quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Lugar de mulher também é fazendo cerveja

Por Laura Aguiar Mestre-Cervejeira 
O preconceito relacionado à mulher no meio cervejeiro aparece de diversas formas, das mais claras às mais sutis. Já ouvi comentários do tipo:
- "você não tem cara de cervejeira" (fico me perguntando qual será a cara padrão de uma cervejeira);
- "ah tá, você é cervejeira...isso quer dizer que você gosta de tomar cerveja, né?!" (porque é claro que, como mulher, você não pode entender mais de cerveja do que eu que sou homem);
- "para o paladar feminino, qual a melhor cerveja?" (o que seria paladar feminino? Eu sei do meu paladar, não posso falar pelo de todas as mulheres);
- "algumas atividades na cervejaria são pesadas demais para mulher" (mulheres e homens podem ou não ter força para uma função ou outra);
- "mulher tem mais jeito para a área de qualidade, pois são mais detalhistas, e homens para a área de processo, que é mais técnica" (existem mulheres que não são detalhistas e amam a área técnica, simples assim).
Este é apenas um retrato do universo cervejeiro que, assim como todos os outros, é um reflexo da sociedade.
As pessoas que fazem parte dele, seja trabalhando na indústria, produzindo por hobby ou só pelo prazer de beber, contribuem, cada uma do seu jeito, para a construção desse universo no dia a dia. Os valores, opiniões, gostos e, infelizmente, preconceitos de cada um influenciam o meio como um todo. O País ainda é muito machista, e o universo cervejeiro também é.
Eu trabalho com cerveja há mais de dez anos e há sete sou mestra-cervejeira formada. É minha paixão. 
Apesar disso, em diversas situações, de conversas de bar a fóruns cervejeiros, fui testada por homens que, quando ficavam sabendo que sou cervejeira, queriam ter certeza de que eu entendia mesmo do assunto.
Perdi a conta de quantas vezes me vi obrigada a atestar a minha capacidade. É cansativo ser desafiada só por ser mulher. Tenho a sorte de trabalhar em um lugar que me respeita por quem sou e onde nunca me senti discriminada, mas sei que situações como essa não são regra.
É chocante ver que, em 2017, ainda não esteja claro que as características diferentes que podem existir entre as pessoas não dependem de gênero. Somos indivíduos; é natural (e bom) que não sejamos todos iguais.
A diversidade, quando respeitada, contribui para o amadurecimento da sociedade inteira. Generalizações, por sua vez, só fortalecem uma cultura de exclusão. Os estereótipos de gênero (assim como outros) limitam as nossas vidas e escolhas ao dizer quais espaços nós mulheres podemos ocupar e quais não podemos.
Por outro lado, vejo cada vez mais mulheres vencendo as barreiras sociais que nos são impostas e os preconceitos que estão arraigados na nossa cultura e na nossa criação.
Mulheres, muitas vezes, são educadas para aceitarem o machismo e, por isso, nem sempre conseguem perceber como estão sendo impactadas por ele. Outras vezes, apesar de sentirem o preconceito, não conseguem espaço para se manifestarem contra ele.
Hoje, vejo muitas mulheres que conseguem não só perceber o machismo, mas também lutar para que cada vez menos outras mulheres sofram por causa dele. Não é fácil.
O pensamento machista tende a ridicularizar as iniciativas daqueles que querem lutar contra o problema. Escuto muitos comentários de pessoas que ridicularizam projetos voltados à inclusão e busca de igualdade entre homens e mulheres, que falam em "vitimização", "frescura" ou "mimimi", mas fico feliz em ver que, apesar das dificuldades, nós estamos nos unindo e liderando discussões sobre o assunto.
Hoje, por exemplo, participo de um projeto incrível chamado "Goose Island Sisterhood". A Sisterhood (como carinhosamente chamamos) é uma confraria feminina feita exclusivamente por mulheres, idealizada pela minha amiga e sommelière de cervejas Beatriz Ruiz. Ela busca falar sobre cerveja e empoderamento feminino, discutindo o nosso espaço no meio e na sociedade por meio da produção da bebida.
Iniciativas como essa são importantes para quebrar os preconceitos que ainda persistem e aproximar cada vez mais mulheres do universo cervejeiro, reafirmando que ele também é nosso.
Sei que ainda temos pela frente um caminho longo a ser percorrido para que a igualdade de condições entre homens e mulheres seja alcançada, mas os primeiros passos já estão sendo dados, e isso me enche de esperança e orgulho.
Nós estamos conquistando nosso espaço e sendo protagonistas na transformação desse mercado. São vitórias nossas não sermos mais objetificadas nos comerciais de cerveja e estarmos cada vez mais presentes na sua produção. É isso que me motiva a seguir na luta pela desconstrução desses preconceitos.

Quem é Laura Aguiar  : Formada em Engenharia de Alimentos, Laura Aguiar entrou na Ambev como estagiária em 2007 na Maltaria Navegantes em Porto Alegre-RS. No ano seguinte foi contratada através do Programa de Talentos na área de processo e durante esse ano trabalhou na cervejaria Águas Claras em Viamão-RS. Em 2009, fez o curso técnico em cervejaria no SENAI na cidade de Vassouras-RJ e na sequência foi para os Estados Unidos fazer o curso de mestre-cervejeira na Universidade da Califórnia em Davis. Quando retornou ao Brasil foi para Anápolis trabalhar como staff de processo cerveja na cervejaria Cebrasa. A unidade era muito antiga e ela teve a oportunidade de participar da sua modernização. Depois dessa implantação foi para Cuiabá assumir o desafio de ser Gerente de Qualidade. Por fim, em 2013 foi trabalhar na área de desenvolvimento da Ambev, inicialmente como especialista de desenvolvimento de cerveja e posteriormente como gerente corporativa da área sensorial e de ciência do consumidor cargo que ocupa ainda hoje. Além dos cursos já citados, Laura é Sommelière de Cervejas, Especialista em Projetos e Especialista em Marketing.

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