Na semana do carnaval, a lendária figura do samba e deputada
estadual por São Paulo fala a respeito da festa popular e de sua atuação
na Assembleia, focada em cultura e direitos humanos. “Como deputada,
dou continuidade à luta que sempre tive como artista”
Carioca
de Madureira, foi em São Paulo que a primeira mulher a compor um samba
para a Mangueira encontrou apoio para exercer, no âmbito político, sua
luta em relação ao direitos humanos. Aos 70 anos, Leci Brandão tem o
fôlego de uma jovem militante para denunciar preconceitos ou qualquer
tipo de atitude que viole suas principais bandeiras: cultura, juventude,
movimento negro e mulheres.
“Sou carioca, mas o povo do estado de
São Paulo, desde os anos 1980, me acolheu, me adotou e entendeu toda a
minha forma de compor, minha postura nos principais assuntos que
aconteceram nesse pais, principalmente quando acontece qualquer coisa
ligada ao preconceito, seja ele de que ordem for. Vm aqui cumprir uma
missão, não vejo isso como essa coisa de mandato, de me achar deputada,
autoridade. Estou aqui cumprindo uma missão e foi o povo de são Paulo
que construiu tudo isso”, analisa.
Com um histórico próximo aos
movimentos sociais e à esquerda de uma maneira geral, a artista que
“está deputada”, como gosta de definir, se filiou em 2010 ao Partido
Comunista do Brasil (PCdoB) e, com mais de 85 mil votos, conseguiu se
eleger como uma das poucas mulheres com atuação progressista a ocupar
uma das cadeiras da Assembleia Legislativa de São Paulo. Seu trabalho
foi reconhecido pela população e, no páreo seguinte, em 2014, se
reelegeu com pouco mais de 71 mil votos.
Inserida num ambiente
majoritariamente composto por homens, brancos e de partidos de centro ou
direita, a deputada disse que não se espantou quando chegou na
Assembleia. Acostumada, pelo próprio histórico de militância, com o
preconceito e a descriminação, a sambista conta que o estranhamento
partiu justamente do outro lado.
“Na verdade, acho que o espanto
partiu mais das pessoas em relação a mim. As pessoas não acreditam muito
dessa coisa de artista estar no processo político, acham que é uma
coisa de oportunidade e depois nada acontece. E comigo foi ainda pior.
Muitos [deputados] para você ter uma ideia, nem me olhavam na cara direito. ‘O que que essa pessoa, essa sambista, tá fazendo aqui?’”, revela.
Leci mostra a cara
A deputada Leci Brandão em sessão de CPI na Assembleia (Foto: Alesp)
A
sambista conta que, independentemente do que pensavam dela quando
entrou na Casa, resolveu fazer o seu trabalho pautado pelas suas
demandas históricas que, inclusive, são justamente as pautas que menos
recebem atenção dos deputados. Sua luta, desde então, tem sido intensa
e, a partir do momento que entrou em comissões especiais, começou a ser
reconhecida por sua atuação.
“Tinha que dar uma legitimidade para
esse mandato, dando continuidade àquela luta que era apenas no setor
artístico. É como eu costumo a dizer: sou uma artista e estou deputada.
Então, à medida que fui participando das comissões (sou da comissão de
Educação e Cultura e da comissão de Direitos Humanos) as pessoas
começaram a prestar atenção no que estou fazendo aqui”, disse.
Entre
suas principais lutas como deputada, fazendo jus a seu berço no samba, é
uma atenção maior do poder público com a questão da cultura. Desde que
foi eleita parlamentar, Leci se articula para mobilizar mais deputados
em apoio a uma medida que julga ser essencial: a ampliação da verba no
orçamento do estado para a cultura.
“Fizemos inúmeras ações e
atividades relativas à cultura, principalmente de cultura popular.
Sabemos que num estado que tem 645 municípios, tem muita gente com
capacidade, muita gente sensível e a cultura é bem diversa. Isso precisa
ser valorizado. Sempre, na hora de estabelecer a LDO (Lei de Diretrizes
Orçamentárias) procuramos colocar para cultura 2% [do orçamento].
São Paulo não tem nem 1% direcionado para cultura e isso é um absurdo.
Estive sempre ao lado dos pontos de cultura, realizamos audiências
publicas com representantes da cultura de todos os municípios… Acho que
estamos cumprindo essa parte com muita consciência”, analisou.
Entre
outras pautas que Leci encabeçou na Assembleia e que promete continuar
colocando neste novo mandato está a questão da mulher. “A gente pede há
muito tempo que seja criada a secretaria estadual da Mulher, que não
existe. Hoje temos apenas uma coordenadoria e, pelo tamanho e
importância que o estado tem, tem que ter!”, pontuou, fazendo questão
ainda de destacar sua atuação próxima em relação às religiões de matriz
africana e a intolerância que envolve o tema.
“Acredito nas religiões de base africana por razões óbvias na minha vida. Respeito todas [as religiões],mas
não tolero o que alguns evangélicos fazem em relação ao candomblé, à
umbanda… “, disse, sem esquecer ainda a bandeira que, segunda ela, nunca
vai abandonar, a luta em prol da a juventude negra. “Debatemos de forma
muito forte o genocídio da juventude negra. O que a gente vê nas
periferias são assassinatos, chacinas diretamente ligadas a essa
populaçãoa. Esses jovens estão sendo exterminados”, lamentou.
Carnaval
Como
não podia deixar de ser, Leci Brandão, ícone que é do carnaval, fez
comentários sobre a festa popular e deu pitacos para o futuro. Para ela,
que esse
ano
não trabalhará mais como comentarista dos desfiles da TV Globo,
acredita que a cidade de São Paulo cresceu exponencialmente na
capacidade de realizar a festa e que, com os anos, mudanças serão
necessárias.
“Nós não tínhamos dúvidas de que o carnaval ia chegar
ao tamanho que chegou. A classe média perdeu o medo do samba e hoje
participa também. Acho que daqui uns quatro ou cinco anos esse carnaval
vai ter que ter um outro olhar por parte do poder público. Vai ter que
aumentar o tempo de desfile, vai ter que dar condições de outro público
ver , ter um espaço para povo que não pode pagar esse preço de ingresso…
E ouso dizer, ainda, que quando a Fábrica do Samba estiver pronta as
escolas vão ter amplas condições de usar os barracões da mesma forma. Aí
é que esse carnaval será mais surpreendente ainda”, falou.
A
sambista, contudo, fez questão de tecer críticas à mídia quanto à
cobertura do evento. “A única coisa que espero é que a mídia, na
transmissão, não esqueça a comunidade das escolas de samba, não esqueça
dos grandes protagonistas, não esqueça de dar close no sambista. A
transmissão está muito plástica, muito rápida, e esquecem de mostrar o
essencial, o povo do samba, a comunidade do samba. Mostram só
celebridade e celebridade não precisa disso. Deixa esses dois diazinhos
para sambistas”, solicitou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário