terça-feira, 31 de julho de 2018

Uma análise às Políticas de Igualdade de Gênero em Angola



** por GRAÇA SANCHES


Graça Sanches

Em Angola existe um quadro  político positivo para a promoção da igualdade de gênero,  não-discriminação contra a mulher e meninas, elevando assim o seu degrau de liberdades civis. 

Este quadro positivo tem sido progressivamente alinhado a mecanismos internacionais e regionais assinados e ratificados.

Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017 (PND 2013-2017), que dedica particular atenção para a formulação da Política Nacional de População segundo as seguintes prioridades: (I) uma Política Nacional de Igualdade de Gênero que promova iguais oportunidades, direitos e responsabilidades para homens e mulheres; (II) promoção da igualdade de gênero no acesso ao emprego e formação profissional; e (II) sensibilização sobre o gênero com atenção para o papel da mulher na vida política, econômica, social e comunitária.
O PND 2013-2017 também coloca ênfase no combate à pobreza através de ações de promoção do empresariado feminino, estímulo ao associativismo das mulheres e realização de estudos sobre o papel profissional da mulher no sector econômico. O próximo Plano Nacional de Desenvolvimento 2017-2022 está neste momento em fase de elaboração.

Em 2013, o Conselho de Ministros aprovou unanimemente o Decreto Presidencial 222/13 de 24 de Dezembro, o qual articula a Política Nacional para a Igualdade e Equidade de Género (PNIEG) e a Estratégia de Advocacia e Mobilização de Recursos para Implementação e Monitorização da Política, com cinco domínios específico relativos ao I) acesso a serviços sociais básicos, como saúde reprodutiva e cuidados para VIH/SIDA, educação primária, técnica e superior, saneamento, água energia; II) acesso a recursos econômicos e oportunidades de emprego formal, garantias de proteção social para as mulheres na economia informal; III) aumento da participação e representação das mulheres nas instituições governativa locais e nacionais; IV) reforço de mecanismos legais e jurídicos de proteção contra a violência doméstica, e intervenção sob disposições culturais opostas aos direitos das mulheres; finalmente, V) a educação da família e comunidade para minimizar os desequilíbrios de benefícios entre meninos e meninas, e casamentos e gravidezes precoces.

Angola também adaptou Plataforma de Acção de Beijing e mais recentemente a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável composta pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), entre os quais o Objetivo cinco prevê, alcançar a igualdade de gênero, empoderar todas as mulheres e raparigas. Também é signatária da CEDAW – Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra a Mulher, Resolução AN 15/84 19 Setembro de 1984, depositada a 17 Setembro de 1986.

Todavia, precisamos perceber que o desenvolvimento humano só pode ser compreendido com referência ao respeito dos direitos humanos das mulheres e homens à educação, saúde, habitação, emprego, igualdade perante a lei , ao respeito pela sua integridade física, à liberdade de expressão, movimento e participação política, entre outros. 

A desigualdade de gênero é reconhecida  como uma causa da perpetuação do subdesenvolvimento e da pobreza.

Senão vejamos alguns dados estatísticos e a sua relação com Políticas Públicas para Igualdade de Género.

Os Resultados Definitivos do Censo 2014 indicam que Angola tem 25.789.024 habitantes. Cerca de 52% deste total, correspondendo a 13.289.983 pessoas, são mulheres. 
As mulheres representam a maioria da população nacional, superior aos 48% da população masculina de cerca de 12.499.041.
 A população angolana é extremamente jovem, sendo que 51% tem menos de 15 anos de idade (INE). No caso das mulheres e meninas, é particularmente importante. De acordo com o Inquérito Integrado sobre o Bem-estar da População (IBEP) 2008 – 2009 (2011), “a educação é um dos principais fatores de pobreza em Angola”.

Neste período, segundo a mesma fonte, a proporção da população feminina com 15 ou mais anos que sabia ler e escrever a nível nacional era de 51.9% contra 80.9% de homens, num total nacional de 65.6%. Traduzindo-se em valores de desigualdade no género de 0.64; 0.77 no espaço urbano, e 0.40 no espaço rural, dados do Relatório Analítico de Género em Angola de 2017. É ainda de se registar o grande distanciamento entre os níveis de alfabetização rural e urbana, em favor do espaço urbano, uma característica transversal aos diversos indicadores de gênero em muitos outros contextos.

Esta mesma fonte nos mostra dados de 2015-2016 que nos revelam que 32% das mulheres foram vítimas de violência física desde os 15 anos; 8% foi vítima de violência sexual em algum momento das suas vidas e 34% das mulheres de 15-49 anos e casadas em algum momento sofreram violência conjugal, física ou sexual. 
A a violência contra mulheres resulta também de percepções sociais sobre a posição e o papel da mulher na sociedade e no seio familiar. 
Por este motivo, 25% das mulheres entre os 15 e 49 anos confere alguma legitimidade à violência marital do homem contra a mulher, enquanto 20% dos homens corroboram a mesma posição (INE)

A maioria das mulheres e jovens raparigas estão inseridas no mercado informal. Isso deve-se especialmente ao baixo nível de literacia e educação formal técnica que as relega para atividades comerciais e similares, que não exigem qualificações superiores. Assim sendo, elas não beneficiam dos direitos aplicáveis na legislação em vigor, tais como licença da maternidade, segurança social e salários dignos, para além de estarem vulneráveis à elevada instabilidade profissional.

Segundo o mesmo relatório de 2017, metade desta trabalhava no sector do comércio e serviços, um número que reduze para 23% no caso dos homens. Cerca de 36% dedicava-se ao sector agrícola, 28% para o caso dos homens. Apenas 8% das trabalhadoras mulheres era qualificada e 2% era técnica ou gerente, contra 26% e 18% dos homens, respetivamente.

É importante ter um entendimento sobre o que implica investir na igualdade de gênero. Alcançar a igualdade de gênero, segundo Raquel COELLO implica tanto combater as causas, como abordar as consequências da discriminação contra as mulheres e das desigualdades de gênero ao mesmo tempo que promover um quadro institucional favorável para alcançar este objetivo. 

Pelos dados estatísticos percebemos que existe uma desigualdade de gênero, que afeta sobretudo as mulheres em areas fundamentais como a Educação. A chamada de atenção vai no sentido de uma transversalização das questões de gênero em todo processo de planificação de políticas públicas até à sua orçamentação e fiscalização.

integração transversal de uma abordagem de gênero tem por finalidade garantir que as necessidades específicas de homens e mulheres sejam contempladas em todas as esferas da governação, tendo em atenção as necessidades práticas e potencialidades estratégicas para cada um dos sexos. Transversalizar a perspectiva de gênero, em todas as etapas do ciclo de planificação e orçamentação, implica introduzir esta abordagem desde o momento da conceptualização das políticas e planos estratégicos, passando pelo desenho e elaboração dos programas e projetos orçamentais, e a fiscalização de sua implementação.

De acordo com a “Análise do Orçamento Geral do Estado de Angola em 2017 com Enfoque no Género”, elaborada por Raquel Coello Cremades, Especialista Sênior em Gênero e Fiscalização Orçamental e Graça Sanches, Especialista Junior Expert em Fiscalização legislativa com foco no gênero no quadro do Projeto Pro PALOP-TL ISC em 2017 foram apresentados alguns dados que permitem analisar a coerência dos investimentos com as estratégias nacionais de igualdade de gênero e de desenvolvimento, avaliando possíveis lacunas entre o planeamento estratégico e sua implementação efetiva.


Em Angola, o processo orçamental é regulamentado pela Lei-quadro do Orçamento Geral do Estado (Lei 15/10 de 14 de Julho) e as alterações feitas através da Lei 12/13 de 11 de Dezembro de 2013. O Anexo 6 do OGE 2017 contém o detalhe do orçamento alocado aos diferentes programas orçamentais (129 em total). O conteúdo de 89 destes programas está detalhado no capítulo 7 do documento do Plano Nacional do Desenvolvimento 2013-2017. A análise de gênero do OGE 2017 de Angola foi feita com base nestes dois documentos, produzindo os seguintes resultados:
  • O anexo 6 do OGE 2017 de Angola inclui 4 programas explicitamente orientados à promoção da igualdade de género o que representa 3,1% dos 129 programas contidos no anexo. Estes programas pertencem a dois setores: Família e Promoção da Mulher (3 programas) e Desenvolvimento Rural. O montante do orçamento indicado para estes programas é de 990.845.109 Kwanzas, o que supõe um 0,01% do total do orçamento aprovado para 2017 de Angola.
  • Através do PND 2013-2017 foram analisados os conteúdos dos programas orçamentais incluídos no anexo 6 do OGE 2017. Em total foram identificados 3 programas que, não tendo a promoção da igualdade de gênero como seu objetivo principal, incluem medidas de política (4 em total) para atingir este objetivo. Isto supõe que apenas em 2,3% dos 129 programas orçamentais incluídos no OGE 2017 é possível identificar intervenções para contribuir a igualdade de gênero. 
  • O montante alocado a estes programas é de 3.209.807.901 Kwanzas o que apenas supõe um 0,04% do OGE 2017.

  • No entanto, no anexo 6 do OGE foram identificados mais outros 87 programas orçamentais chave para a implementação da Política Nacional para Igualdade e Equidade de Gênero em cujo conteúdo, ainda não é possível identificar intervenções orientadas a este fim. Quase a metade dos programas (48%) contribuiria para o domínio prioritário do Acesso aos Recursos e Oportunidades e quase um quarto dos mesmos (24%) para os objetivos do domínio Familiar e Comunitário. O Domínio de Acesso aos Serviços Sociais Básicos supõe também um número importante de programas (20%), sendo minoritários os programas que contribuem para os domínios da Participação e Representação na Vida Publica e Politica (5%) e do combate a Violência Domestica (3%). Estes programas pertencem a 26 sectores diferentes o que mostra importância da transversalidade de gênero para poder atingir os objetivos da Política Nacional para Igualdade e Equidade de Gênero.

A implementação dos compromissos nacionais e internacionais de promoção de igualdade de gênero requer um conjunto de políticas e intervenções específicas, assim como medidas transversais a questões e problemáticas em diversas esferas econômicas, políticas e sociais. 
E sobretudo  requer o engajamento do conjunto dos atores nacionais, quer estatais, quer da sociedade civil, desde a fase de formulação de políticas públicas até à sua implementação ao nível da execução do Orçamento de Estado, instrumento que materializa as políticas públicas.

** GRAÇA SANCHES

Além de inúmeros prémios já recebidos, Graça Sanches foi distinguida recentemente como uma das 100 personalidades mais influentes de África, é Especialista em Género e Fiscalização Legislativa com enfoque no Género, matéria pelo qual também é uma grande ativista e muito atenta ao espaço de língua portuguesa.
Fonte:http://www.conexaolusofona.org

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