Em seu segundo romance, a americana Sue Monk Kidd usa a relação entre Sarah Grimké —feminista que lutou pela abolição da escravidão no sul dos Estados Unidos— e a garota negra que lhe foi dada como servente na infância para traçar um panorama de como opressão de gênero e racismo andavam lado a lado na manutenção da ordem social do século 19.
A história se passa em Charleston, em 1803, quando Sarah recebe uma menina da mesma idade, Hetty, como presente de aniversário. Segundo a pesquisa de Kidd, apesar de ter sido criada no coração do sistema escravocrata, Sarah demonstrava repulsa a esse esquema desde os quatro anos.
“Sei que parece romantizado achar que uma menina branca de 11 anos poderia ter uma posição tão consistente contra a escravidão, mas Sarah foi uma personagem histórica e não há floreio nesse aspecto”, explica Kidd em entrevista à Folha.
“A Invenção das Asas” bebe na fonte de clássicos como “Amada”, de Toni Morrison, para dar materialidade ao tema do preconceito racial.
“Meu objetivo era resgatar a figura de Sarah, varrida da história como a de tantas mulheres importantes, e pintar um retrato de como era a dinâmica social dos escravos em ambiente urbano, já que o público costuma associar a escravidão apenas ao trabalho rural, às fazendas de algodão”, conta Kidd.
Enquanto Sarah e sua irmã, Angelina, são figuras históricas se não conhecidas ao menos bem documentadas, a escrava Hetty não passa de um borrão documental. Tudo que Kidd sabe sobre ela é que foi de fato dada como presente aos 11 anos, que era rebelde e que aprendeu a ler e escrever com sua senhora.
No livro, no entanto, a personagem recebe contornos realistas ao não se conformar com um papel de gratidão em relação à Sarah. O romance será transformado em filme pela Harpo Filmes, da apresentadora Oprah Winfrey, que já tinha incluído o livro em seu clube de leitura.
“Não vou trabalhar diretamente no roteiro, mas espero ler a versão final e opinar um pouco. Ver essa história ganhar as telas é maravilhoso para mim porque assegura o meu objetivo de resgatar a história dessas mulheres para o público.”
Kidd, que é uma escritora branca, conta que viveu em um sul pré-direitos civis e que demorou a erguer sua voz contra o racismo. “A opressão ainda é um fenômeno mais ou menos naturalizado nas sociedades ocidentais com histórico escravista e eu quis somar um pouco à essa discussão”, conta.
Em “A Invenção das Asas”, Hetty explica que cada um se rebela como pode. No caso de Kidd, sua rebelião foi abandonar uma vida convencional e um casamento para, aos 30 anos, decidir ser escritora.
Para escrever seu segundo livro, ela passou dois anos pesquisando a história das irmãs Grimké e o modo de produção escravista do século 19.
“Um dos momentos mais emocionantes para mim foi quando pude visitar a casa onde elas moravam. Hoje o que funciona lá é um escritório de advocacia. Achei simbólico porque Sarah queria estudar direito e não pode por ser mulher”, diz.
Foi pesquisando a casa que Kidd encontrou o sótão onde ambientou uma das cenas mais tocantes do livro, o piquenique secreto entre Hetty e Sarah. “Talvez isso explique bem como se compõe um romance histórico: as pessoas perguntam o que é real e o que é ficção e eu digo, me dê um sótão real que eu planejo todo um piquenique.”
Fonte: CEERT /
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