Cartaz de aposentada dizia 'Sou Feliciana e Feliciano não me representa'. 'Sou uma patriota', explicou-se ao participar de manifestações em Passos.
Dona Feliciana Cardoso Maia Soares tem 90 anos e é professora aposentada da rede pública. Após décadas de muito trabalho, ela poderia estar usufruindo sua fase de descanso, mas a aposentada não se cansa de tentar mudar o que considera injusto. Após viver diversas fases em que o povo foi às ruas pedindo mudanças no Brasil, hoje, quase três décadas após as "Diretas Já", último movimento popular do qual dona Feliciana participou, ela voltou às ruas com a juventude e se tornou um exemplo de que patriotismo não tem idade. Xará de Feliciano, a aposentada já participou de protesto contra aumento de pedágio até o discurso do deputado federal Marco Feliciano em uma igreja em Passos (MG). “O tempo pode passar, mas o ideal não”, diz ela, após declarar o seu apoio às manifestações da juventude brasileira.
“Eu fui lá porque eu queria saber o que ele tinha a dizer”, diz ela sobre o episódio, em março de 2013. “Não gostei da atitude dele, que saiu correndo sem falar com ninguém. Ele não quis ouvir o povo, e ignorar o povo é pior.” Do lado de fora da igreja em que Feliciano estava em Passos, um grupo de cerca de 50 pessoas protestou durante todo o culto.
No dia seguinte, um vídeo começou a circular no YouTube em que mostrava o deputado declarando no encontro que a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, cargo que hoje ele ocupa, "até ontem era dominado por Satanás". Dona Feliciana diz que ela não se sente representada por ele porque não se identifica com as atitudes dele. “Não foi possível nem saber quem ele é e o que ele quer. E acho também que, se há rejeição das pessoas, ele não representa o povo”, explica.
Sempre na política
“Vivi o tempo em que as mulheres não podiam exercer seus direitos, vivi o tempo dos currais eleitorais em que os coronéis decidiam as eleições, vivi o tempo da ditadura, do AI-5, onde a lei era silenciar vozes, vivi as ‘Diretas Já’, hoje vivo a democracia e, no auge dos 90 anos de idade, estou nas ruas com a juventude para viver o tempo da Reforma Política.” Ao falar de sua idade, ela frisa que irá completar 91 anos no dia 19 de novembro, Dia da Bandeira Nacional. “É no dia da bandeira da minha pátria, e eu sou e sempre serei uma patriota.” Dona Feliciana diz que era impossível deixar as coisas do jeito que estavam, já que a escola funcionava em um prédio muito precário, sem condições de abrigar alunos. Na época em que o tio dela ainda era prefeito, Dona Feliciana diz que conheceu o presidente da República Juscelino Kubitschek quando este era governador de Minas Gerais. “Ele esteve algumas vezes na casa do meu tio, e eu admirava muito ele. Então eu peguei um papel e escrevi uma carta pra ele contando da condição precária em que estava a escola”, lembra. Segundo ela, o presidente a ajudou e ela acabou conseguindo com o Governo do Estado a concessão de um prédio para funcionar a escola e verba para comprar merenda para os alunos e outras coisas que a escola precisava. A instituição passou a se chamar Escola Estadual Neca Quirino e Dona Feliciana foi diretora por cerca de 30 anos. “A distância entre o pobre e o rico é escavada em um abismo, então eu sempre me dediquei a ajudar os que não tinham condição para isso.”
Dona Feliciana diz que apoia os protestos que acontecem hoje no Brasil, mas deixa claro que não gosta do rumo violento que as manifestações tomaram nas últimas semanas e afirma que “quem coloca máscara não é uma pessoa que mereça consideração”. “É preciso sair dessa revolta e as pessoas têm que tomar consciência de que a responsabilidade por tudo é nossa também.” Ao perguntarmos à Feliciana o que ela considera mais importante dentre todas as reivindicações levadas pelo povo às ruas, ela diz que acredita que a reforma política tem que ser levada até o fim. “O povo fica muito desarmado com a política hoje, sempre à espera de que aqueles que você elegeu cumpram o que prometeram. É preciso dar mais condições para o povo de conseguir o que eles precisam”, explica. Em seguida, ela emenda dizendo que é preciso ainda ensinar o valor do voto ao povo, que muita gente necessitada tem o voto comprado por uma pequena ajuda e não tem noção do quanto isso pode prejudicá-los no futuro. Como patriota de longa data, Dona Feliciana é questionada sobre o que gostaria de dizer aos jovens manifestantes em tempos como estes. “É preciso saber agir na hora certa, entender o momento e chamar as pessoas para fazer o que é preciso, porque a responsabilidade também é nossa. Juntos podemos fazer o melhor que está ao nosso alcance”, finaliza.
Fonte : G1
Foto: Feliciana Maia ( arquivo pessoal)
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