Luanda - O Ministério da Família e Promoção da Mulher regista "grande avanço", pelo fato de as questões ligadas às mulheres terem enquadramento nas políticas e programas do Executivo, admitiu a titular da pasta, Filomena Delgado, em entrevista exclusiva à Angop a propósito dos 40 anos da independência nacional, a comemorar-se a 11 de Novembro.
ANGOP: Qual o ponto de situação do sector ao longo dos 40 anos da independência nacional?
Filomena Delgado (FD)
- Se formos a fazer uma análise do que é que as mulheres, famílias,
ganharam com a independência, levaríamos a uma incursão histórica muito
longa, mas podemos resumir em poucas palavras. Em primeiro lugar, foi o
reconhecimento do papel que as mulheres desempenharam ao longo de todo
processo. Muitas mulheres participaram naquele movimento nacionalista,
muitas como vítimas das prisões e das cevícias que os seus companheiros
sofreram e muitas delas também começaram a desempenhar acções para
contrapôr o poder político.
Numa segunda fase, podemos ver
mulheres a participar no processo de luta de libertação nacional, como
administrativas, professoras, enfermeiras e, mais tarde, como
guerrilheiras. Isto, após a independência, consumou-se
neste reconhecimento que já referi e a partir daí a luta tomou outro
caminho no sentido de se afirmar em emancipação da mulher, respeitar
os directos humanos das mulheres e depois toda a luta também enquadrada
no movimento internacional que ganhou corpo a partir de 1975. Foi aí que
todo mundo e o nosso país não fugiu à regra criamos condições para que
se pudessem inserir as mulheres no processo. Primeiro da reconstrução
nacional e agora na fase do desenvolvimento. É assim que surge o que
nós chamamos mecanismos nacionais para o avanço da mulher.
Começamos com
uma Secretaria de Estado, hoje temos um Ministério, com assento no
Conselho de Ministros.
É um grande avanço no sentido das questões
ligadas às mulheres no enquadramento em política e programas do nosso
Executivo. Em termos de participação pública e política das mulheres,
temos ainda algumas. Não digo deficiências, mas em termos de género a
participação na Administração Pública favorece mais os homens do que as
mulheres. Daí que temos índice muito elevado de mulheres no sector
informal.
Na participação política, estamos bem no parlamento.
Mas no Executivo central e local ainda não atingimos os 30%, o
que implica dizer que é uma área também que merece muito trabalho. Em
relação às condições sócio-económicas, há algumas dificuldades, mas
estas questões são transversais. Para a realização das necessidades das
famílias intervêm muitos ministérios, muitos programas, muitas
políticas. Todas elas para o bem estar das famílias.
Em resumo,
temos uma legislação promotora e protectora dos direitos da mulher e das
famílias. Estão criadas as premissas para que realmente continuemos a
trabalhar no sentido de cada vez mais inserir as mulheres e beneficiar
as famílias e principalmente as jovens que estão em mandato.
ANGOP: Como está a decorrer a execução das recomendações do Fórum Nacional da Mulher Rural?
FD
- A auscultação foi um processo ímpar na vida das mulheres rurais.
Conseguimos auscultar, em todo o país de forma direita, 44 mil
mulheres. Depois, fizemos um fórum, uma mesa redonda com os
especialistas, sobretudo académicos da sociedade civil para nos ajudar a
encontrar modelo de desenvolvimento para as mulheres rurais e fruto
destas iniciativas temos hoje um Plano Nacional de Desenvolvimento da
Mulher Rural, já aprovado, numa primeira instância na Comissão para a
Política Social. Estamos agora a trabalhar num programa executivo para
2015 e vai ser submetido ao Conselho de Ministros para aprovação.
Mais
tendo em conta que muitas das questões que elas levantaram já estão
contempladas no Plano Nacional de Desenvolvimento, há muitas acções em
curso, porque as de forma dispersa o programa vem fazer novidade da
harmonização de todas as políticas existentes nos programas para que
tenhamos maior eficiência na realização de todos estes processos.
ANGOP:
Durante a realização do XII Conselho Consultivo frisou que há aumento
no número de casos de violência doméstica. Pode avançar números de 2014 e
o primeiro trimestre de 2015?
FD – Em 2014, recebemos
cerca de oito mil casos. No primeiro trimestre, estamos agora a
consolidar os dados. Hoje não é só o Ministério da Família que lida com
as questões da violência. Já temos uma Comissão Inter-Ministerial, onde
também participam algumas associações como a Ordem dos Advogados e
outras organizações femininas. Então, estamos a compilar os dados,
porque a violência continua a preocupar-nos, sobretudo, aqueles casos
que têm a ver com a fuga à paternidade, a prestação de alimentos e a
expropriação das propriedades das famílias. São casos que realmente
interferem muito de forma negativa no gozo do exercício dos direitos das
vítimas, quer mulheres, quer homens. Na perspectiva do género, as
mulheres são ainda as maiores vítimas. Agora acabei de intervir num caso
bastante chocante, onde as pessoas ainda recorrem à justiça por mãos
próprias. É uma das áreas que realmente já se fez muito em termos de
sensibilização, de divulgação das políticas existentes para elaboração
da política contra a violência. Mas, em termos práticos, é matéria que
nos dá, desculpem pela expressão, “muita dôr de cabeça”, porque são
casos práticos diários, pelos quais ainda temos muito que fazer. Esta é a
parte mais delicada que registamos.
ANGOP: Quando se
referiu à participação na Administração Pública, disse que a mulher
continua a ser a menos favorecida do que os homens. O que se deve fazer
para mudar este quadro?
FD – É continuar a trabalhar. Já
temos uma política para igualdade do género, que é um instrumento que
vai ajudar a harmonizar a sociedade, garantir a igualdade e
oportunidades. Temos ainda outros factores, como culturais e alguns
comportamentos que interferem. Há pessoas que se queixam que os maridos
não deixam trabalhar. Vivi essa experiência a semana passada no Huambo.
Há mulheres que se inibem em desenvolver qualquer actividade
extra-doméstica. Muitas das vezes porque tem o peso doméstico na
criação e educação dos filhos.
Outras das vezes, elas preferem
apoiar mais os esforços da família e prejudicam-se a si próprias ou
deixam de estudar. No trabalho então muitas vezes isso intervem. O nosso
esforço é no sentido de que as mulheres conheçam realmente os seus
direitos, as oportunidades que têm e serem elas próprias a decidir o que
devem fazer da sua vida. Mas se nós estivermos a fazer advocacia no
sentido de termos uma sociedade harmoniosa, é justo que as mulheres
tenham as mesmas oportunidades que os homens.
ANGOP: Há pouco disse que a mulher é a mais vítima na violência doméstica. Os homens também são vítimas?
FD
– Sim, há também muitos homens vítimas da violência doméstica e, se
quiserem ter um exemplo prático, aconselho-vos a visitarem a cadeia de
Viana para verem quantas mulheres estão detidas por terem morto os seus
esposos. Nesta camada, nós também estivemos a fazer uma análise. O
factor educação intervem muito no comportamento delas. A falta de
emprego, a tolerância chega ao limite e às vezes a emoção fala mais alto
que a razão, daí termos muitos casos que estamos a encontrar.
Devemos
ver os casos, sabemos que a violência gera violência, mas o nosso papel
enquanto executivo, enquanto profissionais nesta matéria, é no sentido
de chamar sempre atenção para em situações como estas recorrer sempre à
justiça.
ANGOP: Senhora ministra referiu que um dos
factores que tem levado à violência é a falta de educação. O que é que o
sector tem feito para ajudar na alfabetização dessas pessoas?
FD
- Nós fazemos parte de algumas campanhas de alfabetização. Temos alguns
parceiros no terreno e a nível só do Ministério da Família e Promoção
da Mulher já alfabetizamos mais de 20 mil mulheres e algumas jovens,
porque há zonas em que há muitos jovens (do sexo feminino e masculino)
que não vão à escola por vários condicionalismos. Estes também são
enquadrados. De resto, essa é uma matéria que tem mais a ver com o
Ministério da Educação. Fizemos parte de uma comissão para aceleração da
alfabetização e é neste âmbito que trabalhamos. Temos alguns programas
de formação, não tanto de formação académica, mas profissional de base
para garantir os pressupostos mínimos para que as pessoas recorram ao
auto-emprego.
Temos um Centro de Formação no Rangel. Estamos a
fazer uma formação com jovens e a nível sócio-económico estamos a
aproveitar da micro-indústria alguns conhecimentos tradicionais para o
fabrico de sabão, mel, processamento alimentar, sobretudo, frutas e
compotas com parceria do Fundo das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação e do Brasil. É um projecto que vai decorrer no país num
esforço para depois as pessoas criarem os seus pequenos negócios e
também fazerem outras coisas práticas, como o fabrico de bijuterias para
fomentar o micro-empreendedorismo e depois as pessoas irem ao encontro
do emprego.
ANGOP: E quanto à equidade e igualdade no género?
FD
– A participação da mulher não se cinge apenas a números. Falamos da
participação em termos quantitativos, mas em termos qualitativos, mas
também há outras questões de índole social e económica que fomos
referindo aqui que têm a ver com a questão da igualdade, por exemplo, no
emprego e acesso aos inputs agrícolas, o acesso à terra. Enfim, tudo
aquilo que realmente é necessário para desenvolver projectos para a
melhoria da qualidade de vida das populações. Portanto, género não
significa apenas números, não significa apenas o aspecto político.
Ao
nível de todos os países do mundo, viu-se que houve mais atenção às
questões políticas e menos atenção aos aspectos sociais e económicos.
Por isso é que agora na agenda do desenvolvimento sustentável, após
2015, vai se reverter um bocadinho, razão porque se chama Agenda de
Desenvolvimento Sustentável, no sentido de se dar mais atenção aos
aspectos económicos e sociais. Os aspectos políticos e sociais têm de
estar de “mãos dadas”, pelo que quanto menor for o empoderamento das
mulheres em questões sócio-economicas mais dificuldades nós temos de
colocá-las nos órgãos de decisão. Portanto, são questões que têm de
estar trabalhadas em paralelo.
ANGOP: Em que domínios mantêm parceria com a União Europeia?
FD
- Nós ministério não beneficiamos directamente do apoio da União
Europeia. A União Europeia está a trabalhar num programa, acho através
do Banco Mundial, em projectos que têm a ver ao acesso das populações à
Água e Energia. Há um outro projecto que tem a ver com o apoio às
associações não governamentais.
A União Europeia está a apoiar o
programa “Mosapo” que tem a ver com o desenvolvimento da agricultura
familiar voltada para o mercado. Esse novo desenho que foi feito,
próprio de 2015/2017, se não me engano, tem uma componente de género
muito acentuada. Também estamos a acompanhar e fizemos parte da
elaboração deste documento, porque quando estamos a falar da agricultura
familiar, obrigatoriamente estamos a falar das mulheres. São elas que
mais produzem no meio rural. Há outro projecto da União Europeia que tem
a ver com o emprego e a juventude, mas isto tem mais a ver com o
Ministério da Juventude e Desportos.
ANGOP: Como encara a situação da mulher no meio rural?
FD
- Ainda é penosa. Por isso é que houve a preocupação de sua Excelência
Presidente da República, em orientar a auscultação da mulher rural para
ouvirmos, de voz viva, por elas próprias, as suas dificuldades. Esta
auscultação resultou em 50 recomendações, das quais a pesquisa feita à
volta do Programa Nacional de Desenvolvimento. Conseguimos identificar
226 acções para mulheres rurais, muitas das quais já em curso e vamos
dar continuidade quando for aprovado esse programa de desenvolvimento da
mulher rural.
Mas as mulheres trabalham ainda de forma penosa,
com uma sobrecarga muito grande para a sua saúde, com muitos limites
para a formação sócio-profissional. Tem um desgaste muito grande à
procura de bens necessários para a sua gestão doméstica.
Refiro-me
ao acesso aos combustíveis, sobretudo carvão, lenha, ir buscar água.
Enfim procurar os mantimentos. Muitas delas vão à lavra e têm que deixar
as meninas de tenra idade aos irmãos mais novos a tomar conta dos
outros, dos lares. É preciso realmente reconhecer que o trabalho é
árduo. É preciso acompanhar a situação, para que elas, numa perspectiva
de igualdade, tenham também uma perspectiva de condições de vida.
ANGOP:
A formação de activistas tem como meta em 2015 cinco mil activistas. Em
2014 foram formados 601. Como é que estão agora os números? Cresceram?
FD
– Não. Neste primeiro trimestre, ainda não fizemos nenhuma formação de
destaque, próprio da conjuntura em que estamos a viver em
termos orçamentais. Mas tivemos de rever as nossas metas para
reajustarmos ao momento actual.
ANGOP: Ainda da violência doméstica. Disse que a situação é bastante preocupante... e os programas de aconselhamento jurídico?
FD
– É uma das áreas mais dinâmicas. Por isso é que muitas vezes o
Ministério é conotado como um órgão muito voltado para as questões da
violência doméstica. Essa é uma matéria que inspira mais cuidados. No
país, temos salas de atendimento, muitas delas não trabalham em
condições desejáveis.
O que estamos a primar é que tenhamos, de
acordo com a recomendação do PND (Plano Nacional de Desenvolvimento),
dois centros de aconselhamento de referência e nas províncias cada
município, em princípio, deverá ter um centro de aconselhamento, para
podermos atender as pessoas com mais dignidade.
Não trabalhamos
só com juristas, trabalhamos também com outras sensibilidades,
profissões como psicólogos e sociólogos. Assinamos agora um protocolo
com a ordem dos psicólogos. Trabalhamos com a Ordem dos Médicos e o
nosso grande parceiro tem sido o Ministério do Interior, através da
DNIC, por causa dos casos de crimes que chegam ao nosso conhecimento.
Há
outros que vão directamente para a DNIC, porque há uma sala de
atendimento às vítimas de violência doméstica. Portanto, é uma das áreas
que tem mais apoios, mesmo em termos orçamentais, para podermos
dignificar as vítimas e tentar inserí-las no mercado de trabalho.
Por
isso é que agora a abordagem e o atendimento à violência não fica
pelo atendimento e o encaminhamento, se calhar para dar solução aos
casos. Fazemos um alinhamento sobre políticas públicas, principalmente
naqueles casos em que a base tem a ver com a violência e com a pobreza.
Estamos
a ver, para junto de políticas públicas, como enquadrar quer o agente
naqueles casos em que comete crimes. Essa também é uma área nova que
prevê o atendimento ao agressor. Se for uma questão de crime, claro que
ele tem de pagar pelo crime. Se for uma questão meramente de conduta ou
atitude é reabilitar essa pessoa para reinserí-la na sociedade.
ANGOP: Citou números de casos em 2014. Desses números, tem alguns casos com autores punidos?
FD
- Tem sim. Posso avançar, mas assim de memória não tenho. Foram
punidos já acima de 500. Uns têm a ver com as violações sexuais. Estamos
a ter muitos casos de incestos, depois temos casos de homicídios. Nas
questões cíveis temos fuga à paternidade, que lidera os índices de
violência.
ANGOP: Nos casos de incesto, o que é que o ministério está a fazer para diminuir o índice?
FD
- Isso é mesmo caso de Polícia. Quando temos conhecimento encaminhamos
para o Departamento contra a Violência da DNIC, para o tratamento
devido. Isso é mesmo crime, sobretudo, naqueles casos em que são os
próprios pais a violar suas filhas. Muitas vezes resultam no nascimento
de uma criança, mas há meninas por desespero, vergonha, às vezes
recorrem aos abortos. Há muitas implicações e o tratamento tem de ser
mesmo com a DNIC.
ANGOP: No país, registam-se casos em
que pais deixam de prestar alimentos aos seus progenitores e há outros
em que crianças são abandonadas. Que medidas nessa situação?
FD
– Seria nosso desejo que realmente essas questões não acontecessem.
Temos dito que as crianças não pedem para vir ao mundo e se uma mãe teve
a coragem de aguentar os nove meses de gestação, no momento em que dá a
vida deve proteger essa vida. Se não há condições de criar a criança,
deve recorrer as instituições existentes para que realmente esta criança
não seja vista como ser indesejado. Ao contrário, na tradição africana
nós vemos que a criança é uma bênção de Deus. Então devemos agradecer
independentemente como ela vem ao mundo.
Há casos preocupantes de
mães que abandonam os seus filhos ainda na fase de amamentação. Há
aqueles casos em que elas também, as mães, abandonam por desespero,
porque se o pai não cuida, também ela não cuida. Há muito trabalho de
sensibilização, sobretudo, quando os casos são conhecidos os
progenitores. Mais complicado é quando não se sabe os progenitores. Mas é
um trabalho de sensibilização que o Ministério faz com o Instituto
Nacional da Criança (INAC), para que possamos evitar esses casos.
Infelizmente, o ser humano às vezes age de acordo com os seus
sentimentos, suas emoções, mas são trabalhos que têm de ser feitos
diariamente.
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