Por Amanda Oliveira
Somos as netas das bruxas que eles não conseguiram queimar
Mônica Aguiar |
Você já escutou alguém relacionar
as bruxas ao movimento feminista? Para algumas pessoas, o termo “bruxa”
sempre pareceu e ainda soa como se fosse uma ofensa, uma palavra para xingar e
diminuir mulheres. Mas, na verdade, engana-se quem pensa que ser chamada dessa
forma significa algo ruim, errado e ofensivo. Existe muita coisa que nem todo
mundo conhece sobre a história das bruxas (além do estereótipo maligno que
crescemos assistindo nos desenhos e contos de fadas), mas um fato é
inegável: elas eram mulheres poderosas. E não, não estamos falando no sentido
de ter poderes mágicos.
Para início de conversa, é preciso
entender o que foi a caça às bruxas para compreender a relação delas
com o feminismo. Voltamos, então, aos séculos 15 e 16, em boa parte da Europa e
algumas colônias da América. Nesta época, o teocentrismo (Deus como centro de
tudo) foi substituído pelo antropocentrismo (o ser humano como centro de tudo),
por isso a arte, a ciência e a filosofia se desvincularam da teologia cristã
durante algum tempo.
Como resposta e tentativa de
reconquistar o poder, a Igreja instaurou os “Tribunais da Inquisição”, que
perseguiam, julgavam e puniam pessoas que fossem acusadas de se desviar das
normas de conduta daquela época. Entre as acusações mais comuns estavam os
hereges (que rejeitavam a doutrina da Igreja), judeus e bruxas. A Santa
Inquisição, também chamada de Idade das Trevas, durou cerca de 588 anos.
As punições para essas “práticas
proibidas” eram morte na fogueira, prisão perpétua e confisco de bens – essa
última tornou a Inquisição muito lucrativa para os cofres da Igreja. Contudo, o
tribunal dos inquisidores começou a ficar cada vez mais cruel, transformando-se
em um verdadeiro banho de sangue. Qualquer um que praticasse atividades
diferentes daquelas reconhecidas como cristãs era considerado um herege. De
acordo com a Superinteressante, os portugueses executaram 40 mil
pessoas, sendo 2 mil mortas na fogueira. Já na Espanha, até 1834, foram quase
300 mil pessoas condenadas e 30 mil mortas.
Um dos mais famosos casos de caça
às bruxas foi o julgamento das Bruxas de Salem, em 1692, nos Estados Unidos. Tudo
começou quando a filha e a sobrinha do Reverendo de Salem ficaram doentes e,
pressionadas por líderes religiosos, culparam três mulheres por causar a doença
misteriosa: uma escrava, uma mendiga e uma idosa pobre. A situação fugiu
do controle quando mais e mais pessoas foram acusadas de estarem ligadas ao
caso de bruxaria, como um ministro da igreja, que foi considerado o líder das
bruxas.
Ao todo, foram cerca de 200 pessoas presas e acusadas de bruxaria,
sendo 20 delas condenadas à morte.
Outro caso muito conhecido foi a
morte de Joana D’Arc que, de cabelo curto e roupas masculinas,
liderou um exército francês quando a França ainda vivia sob domínio inglês. Ao
ser capturada e vendida para a Inglaterra, ela foi julgada e acusada de
bruxaria e heresia. Até mesmo sua virgindade foi questionada.
Em 1431, com 19 anos, Joana D’Arc
foi queimada viva em uma fogueira enquanto a plateia que assistia ao fogo se espalhar
pelo seu corpo gritava palavras como “bruxa” e “mentirosa”. Ela, por outro
lado, só pronunciava “Jesus! Jesus! Jesus” até não ser capaz de falar
mais. Cinco séculos depois, a Igreja Católica reconsiderou a história da
heroína e autorizou a beatificação de Joana D’Arc que, atualmente, é também
vista como uma santa.
Mas, afinal, o que fazia as
mulheres serem consideradas bruxas naquele período? Embora eles
reconhecessem como “práticas ligadas ao Diabo”, as atividades de bruxaria
das mulheres eram apenas coisas que os homens não conseguiam entender e
explicar. Entre elas, os segredos das curandeiras e parteiras que
escapavam da compreensão da ciência precária da época, ervas e remédios
caseiros para curar doenças, além de características do comportamento e do
corpo feminino, como a sexualidade, menstruação, capacidades intuitivas e
fertilidade.
Na verdade, várias atividades
femininas eram entendidas como práticas de bruxaria. Grupos de mulheres
que se reuniam para compartilhar conhecimentos medicinais (que, para as mais
pobres, era a única opção de atendimento) e outras experiências eram
identificados como uma reunião de bruxas. Além disso, mulheres que
tentavam realizar grandes feitos sozinhas sem um homem também eram vistas como
imorais. Neste período, as bruxas eram desde idosas com alguma deficiência
física ou mental até mulheres bonitas e jovens que haviam ferido o ego de
homens poderosos ou despertado desejo em padres celibatários – o que, para
eles, era uma obra de “um pacto com o demônio”.
As mulheres acusadas de bruxaria
eram presas, mas passavam por um julgamento antes da sentença de punição. Na
tentativa de obter a confissão do crime (ser uma bruxa), os inquisidores
torturavam essas mulheres de diversas formas cruéis para forçá-las a assinar a
confissão em um documento. Aquelas que decidiam confessar seus atos de
bruxaria eram estranguladas antes de terem seus corpos queimados – uma
morte com mais misericórdia, para eles. Já as mulheres que insistiam na
inocência eram queimadas vivas em fogueiras, geralmente em praças públicas.
Por isso, as bruxas retornaram como
ícones do movimento feminista: por terem sido mulheres livres, inteligentes e à
frente de seu tempo. Mas, acima de tudo, por terem sido injustiçadas e
assassinadas por serem mulheres. Estudiosos afirmam que a caça às bruxas
foi um verdadeiro genocídio de gênero, contra o sexo feminino. Do ponto de
vista feminista, as bruxas afrontavam o patriarcado e o poder da Igreja ao
manifestarem seus conhecimentos medicinais, suas atuações nas comunidades, suas
lutas para realizar feitos pessoais. As mulheres mortas acusadas de
bruxaria foram nada mais do que vítimas do patriarcado, que era ainda pior
naquela época, representando resistência, luta e rebeldia.
Enfim, é por isso que “somos as
netas das bruxas que eles não conseguiram queimar”. Fight like a witch e #HappyHalloween!
Fonte: Capricho
Foto : Mônica Aguiar
Nenhum comentário:
Postar um comentário