segunda-feira, 25 de junho de 2018

Renata Varella:" A Empresária Negra que Reconstrói a Autoestima de Mulheres Negras"


Ela criou o 'Clube das Pretas' para cuidar dos cabelos crespos de um jeito verdadeiro: “Conhecimento sobre o cabelo crespo é fundamental para saber tudo: quem você é, de onde veio e porquê não se sentia bonita".

Ao fim de uma pequena vila aos pés do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, está uma casinha branca de portas cor-de-rosa. O tom forte, que se destaca ainda mais quando o sol bate na pintura, anuncia que aquele não é um lugar comum. É na pequena casa que funciona o Clube das Pretas, criado há menos de um ano por Renata Varella, 32, em parceria com a amiga Andressa, com quem é "unha e carne" até hoje.

"A gente quer quebrar o paradigma da marginalidade. Tem um pensamento que a mulher negra tem que se cuidar sempre numa salinha, num bequinho, como se não merecesse ser bem tratada. O clube é um lugar à altura da mulher negra e a gente vai dar o que ela precisa. O clube é de todo mundo, mas pensado para as mulheres negras porque a gente que não tem aonde ir", pontua.

Tem um pensamento que a mulher negra tem que se cuidar sempre numa salinha, num bequinho, como se não merecesse ser bem tratada.

Para dar às mulheres negras o que ela também sentia falta, Renata arriscou e abandonou completamente sua carreira em educação corporativa. Hoje o clube demanda todo o seu tempo, até aos fins de semana e feriados. É que há clientes fora do Rio de Janeiro e até do Brasil. E a ideia inicial de uma consultoria sobre cabelos crespos, com dicas de como cuidar melhor dos fios que outrora foram tão marginalizados pela indústria dos cosméticos, sem apelar para mudanças químicas, mudou — "o clube é orgânico".

Renata percebeu que a clientela tinha necessidade de ver o cabelo repaginado antes de começar a cuidar dele, e que só as dicas não eram suficientes. Junto com Andressa partiu em busca de especializações, mesmo sem nunca ter trabalhado com cabelos, e encontrou outro problema. No Rio de Janeiro, especializações pensadas para cabelos crespos e cacheados são poucas. Em São Paulo, há até um pouco mais. Mas de pouco em pouco, Renata criou sua própria metodologia de lidar com os cachos e crespos. "Cada cabelo é um novo capítulo de um livro. A gente aprende todo dia. A nossa maior capacitação é o dia a dia. Isso aumenta nosso leque de experiência e assertividade."

Meu sonho é que a gente nem fale mais de cabelo, que se possa nascer, 
acordar e gostar do cabelo como é.

Os primeiros meses do clube foram em uma sala sublocada em um salão no conturbado centro do Rio de Janeiro. Mas a organicidade logo demandou um espaço maior. Agora, a casa fica em um bairro chique, numa rua quase escondida, e é vizinha de famosos. "O clube não está na zona sul à toa. A gente tem que ocupar os espaços. É estranho para os meus vizinhos verem um monte de mulher negra entrando e saindo daqui. As pessoas têm que se acostumar que o negro não vem só para limpar. Ele vai entrar para consumir, gastar e oferecer cultura, conhecimento."

É estranho para os meus vizinhos verem um monte de mulher negra entrando e saindo daqui. As pessoas têm que se acostumar 
que o negro não vem só para limpar.

Renata fala dos seus vizinhos porque eles o são muito além do horário comercial. Quando o clube se mudou, ela foi junto. Agora a sua casa e o clube são uma coisa só, e é assim desde o começo. O clube surgiu no momento em que Renata começava a se reencontrar com a sua identidade e ancestralidade, e ele existir também é um empurrão para sua própria autoestima. Pelas cadeiras da casa de portas e janelas coloridas já passaram mães, crianças, adolescentes, advogadas, médicas, faxineiras e carteiros. Cada pessoa com uma história e prestes a uma nova descoberta. Mas nem sempre tudo são flores.

"Ainda me considero em transição, ainda não me amo completamente. E tem dias que não é fácil. Mas tem outras mulheres dependendo que eu as ajude a lidarem com suas questões. A questão me ultrapassa, é muito maior. Não sou só eu. Por mais que eu não acorde bem, quando o atendimento começa, vem uma mágica e uma energia mais forte", define ela.

A transição é o processo em que mulheres de cabelos naturalmente crespos deixam os fios naturais crescerem, enquanto se despedem dos fios alisados ou tratados quimicamente, em geral por anos. Para algumas, dura o tempo de se encorajar para um corte radical. Para outras, dura outros vários anos. Qualquer química que modifique os fios é proibida dentro do Clube das Pretas, mas esse contato com algo até então desconhecido pode ser muito doloroso.

Por mais que eu não acorde bem, quando o atendimento começa,
 vem uma mágica e uma energia mais forte.

Fonte reportagem : huffpostbrasil 

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