Só homens podem vestir a fantasia
oficial do bloco Doméstica de Luxo, que no último fim de semana reuniu
mais de 6 mil pessoas em Juiz de Fora, Minas Gerais.
A
caracterização se repete desde 1958, quando o grupo foi criado por seis
amigos: avental, cabelo "black power", batom vermelho para engrossar os
lábios e tinta preta cobrindo o rosto. Exatamente o oposto do que
gostariam de ver mulheres negras como Stephanie, Jarid e Dandara, que
conversaram com a BBC Brasil sobre racismo no Carnaval.
Além do exemplo mineiro, elas citam como motivos de desconforto marchinhas como O Teu Cabelo Não Nega
("Mas como a cor não pega, mulata / Mulata, eu quero o teu amor"),
fantasias como a de "nega maluca" e clichês como a "mulata tipo
exportação".
Para as entrevistadas, sob confetes e serpentinas
circulam piadas machistas (com homens se vestindo de 'mulher fácil'),
racistas (por meio da representação debochada da mulher negra) e com
preconceito social (caso das piadas com o cotidiano das empregadas).
"Homenagem"
"Tenho certeza de
que a maioria desses homens não tem a menor noção sobre a questão racial
e, pior, não faz nenhum esforço para entender", diz a estudante de
arquitetura Stephanie Ribeiro, de 21 anos, eleita uma das 25 mulheres
negras mais influentes da internet brasileira.
"A origem que percebo na maioria dos 'bullies' é essa: uma dificuldade de se colocar no lugar do outro", afirma a jovem.
A
reportagem conversou com um dos diretores do bloco Doméstica de Luxo, o
administrador de empresas Odério Filho, que se disse surpreso com as
críticas.
"A gente não tem preconceito", afirma. "O bloco foi
criado em 1958 por seis amigos que decidiram pintar o rosto de preto e
vestir uma roupa simples para homenagear de forma singela as
empregadas."
Questionado sobre a associação da mulher negra ao trabalho doméstico, Odério diz defender a liberdade de expressão.
"Tratamos
de forma carinhosa e caricata. A liberdade de expressão está aí.
Queremos agregar qualquer tipo de pessoa - a única restrição é que só
podem homens, como está no estatuto."
Stephanie contra-argumenta.
"Hoje tenho um pouco de medo de ir para a rua num bloco porque me
encaixo exatamente no padrão de mulher que eles constroem. O
constrangimento não fica só no campo da palavra, da expressão, da
fantasia. A agressão também é física: nos passam a mão e tratam como
objeto de diversão."
Escritora e militante Jarid Arraes, de 24 anos, diz que se sente
"ofendida" com a "hipersexualização" das mulheres negras durante a
festa.
"Somos retratadas como mulheres 'da cor do pecado',
'mulatas tipo exportação'. É o velho estereótipo de que as mulheres
negras seriam mais sexuais do que as brancas - que por sua vez seriam
para casar", diz.
"Aquela não é a imagem criada pela própria
mulher negra. É criada pela elite branca, com exageros nas formas e
curvas. Não dá para dizer que é inofensivo, que é diversão. É deboche",
afirma.
A atriz Dandara de Morais, de 24 anos, conta ter vivido na própria pele o clichê da nega maluca.
"Faço
balé desde criança. Aos 16, tivemos uma apresentação sobre bonecas -
claro, para mim reservaram a 'nega maluca'", diz. "Hoje eu vejo como
este tipo de representação da mulher negra a limita e ridiculariza."
São representações que Jarid promete combater até que os "estereótipos sejam derrotados".
"O
carnaval é só sintoma de um problema muito maior: a repressão sexual, o
moralismo, a desigualdade de oportunidades", diz. "A internet nos
coloca numa posição mais visível que antigamente. As pessoas nos
escutam, nos veem questionar e com isso conseguimos causar incomôdo."
Por
outro lado, as entrevistadas reconhecem que nem só de estereótipos é
feito o Carnaval. A cada ano, ganham força pelo país blocos
carnavalescos que pulam a festa levantando bandeiras sociais como o
empoderamento feminino e a defesa de oportunidades iguais entre os
sexos.
É o caso do bloco Rolezinho da Crioula, que desfilou no
último domingo, na Vila Madalena, em São Paulo, com a missão de promover
a cultura negra e o respeito às tradições afro-brasileiras.
Stephanie
fez um chamado nas redes sociais em busca de indicações de blocos que
não aceitam representações estereotipadas entre seus integrantes.
A lista com os principais está abaixo:
Fortaleza - CE Afoxé Oxum Odolà Tambores de Safo
Florianópolis - SC Bloco Carnavalesco Pula Catraca
Manaus – AM Bloco Maria Vem com as Coisas Outras
Recife – PE Ou Vai ou Racha
Rio de Janeiro – RJ Comuna Que Pariu Agyto Bloco das Perseguidas
Salvador – BA Folia Feminista Olodum Muzenza Malê de Balê Banda Didá
São Paulo – SP
Bloco Soviético Bloco da fanfarra do Mal Ilú Obá De Min Adeus Amélia
Bloco do MAL Bloco da Dona Yayá Bloco da Abolição Bloco do Peixe Seco
Olgazarra Bloco da toca do saci Ilú Obá
Fonte:BBC
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