sábado, 21 de dezembro de 2013

Sul-africanos afirmam que cultura de igualdade econômica entre negros e brancos ainda é distante

África do Sul Em 2001, um lar branco ganhava cerca US$ 17 mil a mais do que o negro. Em 2011, essa disparidade passou para quase US$ 30 mil.


Quando Freddy Kenny abriu a empresa vendendo hortifrútis em uma picape detonada durante a década de 1970, uma sirene soava nesta cidade, sua terra natal, toda noite às 21h, sinalizando a ele e a todos os negros que deviam deixar os limites da cidade imediatamente ou serem presos.

Hoje em dia, a única coisa pairando é a estátua de seis metros de Nelson Mandela, o homem que conduziu a África do Sul para fora do apartheid e a uma era de democracia, com o punho levanto em uma saudação do poder negro. Agora um magnata dos supermercados, Kenny doou a imagem de bronze de Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul, e a mandou erigir sobre o ponto mais alto da cidade, o morro Naval.

— Madiba sempre cuidou de nós enquanto estava vivo — , ele afirmou após a morte de Mandela, referindo-se ao líder pelo seu nome do clã. — Agora, ele vai cuidar da gente da eternidade — 

A vida nova de Kenny, com as mordomias e privilégio dos colegas brancos, é uma prova do comprometimento de Mandela, que morreu a cinco de dezembro, de fazer da reconciliação racial a principal bandeira de sua presidência. Ele liderou um partido que combateu uma insurgência armada contra o governo do apartheid, mas quando saiu da prisão pregou o perdão e a harmonia. Despido de ódio, Mandela negociou um final pacífico para o domínio branco, dando origem à Nação do Arco-Íris.

Porém, a igualdade racial nas urnas se mostrou muito mais fácil de conquistar do que a igualdade social e econômica. Embora Kenny, frequentador do bar do clube de golfe Schoeman, antigo ponto de encontro só para brancos da elite da cidade, tenha recuperado o terreno perdido e ultrapassado muitos sul-africanos brancos, ele é uma exceção à regra da oportunidade e progresso desiguais que continua sendo um dos maiores desafios da nação atualmente.

Desde o fim do apartheid, o governo construiu mais de dois milhões de casas, levou eletricidade a milhões de lares e aumentou tremendamente o número de pobres com acesso à água potável. A renda média anual das famílias negras quase triplicou entre 2001 e 2011, segundo dados do censo divulgados no final do ano passado, e uma porcentagem crescente da população adulta negra fez o ensino médio, com uma parcela em elevação indo à faculdade.

Porém, os negros sul-africanos ainda estão muito atrás dos brancos e, segundo algumas cifras, ficando ainda mais para trás. Em 2001, o lar branco típico ganhava perto de US$ 17 mil a mais do que o negro, pela atual taxa de câmbio. Em 2011, essa disparidade passou para quase US$ 30 mil. E embora o país tenha progredido em reduzir o número de negros analfabetos ou com poucos anos de escolaridade, pouquíssimos brancos têm esse obstáculo a superar; pelo contrário, eles foram à faculdade e além em índices maiores desde o fim do apartheid.

A nação também continua profundamente dividida nas esferas sociais. Segundo o Barômetro da Reconciliação da África do Sul, pesquisa sobre atitudes raciais e sociais, menos de 40 por cento dos sul-africanos socializam com pessoas de outra raça. Apenas 22 por cento dos sul-africanos brancos e um quinto dos negros vivem em bairros integrados racialmente. As escolas ainda permanecem bastante segregadas. Somente 11 por cento das crianças brancas vão a escolas integradas, contra somente 15 por cento das negras.

Durante a presidência, Mandela ajudou a evitar a explosão de décadas de opressão e desequilíbrios. Ele encorajou os negros a serem pacientes em relação a adquirir os bens materiais e serviços considerados naturais até pelos brancos de classe baixa. Mandela pediu para os brancos terem fé na democracia multirracial e a não deixarem o país.

Entretanto, durante os longos anos de sua saúde declinante, muitos questionaram o que aconteceria com a cortesia racial relativa sul-africana quando ele se fosse.

Tanto por atos quanto por palavras, Mandela deu aos sul-africanos "algo para pôr em prática", afirmou Chanter Jacobs, 19 anos, estudante de moda em Johanesburgo, antes da morte do líder. — Ele é um farol, e a intenção é orgulhá-lo porque ele fez tanta coisa pelo nosso país — 

Sem o exemplo vivo de Mandela, Jacobs temia que os sul-africanos não tentassem com tanto afinco corresponder aos seus ideais. Ela temia que as relações entre as raças piorassem, levando também a economia a declinar.

— Acho que alguma coisa pode mudar. Só não sei como nem o quê? — 

Outros entrevistados foram mais otimistas.

— Tenho filhos de nove, três e um ano de idade, e estou muito contente em ficar neste país — , afirmou Debbie Angus, gerente de propriedade branca de Sandton, subúrbio refinado de Johanesburgo.

Angus creditou a Mandela a unificação multirracial da África do Sul em um só povo e afirmou: — Acho que as coisas vão continuar como estão no momento. Acho que ele assentou as bases para as gerações futuras — 

Em poucos lugares o legado da separação racial na África do Sul é mais amargo do que na cidade de Bloemfontein. Na segunda metade do século XIX, ela foi a capital do Estado Livre de Orange, república africâner independente que, de muitas formas, foi um protótipo do que viria a ser o apartheid. Foi aqui que um grupo representando a elite africâner se reuniu no Ramblers Hall, exclusivo para brancos, em 1914, para fundar o Partido Nacional, que chegaria ao poder em 1948, fortificando a separação racial e supremacia branca como política oficial do governo.

No entanto, ela também é uma cidade com uma rica história de ativismo negro. Foi em uma escola da igreja daqui que um grupo de líderes da comunidade negra se encontrou em 1912 para formar o precursor do Congresso Nacional Africano.

Em discurso durante visita à cidade, em 1997, enquanto era presidente, Mandela saudou Bloemfontein como símbolo da transformação extraordinária do país.

— Aqui as forças e as pessoas que fazem de nós o que somos hoje em dia interagiram e se enfrentaram — 

Ainda seguindo, — Bloemfontein completou um ciclo. Antes o posto avançado de uma força colonial invasora e depois a capital de uma república que excluía a maioria, agora ela é a sede do governo provinciano não racial eleito democraticamente. — 

Porém, ainda persistem fissuras profundas, e preconceitos antigos não são vencidos com facilidade.

Homens como Kenny, com sua riqueza e status, vivem com facilidade em um mundo multirracional. Todavia, para a maioria dos sul-africanos negros, a raça continua sendo um senhor obstáculo. A exemplo de muitos jovens negros pobres, Mamello Tlakeli, 27 anos, afirmou não ter nenhum contato significativo com os brancos.

Em seu último emprego, como garçonete de uma cadeia de restaurantes de frutos do mar, ela afirmou que o preconceito racial dos brancos era uma constante. Clientes que falavam africâner por vezes exigiam que ela falasse o idioma, mesmo quando claramente dominavam o inglês. A maioria dos jovens sul-africanos negros não fala essa língua, embora muitos dos pais fossem forçados a aprendê-la na escola, política que se tornou ponto de convergência no movimento contra o apartheid.

— Até o gelo eles pediam em africâner — , ela contou.

Durante as refeições dos funcionários, brancos e negros se sentavam separadamente, não pela força, mas pelo hábito.

— Sempre era muito desconfortável ficar com colegas brancos — , ela afirmou.

Desempregada há pouco tempo e trabalhando como voluntária em uma instituição de caridade com a esperança de conseguir experiência profissional, Tlakeli disse que os brancos da África do Sul continuaram a prosperar como antes do apartheid, enquanto os negros continuaram atrás.

— Existe um grande abismo entre brancos e negros. A Nação do Arco-Íris é um sonho, não uma realidade .
Fonte: Zero Hora

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