Ana Carla Lima Portela é mestre em Educação UNEB e professora do IFBA |
Por Ana Carla Portela
Embora o feminismo seja uma importante ferramenta teórica e política contra as opressões de gênero, não está alheio às amarras da monorracionalidade ocidental. É intrínseco à branquitude a invisibilização, a apropriação e a instituição de uma nova tradição para os que margeiam à linha abissal de sua construção de mundo. Nomear o outro, as experiências, as coisas atravessa o paradigma colonial sob o rótulo de uma suposta universalidade, em verdade territorializada e racializada, o que resulta na redução da pluriversal experiência humana.
Sororidade, palavra sem presença no Português, construída como “princípio universal de união e luta entre todas as mulheres”, parece-nos o novo como realidade sonora e simbólica. Nomeia práticas sociais e subjetivas que supostamente inexistem nas relações entre mulheres e que os feminismos contemporâneos trazem como bandeira. Em face da colonialidade, ancorada na supremacia branca, da qual o feminismo sempre se nutriu, é exigível inquirir o que a palavra “descobre” e o que ela propositalmente encobre.
Primeiro, é preciso destacar que o não histórico à ideia de sororidade é dado pelo feminismo branco, por não reconhecer os nãos que constituem a existência das mulheres negras, face ao racismo. Segundo, a palavra é nova, mas a ideia não na experiência negra. Se restringirmos ao Brasil, temos a Irmandade da Boa Morte em Cachoeira, organização de mulheres negras que há séculos inspira união contra as opressões e em prol da liberdade. Podese refutar dizendo que a irmandade era exclusiva das irmãs de cor, quando a sororidade, em tese, seria uma união que reconhece as diferenças, mas as transcende. Sim, a irmandade é de mulheres negras, pois não era pauta das frágeis sinhás a liberdade das escravizadas. Assim como os direitos das empregadas domésticas, reconhecidas como trabalhadoras apenas em 2015, nunca foram pauta das feministas brancas.
É preciso denegrir (enegrecer) o debate! Sem reconhecer o racismo, que reserva privilégios para homens e mulheres brancas com a opressão de homens e principalmente mulheres negras, não existe todas. A sororidade precisa enxergar as cores no rosto da Pietá negra Sheila Santos, pintado com o sangue de seu filho, executado no Rio em 2016, como parte de sua luta. Precisa enxergar como as cores desenham dores. Por nós mulheres negras, a Boa Morte nos ensina que sempre fomos nós! Seu feminismo importa-se com o genocídio do povo negro, com o preterimento das pretas nas relações amorosas, com nosso confinamento na pobreza, com a coisificação de nosso corpos? Então não, só pode resultar em NÃO.
Fonte:Correio24horas
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