Por
“Da visão de Gilberto Freyre
sobre a sociedade escravista assentada na grande lavoura, passou-se à
constatação da presença de escravos nas pequenas propriedades voltadas para a
subsistência, nas áreas de pecuária, nas áreas urbanas e nos ambientes fabris”,
escreve a pesquisadora Ilana Peliciari Rocha na introdução de seu novo
livro, Escravos da Nação – O público e o privado na escravidão
brasileira, 1760-1876.
Publicação da Editora da USP (Edusp), a obra também
constata que a escravidão não foi igual nas diversas regiões do Brasil e que,
apesar de se assentar em princípios fundamentais, diferenciou-se localmente.
É
o caso dos escravos que pertenciam ao Estado, que se distinguem como escravos
públicos e que durante o Brasil colonial eram chamados de “escravos do Real
Fisco” ou “escravos do Fisco” e no Império ficaram conhecidos como “escravos
nacionais” ou “escravos da nação”.
Os escravos foram incorporados
ao patrimônio imperial depois do confisco dos bens dos jesuítas pela Coroa
portuguesa, em 1760, e continuaram presentes por mais de um século, até a
implantação gradual da Lei do Ventre Livre, de 1871, que teve sua regulamentação
arrastada por mais cinco anos, impondo-lhes a condição escrava sob a supervisão
do governo.
“Apesar desse longo período, desconhecem-se as orientações públicas
sobre a administração patrimonial dos escravos da nação”, escreve a autora.
O
livro pretende verificar até que ponto ocorreu uma política oficial de posse de
escravos estatais e quais eram os mecanismos de tratamento para esses escravos.
Nesse trabalho, foram identificados os redutos de escravaria pública. Os
escravos trabalhavam em diversos estabelecimentos públicos, como fábricas e
fazendas nacionais, e estavam também na Corte, no Arsenal da Marinha, na Quinta
da Boa Vista, nas colônias militares das fronteiras e nas obras públicas em
geral.
O livro analisa, em especial, a Fazenda de Santa Cruz, no Rio de
Janeiro, uma propriedade agrícola de usufruto da Coroa como local de passeio, e
a Fábrica de Ferro São João de Ipanema, em São Paulo, que, segundo a
pesquisadora, permitem uma visão conjuntural e também o acompanhamento das
transformações ocorridas no âmbito do escravismo brasileiro.
Ela ainda
acrescenta que os estabelecimentos públicos foram escolhidos por sua
representatividade na questão da diversidade produtiva do Estado e por seu
funcionamento continuado ao longo do século 19, além do fato de que ambos
tinham documentação abundante e catalogada.
A autora examinou fontes
oficiais, como os relatórios governamentais dos ministérios, documentos
manuscritos como cartas oficiais e requerimentos, legislação, recortes de
jornais e outras publicações da época. No tocante à historiografia da
escravidão, a pesquisadora deu ênfase às questões gerais, como o
patrimonialismo do Estado e os padrões da escravidão privada, bem como a
revisão das análises isoladas dos estabelecimentos públicos.
Também foram utilizadas
como referência pesquisas de autores como Carlos Engemann, que analisa a
demografia e as relações sociais entre a escravaria da Fazenda de Santa Cruz,
de 1790 a 1820, a tese de Solimar Oliveira Lima sobre o trabalho escravo nas
fazendas da nação no Piauí, entre 1822 e 1871, e ainda o estudo de Mario
Danieli Neto, que trata dos escravos públicos e africanos livres na Fábrica de
Ferro São João de Ipanema, de 1765 a 1895.
A obra está dividida em três
partes. Na primeira são identificados os escravos da nação. Na segunda é
enfatizada a concepção do Estado em relação aos escravos públicos. Já na
terceira são contempladas as características e as vivências dos escravos em
estabelecimentos públicos. Segundo a autora, nos casos estudados constata-se
uma preocupação diferenciada com os escravos públicos em relação à escravidão
privada.
“Essa preocupação está relacionada à constituição de famílias, à
educação e à profissionalização, à saúde, a gratificações, à alforria e à
formação de pecúlio”, escreve. O que mais chama a atenção é que parte deles
recebia remuneração por seu trabalho, e alguns ainda tinham acesso à escola de
primeiras letras.
Escravos da Nação – O
público e o privado na escravidão brasileira, 1760-1876, de
Ilana Peliciari Rocha, Editora da USP (Edusp), 344 páginas
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