Por Natasha Neri
De madrugada, enquanto os
caveirões e capitães do mato invadiam as favelas da Maré e disseminavam o
terror pelas ruas e vielas, tombava, vítima de infarto, Janaina Soares, mãe de
Christian Soares, morto aos 13 anos, em 2015, numa operação da Divisão de
Homicídios e da PM em Manguinhos.
Janaina começou a se sentir mal
ontem durante o dia, mas não quis ir ao hospital. Mesmo passando muito mal, se
negava a aceitar ajuda. A depressão a acometeu nesses últimos 3 anos, tendo
idas e vindas no ativismo dos familiares, mas sempre se reerguendo, com um
sorriso largo no rosto
Dois dias antes, no domingo,
viu o Estado matar outro adolescente de 17 anos, perto de sua casa. Mandou as
fotos do corpo para as companheiras do Mães de Manguinhos. Ninguém sabia o nome
do menino, que não era morador de Manguinhos. Janaina ficou atordoada, triste,
desesperada. A cada morte na favela, as mães que perderam seus filhos revivem
os assassinatos e sentem na pele a morte outra vez.
Foram três adolescentes mortos
pelos fuzis do Estado essa semana nas favelas. Mas a mídia noticia que eles
foram vítimas de "bala perdida", essa categoria que contribui para a
legitimação do processo social do genocídio.
O dia nem amanheceu e o Estado
aterroriza a Maré e o Complexo do
Alemão. O helicóptero aéreo dispara no Alemão. Dona Tereza, que teve seu filho
morto pelo Estado, não pode sair de casa, pois "não dá para botar a cara
para fora de casa. É muito tiro".
Às 7h, a confirmação. Janaína
foi morta pelo Estado. Teve seis paradas cardíacas.O Estado matou Christian e
agora levou sua mãe, vítima de depressão. O extermínio promovido pelo Estado
corporificado no peito de Janaína. O coração adoecido da mãe parou de pulsar.
Nos grupos de familiares de
vítimas, o desespero das companheiras de luta de Janaína. O sofrimento. O
grito. O choro. As Mães de Manguinhos saem pelas ruas atrás da família de
Janaína. As outras mães se deseperam, passam mal, vomitam, tomam calmante,
tremulam. O Estado aniquila a saúde das mães e moradores de favelas. Quantos
mais tem que morrer para o genocídio acabar?
"A bala tá voando",
conta um morador da Maré, que passou a noite em claro, por conta da chuva de
tiros da polícia. Mais cinco mortos pelo Estado, além de pelo menos outros oito
feridos. Um professor, William, assassinado em via pública pela polícia.
A TV
afirma que ele tinha passagem por porte de arma. Mais uma vez, a mídia
criminaliza os mortos pelo Estado, e este afirma que a operação foi "bem
sucedida", pois apreenderam drogas.
Dona Tereza ainda não conseguiu
sair de casa no Alemão, pois a polícia continua violando os direitos dos
moradores. E a operação na Maré não acabou. As mães de vítimas continuam
chorando. Um choro coletivo. A morte é coletiva. Mas uma abraça a outra, se
afagando, se consolando, se fortalecendo. "Vamos resistir, por
Janaína", elas gritam.
O Rio não amanheceu.
Texto de Natasha Neri, 06 de
novembro de 2018. Divulgado amplamente nas redes sociais
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