Elas têm acesso restrito a
métodos para alívio da dor, além de maior chance de pré-natal inadequado e
parto sem acompanhante
Por Aline Melo com Vanessa Lima
Diariamente, gestantes
têm seus direitos violados em todas as partes do mundo. No Brasil,
pelo menos cinco delas morrem ao dia por causas relacionadas à gravidez. Assim,
essas mulheres deixam seus filhos para entrar nas estatísticas de mortalidade
materna da Organização Mundial da Saúde (OMS), que incluiu o Brasil em
uma lista de 75 países que precisam reduzir os óbitos de mães até 2030. Nesse
cenário, uma história deixa de ser contada: dois terços dessas mulheres
são negras, uma proporção que se mantém a pelo menos duas décadas e na qual
a CRESCER pretende se aprofundar no Especial Ser Mãe Negra.
De acordo com os dados mais
recentes do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), em 2016, o Brasil
registrou 1.670 óbitos maternos (relacionados à gravidez, ao parto ou até 42
dias após o parto). Ao considerar apenas as mortes
durante a gestação ou parto, foram 493 vítimas, 311 delas, mulheres negras,
o equivalente a 63%. Apesar dos óbitos terem diminuído em comparação com o ano
2014 - 9% no geral e 13% entre as mulheres negras - a disparidade ainda é
alarmante.
A razão não parece ser
biológica. Segundo um relatório de 2013 feito pelo Ministério da Saúde, não há
uma grande diferença na distribuição das causas de morte materna entre mulheres
brancas e negras. Prioritariamente, ambas morrem por hipertensão, hemorragia,
infecção puerperal e aborto. Para a doutora em saúde pública, Fernanda Lopes,
que estuda a manifestação do racismo na
saúde e integra o grupo de Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde
Coletiva (Abrasco), a diferença está no atendimento.
“A pré-eclâmpsia é
uma das grandes razões para a morte materna nos dois grupos. Ainda assim, as
mulheres negras morrem 2,5 vezes mais por isso. Como essa é uma causa evitável,
a questão aqui é o pré-natal da mulher negra”, aponta a especialista. A teoria
é embasada no Estudo Nascer no Brasil, um inquérito nacional sobre parto e
nascimento, que mostrou que as mulheres negras apresentam maior chance de terem
um pré-natal inadequado, falta de vinculação com uma maternidade e ausência de
acompanhante, mesmo controlando variáveis, como a questão de classe.
Além disso, de acordo com
Fernanda, essas mulheres teriam acesso restrito a métodos para alívio da dor,
tanto não-farmacológicos - um copo de água, imersão na água quente e massagens,
por exemplo - como a analgesia peridural. Por mais absurdo que pareça, ainda há
um resquício da crença de que as negras teriam maior resistência a dor, uma
ideia antiga, datada do período da escravidão, quando essas mulheres eram
usadas como cobaias para experimentos da ginecologia moderna. Muitos
profissionais continuam reproduzindo esse discurso, como se, por isso, pudessem
atuar de maneira violenta.
“Essa é uma expressão de racismo
e violência de gênero. A medida que as pessoas atribuem um lugar de mais ou
menos humanidade para a outra a partir da cor da sua pele e converte essa
hierarquização em uma prática do serviço de saúde, elas naturalizam uma
violação de direitos”, destaca Fernanda. “Quando aquela instituição que deveria
estar preparada para prestar um serviço adequado para todos, opta - e é uma
opção - por ser conivente com essa violação, isso se mistura à rotina. Esse é o
racismo institucional”.
Para a parteira Ariana Santos,
idealizadora do Sankofa, projeto que atende gestantes da periferia do Rio de
Janeiro por um valor simbólico, o racismo no atendimento à saúde acaba sendo um
crime perfeito. “A maioria das mulheres entende que foi maltratada, mas poucas
delas ligam isso ao fato de serem negras. O que acontece no Brasil é que a
gente só entende o racismo quando explícito. Quando o torcedor chama o jogador
de futebol de macaco, fica muito claro mesmo. Mas esse não é o racismo que
mantém a gente pobre, que faz a gente morrer”, explica.
Fonte:CRESCER
Foto: Intenet
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