Presidente da CIDH, Margarette May Macaulay. |
por By Leda Antunes
Encontramos um País que não
conseguiu abordar e resolver suas principais dívidas históricas com a
cidadania: o problema estrutural de desigualdade e discriminações profundas,
das quais se destacam a discriminação racial e social.
A frase faz parte do relatório
divulgado nesta segunda-feira (12) pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), que traz as conclusões preliminares sobre a visita que o órgão
internacional fez entre os dias 5 e 12 de novembro para verificar situações de
violação aos direitos humanos no Brasil.
A delegação em missão no País é
chefiada pela presidente da CIDH, Margarette May Macaulay. Ao
comentar o resultado das visitas nesta segunda-feira (12), a jornalistas no Rio
de Janeiro, ela afirmou que o Brasil tem a missão urgente de reduzir a
discriminação. "A discriminação está muito difundida na sociedade e isso é
a fundação de todas as violações", disse.
Ao HuffPost Brasil, Macaulay
também falou sobre a situação da comunidade LGBT.
"Nós sabemos que os LGBTs estão entre os mais vulneráveis a violações de
direitos e que já têm sofrido com discriminação, ataques e estão até perdendo a
vida", disse.
Sobre os temores de que o
próximo governo possa suprimir direitos que não foram adquiridos por lei, mas
por decisões judiciais - como o direito ao casamento entre pessoas do mesmo
sexo e o reconhecimento à identidade de gênero para pessoas trans -, ela
reforçou a importância da atuação da Justiça neste momento. " O Judiciário
tem que proteger suas decisões e fazer o que for preciso para proteger o
direito dos cidadãos", afirmou.
A CIDH é um órgão
autônomo da Organização
dos Estados Americanos (OEA)que tem como missão promover a observação e
defesa dos direitos humanos no continente. Em missão no Brasil, o grupo visitou
comunidades indígenas, quilombolas, rurais e urbanas em São Paulo, Rio de Janeiro,
Pará, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Bahia, Roraima e Minas Gerais. Esteve ainda
em instituições prisionais, socioeducativas e de acolhimento de pessoas em
situação de rua.
Os membros da CIDH se reuniram
com representantes dos governos federal e estaduais, da Justiça, dos movimentos
sociais e da sociedade civil, e recolheu depoimentos de vítimas e de familiares
de vítimas de violações para verificar a real situação dos direitos humanos no
País.
DIVULGAÇÃOComissão em visita na
reserva de Dourados, no Mato Grosso do Sul, em um dos povoados indígenas
Guaraní Kaiowá.
"Encontramos um País que
não conseguiu abordar e resolver suas principais dívidas históricas com a
cidadania: o problema estrutural de desigualdade e discriminações profundas,
das quais se destacam a discriminação racial e social", diz texto do
relatório.
Mesmo na avaliação preliminar,
o cenário é considerado preocupante, não só pelas violações que já acontecem,
mas pelo panorama que se desenha em função da propagação de discursos de ódio e
intolerância e de possíveis mudanças institucionais que, para o órgão
internacional, podem agravar a situação de violência, como a flexibilização do
porte de armas e a redução da maioridade penal, pautas defendidas pelo
presidente eleito .
"Estamos preocupados. Mas
tenho esperança. A comissão tem que ter esperança de que o Brasil vai fazer um
esforço em direção ao respeito aos direitos humanos da sua população. Nós vamos
monitorar de perto a situação, estamos muito preocupados depois das declarações
que foram feitas durante e depois das eleições", afirmou a presidente do
colegiado.
A última visita da CIDH ao
Brasil ocorreu em 1995, há 23 anos. O órgão voltou ao País neste ano a convite
do governo federal, feito em novembro do ano passado. A constatação do grupo
foi a de que o Brasil se tornou ainda mais complexo no período e que, apesar de
a defesa dos direitos humanos ter se fortalecido institucionalmente - com
implementação de políticas afirmativas e a criação de órgãos como a Secretaria
de Direitos Humanos, em 1997, e as coordenadorias específicas dentro de
Defensorias Públicas e do Ministério Público -, o avanço foi insuficiente para
resolver questões históricas e estruturais de desigualdade.
A comissão ressalta ainda que
tem "profunda preocupação" com as recentes medidas de austeridade
implementadas pelo governo que, na sua avaliação, podem significar o fim de
políticas sociais e reduzir as expectativas de melhores condições de vida para
grande maioria da população.
"A CIDH chama a atenção
sobre o grave contexto de violações aos direitos humanos das mulheres negras e
da juventude pobre da periferia e das favelas. Os pobres e afrodescendentes
seguem sendo as principais vítimas de violações aos direitos humanos",
afirma o relatório preliminar. Foram enumeradas 10 situações de violações
graves que, segundo o órgão, necessitam de atenção e soluções urgentes. A
previsão é que o documento completo com as recomendações finais para estados e
para o governo federal seja concluído em seis meses.
O que a Comissão Interamericana
encontrou
DIVULGAÇÃOComissão se reúne na
secretaria de justiça, direitos humanos e desenvolvimento social na Bahia.
A comissão destacou as
violações sofridas por povos indígenas, em particular a situação da comunidade
Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, que sobrevive em um ambiente de violência
de milícias armadas, com denúncias de separação de mães indígenas dos seus
filhos. Também denunciou que três comunidades quilombolas em Alcântara, no
Maranhão, têm sido afetadas pela expropriação de terras, e na Bahia, os povos
do Quilombo Rio dos Macacos enfrenta restrições para o acesso à água.
O uso indiscriminado de
agrotóxicos e pesticidas, bem como às condições análogas à escravidão vivenciadas
por trabalhadores rurais foram alvo de denúncia dos investigadores da CIDH. As
denúncias também se estenderam para os centros urbanos. Em São Paulo, a
comissão considerou que o "ambiente de desumanização" vivido pelos
moradores da Cracolândia, na região central, deve ter tratamento prioritário e
diferenciado pelas autoridades estatais.
Na lista de violações que,
segundo o órgão, necessitam de resposta urgente, foi incluída a violência
institucional cometida por órgãos de segurança. O número de mortes por
policiais atingiu recorde no ano passado, chegando a 5.144, de acordo com o
Anuário Brasileiro de Segurança Pública. "De acordo com os depoimentos de
vítimas recebidos pela comissão, existe um padrão de atuação das forças de
segurança que geram situações sistemáticas de execuções extrajudiciais,
principalmente de jovens negros e pobres no Brasil", diz o relatório.
O grupo visitou penitenciárias
e instituições socioeducativas e constatou diversas violações. Segundo o
relatório, no Centro Penitenciário Agrícola Monte Cristo, em Roraima, presos
chegam a ficar quatro dias sem alimentação. As condições do presídio Jorge
Santana, dentro do Complexo de Bangu, no Rio de Janeiro, fizeram a comissão o
considerar um dos piores centros penitenciários da América.
No País que mais mata transexuais e travestis no mundo, a
CIDH também considerou ser urgente uma solução para a discriminação e preconceito
sofridos por esse grupo, difundidos em diversas instituições sociais como a
família, a escola e a igreja.
A CIDH também chamou a atenção para os constantes ataques
feitos à defensores e defensoras dos direitos humanos no País. "O
assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes
evidenciam claramente o desafio estrutural, expondo a resistência à inclusão de
pessoas historicamente marginalizadas nas estruturas de participação política e
social", diz o relatório.
A comissão considera "imperativo" que as
investigações sobre a execução de Marielle - que completa 8 meses nesta
quarta-feira (14) - sejam concluídas. O grupo que visitou o Brasil na última
semana informou que esteve com os responsáveis pela investigação no Rio de
Janeiro, mas disse que não poderia dar mais detalhes sobre o caso.
A viúva de Marielle, a arquiteta e ativista Mônica Benício,
esteve na coletiva e afirmou que ter a CIDH como aliada na luta pelo
esclarecimento do crime é fundamental. "A comissão está revelando toda a
barbaridade que acontece aqui e está se posicionando, pressionando o estado
brasileiro para que a gente modifique esse cenário. É, de fato, muito
importante.
A minha presença aqui foi para dar um recado à comissão, de que há
resistência, de que o caso da Marielle chega a 8 meses sem nenhuma resposta. O
mundo deve saber quem matou Marielle Franco e para mim não há democracia
enquanto essa resposta não chegar."
Foto : Internet
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