Wafae Abdel-Rahman, 26 anos, teve os genitais externos
extirpados aos 14; hoje, tem medo de ter relações sexuais com o marido e
diz odiar seu corpo
As
mulheres egípcias se uniram contra a mutilação genital feminina para
sensibilizar o país sobre um costume nocivo que continua a ser praticado
pelas costas das autoridades e que muitos justificam como um dever
religioso.
Uma campanha lançada por várias organizações egípcias,
em lembrança à celebração nesta quinta-feira do Dia Internacional da
Tolerância Zero Contra a Mutilação Genital Feminina (também chamada de
ablação), pretende erradicar de uma vez por todas dramas como o vivido
pela jovem Wafae Abdel-Rahman.
"Eu não quero que minhas filhas
passem pelo que eu sofri. Isso, se algum dia tiver filhos, porque tenho
medo ter relações sexuais com o homem com o qual me casei, acho que não
conseguirei cumprir meu papel de esposa com ele", lamentou Wafae em
entrevista à agência EFE.
Wafae, hoje uma mulher de 26 anos, teve
que passar, pelas mãos de um parente médico, pela extirpação dos
genitais externos quando era uma adolescente de 14 anos, porque sua mãe
os considerou "muito grandes".
Apesar de viver com medo do que
sentirá quando se ver "nua diante de um homem", como ela mesma explicou,
relatou com firmeza todo o processo que foi obrigada a viver.
"Lembro
como meu pai dizia para minha mãe que não era preciso praticar a
ablação, que ainda era pequena e não era necessário, mas ela o mandou
ficar quieto, se dirigiu ao médico e ordenou sem remorsos: 'Corte'",
contou Wafae, que confessou odiar seu corpo que, diz, ficou destroçado
desde aquele dia.
O Centro Canal para Estudos de Formação e
Pesquisa é o responsável, junto com outras associações civis egípcias,
por esta campanha, que considera inconcebível que o Egito seja um dos
países com maior número de mutilações genitais no mundo.
"Queremos
que as mulheres falem e contem suas histórias, temos dezenas de meninas
que contam sua experiência por diferentes cidades do país porque é
preciso deixar claro que não há nenhum texto religioso que defenda a
mutilação genital feminina", advertiu Omnia Arki, porta-voz da ONG.
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o dia 6 de fevereiro como o
Dia Mundial da Tolerância Zero contra a Mutilação Genital Feminina, por
considerar essa prática "nociva e uma violação dos direitos básicos das
meninas e das mulheres".
No Egito já há leis que penalizam a
ablação, mas "isso não será útil até que se consiga sensibilizar as
pessoas que vivem arraigadas a essas crenças", disse Tareq Anis,
presidente da Sociedade Pan-Árabe de Medicina Sexual e professor de
sexologia na Universidade do Cairo.
Em junho de 2008, por causa da
morte de uma adolescente que sofreu complicações após ser submetida à
mutilação genital, a prática passou a ser crime previsto no Código Penal
egípcio com penas de prisão de três meses a dois anos de prisão, e
multas de até US$ 800.
"Passei três dias com as pernas abertas,
sem conseguir me mexer, e ainda hoje lembro perfeitamente como foi esse
momento. Me afetou sexual, emocional, social e pessoalmente, e
principalmente a minha relação com os outros", lembrou Wafae.
Os
dados indicam que a prática começa a diminuir entre meninas e mulheres
da nova geração, mas os especialistas se queixam que o número continua
sendo muito alto e pedem que se sensibilize sobre esta prática cultural,
e não religiosa, advertem.
"Ainda há gente que pensa que isto é
algo religioso e não é assim, é questão de cultura e de tradição. No
Egito é praticada por muçulmanos e cristãos, enquanto na Arábia Saudita,
Indonésia ou Malásia, certamente nem nunca ouviram falar sobre
mutilação genital feminina", explicou Anis.
O sexólogo acrescentou
que, até pouco mais de três anos, o número de mulheres que sofria a
ablação chegava aos 98% no Egito, mas hoje, garante, já se pode falar em
80%.
Os especialistas estão de acordo que a regulação da prática
deve ser acompanhada de educação sobre as graves consequências da
mutilação genital, que reduz o desejo sexual das mulheres e não tem
nenhuma utilidade médica.
Os últimos dados oficiais, de 2008,
comprovam que 91,1% das mulheres com idades entre 15 e 49 anos sofreram a
amputação do clitóris, o que deixa o Egito em quarto lugar entre os 29
países que realizam habitualmente a prática.
Estes números
apavorantes acompanham a denúncia de Wafae, que ainda tem "medo das
relações sexuais quando as tiver. Tenho pesadelos porque não saberei
como me comportar, como ser com meu marido, tenho medo do fracasso em
minha vida amorosa".
Fonte: Terra / Geledez
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