quinta-feira, 14 de junho de 2018

Mulheres negras morrem duas vezes mais por causas relacionadas à gravidez


Elas têm acesso restrito a métodos para alívio da dor, além de maior chance de pré-natal inadequado e parto sem acompanhante

Por Aline Melo com Vanessa Lima

Diariamente, gestantes têm seus direitos violados em todas as partes do mundo. No Brasil, pelo menos cinco delas morrem ao dia por causas relacionadas à gravidez. Assim, essas mulheres deixam seus filhos para entrar nas estatísticas de mortalidade materna da Organização Mundial da Saúde (OMS), que incluiu o Brasil em uma lista de 75 países que precisam reduzir os óbitos de mães até 2030. Nesse cenário, uma história deixa de ser contada: dois terços dessas mulheres são negras, uma proporção que se mantém a pelo menos duas décadas e na qual a CRESCER pretende se aprofundar no Especial Ser Mãe Negra.

De acordo com os dados mais recentes do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), em 2016, o Brasil registrou 1.670 óbitos maternos (relacionados à gravidez, ao parto ou até 42 dias após o parto). Ao considerar apenas as mortes durante a gestação ou parto, foram 493 vítimas, 311 delas, mulheres negras, o equivalente a 63%. Apesar dos óbitos terem diminuído em comparação com o ano 2014 - 9% no geral e 13% entre as mulheres negras - a disparidade ainda é alarmante.

A razão não parece ser biológica. Segundo um relatório de 2013 feito pelo Ministério da Saúde, não há uma grande diferença na distribuição das causas de morte materna entre mulheres brancas e negras. Prioritariamente, ambas morrem por hipertensão, hemorragia, infecção puerperal e aborto. Para a doutora em saúde pública, Fernanda Lopes, que estuda a manifestação do racismo na saúde e integra o grupo de Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a diferença está no atendimento.

“A pré-eclâmpsia é uma das grandes razões para a morte materna nos dois grupos. Ainda assim, as mulheres negras morrem 2,5 vezes mais por isso. Como essa é uma causa evitável, a questão aqui é o pré-natal da mulher negra”, aponta a especialista. A teoria é embasada no Estudo Nascer no Brasil, um inquérito nacional sobre parto e nascimento, que mostrou que as mulheres negras apresentam maior chance de terem um pré-natal inadequado, falta de vinculação com uma maternidade e ausência de acompanhante, mesmo controlando variáveis, como a questão de classe.

Além disso, de acordo com Fernanda, essas mulheres teriam acesso restrito a métodos para alívio da dor, tanto não-farmacológicos - um copo de água, imersão na água quente e massagens, por exemplo - como a analgesia peridural. Por mais absurdo que pareça, ainda há um resquício da crença de que as negras teriam maior resistência a dor, uma ideia antiga, datada do período da escravidão, quando essas mulheres eram usadas como cobaias para experimentos da ginecologia moderna. Muitos profissionais continuam reproduzindo esse discurso, como se, por isso, pudessem atuar de maneira violenta.

“Essa é uma expressão de racismo e violência de gênero. A medida que as pessoas atribuem um lugar de mais ou menos humanidade para a outra a partir da cor da sua pele e converte essa hierarquização em uma prática do serviço de saúde, elas naturalizam uma violação de direitos”, destaca Fernanda. “Quando aquela instituição que deveria estar preparada para prestar um serviço adequado para todos, opta - e é uma opção - por ser conivente com essa violação, isso se mistura à rotina. Esse é o racismo institucional”.

Para a parteira Ariana Santos, idealizadora do Sankofa, projeto que atende gestantes da periferia do Rio de Janeiro por um valor simbólico, o racismo no atendimento à saúde acaba sendo um crime perfeito. “A maioria das mulheres entende que foi maltratada, mas poucas delas ligam isso ao fato de serem negras. O que acontece no Brasil é que a gente só entende o racismo quando explícito. Quando o torcedor chama o jogador de futebol de macaco, fica muito claro mesmo. Mas esse não é o racismo que mantém a gente pobre, que faz a gente morrer”, explica.

Fonte:CRESCER 
Foto: Intenet

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