenção para os números que revelam a prevalência da morte de homens e mulheres negras em todas as idades, não sendo somente na faixa dos jovens negros, que são os que mais morrem por violência: as mulheres negras também são as que mais morrem no parto, os homens negros adultos as maiores vítimas de acidentes, os idosos negros que morrem por doenças crônicas e as crianças negras por causas evitáveis, como desnutrição, diarréia e miséria. "A razão é política, não há justificativa técnica. Enquanto houver racismo, ele será um agravante na vulnerabilidade de saúde da população negra", denuncia Jurema Werneck.
As ativistas defendem que esse debate deve ser travado na gestão do Sistema Único de Saúde e no serviço público de atendimento, já que os planos de saúde não demonstram compromisso com as desigualdades raciais. "A forma como a saúde é feita e pensada é muito distante das nossas necessidades diárias e das visões de saúde que temos. Muito ancorada na doença. Somos os últimos a serem ouvidos e atendidos. Temos um desafio de fazer as pazes com o SUS. Não há solução fora da política pública", adverte Jurema Werneck.
A ampliação do debate nacional da saúde da população negra tem sido garantida pela atuação de ativistas no Conselho Nacional de Saúde. Desde 2006, o movimento negro tem sido representado por especialistas como a Doutora Fernanda Lopes, atual representante auxiliar do Fundo de População das Nações Unidas / Unfpa, e Jurema Werneck, que foi a coordenadora geral da última Conferência Nacional de Saúde, realizada em 2011. O relatório final da 14º Conferência pode ser baixado no endereço
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