Por MARÍA MARTÍN / TALITA BEDINELLI
As críticas à situação do país passam das ruas aos sambódromos, com enredos que atacam diretamente figuras políticas e medidas do Governo
A crise política brasileira não deu trégua neste Carnaval. Não apenas na rua, como era mais comum nos outros anos, mas também nos sambódromos do Rio e de São Paulo. As escolas de samba levaram para a avenida neste ano críticas sociais contundentes e muito diretas. O caso mais marcante foi o da Paraíso do Tuiuti, agremiação nascida no morro de mesmo nome, em São Cristovão, no Rio, que surpreendeu o público durante o desfile de domingo à noite e conseguiu enorme repercussão nas redes sociais. Com o samba enredo Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão? a escola criticou as condições de trabalho no país e, de quebra, o atual Governo, responsável pela reforma trabalhista aprovada no ano passado.
Thiago Monteiro, diretor de Carnaval da escola, explica ao EL PAÍS que o enredo foi escolhido por concurso. “O objetivo era tratar da exploração do homem pelo homem. Não só da escravidão negreira, mas dessa exploração que se estende por séculos, passando pelos egípcios, celtas, romanos e que continua nos dias atuais. Fazer uma pessoa trabalhar uma jornada de 12 horas, como as costureiras, por um salário às vezes abaixo do mínimo e com direitos mitigados, é perpetuar esse sistema”, diz.
Se a comissão de frente da escola trouxe O grito da liberdade, mostrando em SITUAÇÃO DE ESCRAVIDÃO saídos da senzala açoitados, o último carro veio com um vampiro vestido com a faixa presidencial, que lembrava Michel Temer. Ele estava em cima do carro chamado neo tumbeiro, ou seja, um navio negreiro dos tempos atuais. Na avenida foram ouvidos gritos de "Fora, Temer", relatou o jornal O Globo. Entre o último e o primeiro carro, o desfile de 29 alas e 3.100 componentes ainda trouxe os manifestoches, integrantes vestidos de verde e amarelo, cor que marcou os protestos a favor do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, sendo manipulados por uma mão invisível e encaixados em patos amarelos, símbolo das reclamações contra o antigo Governo feitas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Eles carregavam nas mãos panelas, outro símbolo dos protestos.


Mais críticas
A Mangueira também trouxe, nesta primeira noite de desfiles do Grupo Especial carioca, uma crítica direta ao atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que apareceu representado em um dos carros alegóricos como um boneco de Judas, do tipo que é malhado no Sábado de Aleluia. O boneco do político evangélico era acompanhado da frase: "Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval". A escola fazia críticas ao corte, por parte da Prefeitura, da metade da verba destinada às escolas de samba e tinha como enredo "Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco". A Beija-Flor, que desfila na noite desta segunda, também trará um Carnaval político para a Sapucaí. Com o enredo Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu deve abordar o descaso com crianças e adolescentes pobres, fazendo uma conexão com a corrupção. Em São Paulo, também houve crítica política, com a volta da X-9 Paulistana ao Grupo Especial, no sábado —o carro A Casa da Mãe Joana trouxe políticos, alguns com a faixa presidencial, e juízes representados sujos de lama e com malas de dinheiro e notas na cueca.

Ele destaca que isso foi visto em outros dois momentos na história das escolas. Um, na virada dos anos 60 para 70, auge da ditadura militar no Brasil. Três enredos marcantes, nesta ocasião, falavam sobre a liberdade. O primeiro, em 1967, quando a Salgueiro desfilou A história da liberdade no Brasil. Dois anos depois, em 1969, a Império Serrano falou sobre os Heróis da Liberdade. E, no Carnaval de 1972, a Vila Isabel levou o enredo Onde o Brasil aprendeu a liberdade. Era um momento em que a censura estava no auge e as escolas deram vazão a esse grito represado pela liberdade.
Em meados dos anos 80, destaca ele, a Caprichosos de Pilares e a São Clemente também falaram sobre o momento conturbado da abertura política no Brasil, quando o povo ainda não votava. Elas levaram para a avenida o grito de Direitas Já! e usavam faixas falando sobre a Constituinte. "Eram enredos muito críticos para a época", relembra Bruno. Houve também, em 1989, o célebre desfile da Beija-Flor, em que Joãosinho Trinta produziu um Cristo mendigo, para criticar a pobreza, mas a alegoria acabou proibida pela Justiça, a pedido da Igreja. Já no final da década de 90 e nos anos 2000, quando o país viveu mais estabilidade política e econômica, os enredos críticos foram mais deixados de lado, ressalta o jornalista. "Temos que pensar como sociedade em que momento estamos como país, porque as escolas refletem o que se passa nas ruas. Para essas críticas terem chegado à Sapucaí é porque o momento é de uma crise muito grande. As escolas de samba, em geral, são o último ponto onde chega essa voz crítica, elas resistem muito. É um momento de convulsão em todos os níveis de Governo."
Fonte: Elpaís
Fotos Internet
Fonte: Elpaís
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