“O
adultério da mulher é um atentado gravíssimo à honra e à dignidade do homem”,
declaram juízes para defender suspensão de penas.
JAVIER MARTÍN DEL BARRIO - El País
Para
o Tribunal Superior do Porto, bater em uma mulher adúltera é compreensível. É o
que se deduz de uma sentença do órgão judicial no caso de uma mulher agredida
pelo ex-marido e pelo ex-amante. "O adultério da mulher é um gravíssimo
atentado à honra e dignidade do homem. Na Bíblia, podemos ler que a mulher
adúltera deve ser punida com a morte", aponta a decisão judicial que
determina a suspensão das penas de prisão impostas por outro tribunal.
O
Ministério Público havia recorrido da sentença proferida por uma instância
inferior na tentativa de obter penas mais duras contra dois homens que, em
2015, agrediram a ex-esposa e ex-amante. A mulher chegou a ser sequestrada pelo
último, que chamou o ex-marido para que, juntos, a confrontassem. Na agressão
usaram um martelo. O tribunal de primeira instância os condenou por violência
doméstica. O ex-marido foi condenado a um ano e três meses de prisão e a pagar
uma indenização de 1.750 euros (6.600 reais); o ex-amante, a um ano de prisão e
3.500 euros (13.000 reais) de multa. Mas as penas foram deixadas em suspenso.
Os
juízes do Superior do Porto defendem os argumentos do tribunal anterior e
recordam textos da Bíblia e do Código Penal de 1886, além de sociedades que
punem o adultério da mulher com a pena de
morte. "Ainda não foi há muito tempo que a lei penal punia com uma
pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério,
neste ato a matasse", escrevem os juízes Neto de Moura e Maria Luísa
Arantes. "Com estas referências pretende-se apenas acentuar que o
adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena
fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as
adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem
traído, vexado e humilhado pela mulher."
O
texto continua justificando a agressão: "Foi a deslealdade e a imoralidade
sexual da mulher que fez o arguido [neste caso o marido] cair em profunda
depressão e foi nesse estado depressivo e toldado de revolta que praticou
o ato de agressão, como bem se considerou na sentença
recorrida."
A sentença, datada de 11 de outubro, recebeu críticas vigorosas das organizações de direitos das mulheres e de diversas entidades judiciais. Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), reagiu lembrando que "muitas vezes as decisões judiciais ainda traduzem uma sociedade moralista", e qualificou a sentença como "retrógrada e machista". Para a Ordem dos Advogados Portugueses, a decisão viola a Constituição.
Em
comunicado à imprensa, o Conselho Superior da Magistratura declarou que
"nem todas as proclamações arcaicas, inadequadas ou infelizes constantes
de sentenças assumem relevância disciplinar".
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