Foto Rodrigo Ribeiro/Arquivo Pessoal |
Cássia Sabino, mais conhecida como Afreekassia, é uma DJ que
trabalha para dar visibilidade a produções artísticas negras e que criou uma
plataforma para compartilhar o trabalho de mulheres como ela.
“Afreekassia, além de ter ligação com o meu nome, significa
África livre, e remete a uma alma livre. Tem tudo a ver com meu propósito”. É o
que diz a DJ Cássia Sabino, de 21 anos, sobre seu nome artístico. Além de
trabalhar com música, ela também divulga o trabalho de mulheres negras com
objetivo de dar voz e espaço a sua cultura.
A relação da jovem com o movimento negro começou cedo. Como
mulher negra, ela relata que apesar de vivenciar atitudes racistas, sempre
conversou abertamente com os seus pais sobre isso. Mas, foi apenas na
faculdade, que percebeu a importância de assumir os cabelos crespos e ter voz.
"Eu demorei para aceitar o meu cabelo. Com oito anos, eu
comecei a fazer relaxamento. Quando entrei na faculdade decidi assumir os
cachos e me relacionei com várias pautas do movimento negro. Tive uma postura
diferente com a vida, minha autoestima cresceu e aceitei a minha
identidade", relata.
No fim de 2016, ela começou na carreira de DJ. Realizou uma
pesquisa musical só com mulheres negras, já que sempre acompanhou artistas como
Ciara, Missy Elliott e Beyoncé. "Além de me identificar, enxergo beleza e
representatividade nos trabalhos delas. Escolhi então representar mulheres
negras e tenho alcançado cada vez mais pessoas e mais espaço com a minha
mensagem”, diz.
Apesar de estar expandindo seu trabalho na música, ela afirma
que é complicado se manter nesse cenário artístico cultural, conseguir reconhecimento
e ter retorno financeiro imediato. “Eu geralmente toco em eventos e festas que
dialogam com as coisas que eu acredito, mas não me fecho para outros tipos. Eu
gosto muito de estar nesses espaços que me sinto acolhida e vejo que as pessoas
estão se identificando com o meu trabalho", comenta.
Até o ano passado, Afreekassia fazia parte de um grupo de rap
chamado incógnito, em que fazia shows e até chegou a lançar algumas músicas.
Atualmente, ela está estudando a possibilidade de uma carreiro solo, com
músicas autorais.
Portal Umoja
A DJ criou em 2016, um coletivo chamado Umoja, a partir de
uma necessidade que tinha de estar em contato com mulheres negras. Quando
começou a cursar relações públicas, se incomodou pelo fato de estar em contato
com a história da cultura negra e não ter com quem dividir.
Foi então que decidiu criar o coletivo. “O nome Umoja veio de
uma vila matriarcal do norte do Quênia, que só mulheres participam. Elas usam
essa Vila para se protegerem de relacionamentos abusivos e violência sexual.
Elas cuidam umas das outras, criam renda, plantam alimentos, se dividem e se
organizam para manter um ambiente seguro para todas”, explica.
O objetivo de Cássia com a criação, segue o mesmo objetivo da
vila: estabelecer uma união entre mulheres e criar uma rede para interessadas
em fazer parte de um grupo negro e feminino. O foco, de acordo com ela, é dar
visibilidade e interagir com produções artísticas de outras mulheres negras,
através de vídeos, textos e até mesmo eventos que movimentem essa cena
cultural.
Em 2019, ela explica que o portal começa uma nova fase, deixa
de ser um coletivo para se afirmar como uma plataforma de interação de produção
de conteúdo. "Quero unir e gerar visibilidade entre mulheres negras, não
só entre aquelas que produzem arte, mas também empreendedorismo. Nesse tempo de
existência fizemos algumas ações bem importantes e legais. No último ano
promovemos o Festival de Arte Preta, em que convidamos várias artistas de
Santos de São Paulo".
No fim de 2017, através da plataforma, ela também produziu um
documentário, chamado ‘Donas e Proprietárias’, em que Afro-empreendedoras de
Santos falaram sobre suas experiências e trajetórias.
Conversando com outras meninas negras, ela explica que sentiu
que precisava trabalhar no portal outra coisa importante, já que sentiu
ausência de histórias das gerações passadas. “É muito vago como nossas avós e
bisavós viveram. São poucos os registros, só há algumas fotos. Quero resgatar
essas histórias e também registrar as atuais, para a próxima geração ter uma
ideia mais concreta do que aconteceu na nossa época”, conta. Ela acredita que
seja importante que a história dessas pessoas sejam contadas pelas próprias
mulheres negras.
Foto Rodrigo Ribeiro/Arquivo Pessoal |
Depois da criação do 'Portal Umoja' e da postagem de
conteúdos, as pessoas se interessaram e começaram a convidá-la para palestras.
"No dia da consciência negra, participei de uma roda de conversa com
pessoas mais experientes, que reconheceram meu trabalho, é bem
gratificante".
Autoestima
“A maior dificuldade sendo mulher negra é trabalhar a
autoestima”, afirma Afreekassia. De acordo com a jovem, é importante que as
mulheres reconheçam sua importância, mas a infância com pouca
representatividade traz inseguranças, e conseguir se desvincular e criar uma
autoestima positiva é um desafio.
Cássia conta que teve poucas amigas negras por estudar em
escola particular e ser a única negra da sala de aula. Para ela, os negros
ainda são minoria em lugares que concentram pessoas com rendas mais altas.
"Minha luta é importante para que a futura geração não passe pelo que
passei, por coisas que a minha mãe passou e que minhas amigas passaram. Que
elas se aceitem e saibam seu valor", destaca.
"O racismo tem diversas formas de oprimir. Não somos
referência de beleza e isso acaba com a construção da autoestima e de
identidade, porque não temos por onde começar. Não temos referência",
desabafa. Apesar disso, Cássia acredita que acreditar em si é essencial para
encarar e lutar contra o racismo.
A jovem quer expandir suas ações em prol do movimento negro.
Como mora em Santos, ela sempre participa da organização de festas que reuniam
pessoas negras. De acordo com ela, isso é importante para que as pessoas se
sintam como parte do grupo e possam trocar experiências.
A Dj afirma ver um cenário de mudanças geracionais em que a
comunidade negra está ganhando uma nova cara, com pessoas que não vão desistir
de fazer a diferença. "Se sentir acolhida e saber que as pessoas querem e
se interessam pelo que você tem para falar, parece simples, mas para o
movimento, é extremamente importante", finaliza.
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