Cores de conceito possuem a ancestralidade na referência. Fotos: Thiago Borba/Divulgação |
A quarta edição do
Afro Fashion Day (AFD), maior passarela negra do Brasil, levou cerca de 1,2 mil
pessoas ao Museu Du Ritmo, no bairro do Comércio neste sábado (24).
“Usar vermelho diziam que era
coisa ruim. O amarelo? Era muito forte, cor berrante. Quando Ilê veio, mudou. O
vermelho simbolizou o nosso sangue derramado. O amarelo? O ouro e a
independência que a gente busca: o sucesso e vitória. O branco, a paz e
tranquilidade. E o preto: nossa cor. Cores trazem felicidade, empoderamento e
ancestralidade”, conta Dete Lima, 65, estilista e uma das fundadoras do Bloco
Afro Ilê Ayiê, ao relembrar que o uso de cores era uma dificuldade para as
mulheres negras. É justamente para reafirmar a liberdade que o Afro Fashion
Day, projeto do CORREIO que celebra o mês da Consciência Negra, elegeu como
tema deste ano Cor e Identidade.
Ano passado, o tema foi ‘Os
Quatro Elementos da Natureza’ e tivemos uma cartela de tons terrosos bem
específica. Este ano, fomos inspirados também pela representatividade da
estreia de Virgil Abloh como primeiro estilista negro a assinar a linha
masculina da grife francesa Louis Vuitton e em seu desfile incrível, com
monocromias em cores vibrantes”, revela Gabriela Cruz, editora de projetos
especiais do CORREIO e curadora do Afro Fashion Day. A elaboração do conceito
também foi dialogada com as 48 marcas que aceitaram o desafio fashion
juntamente com o produtor de moda Fagner Bispo, que assina o desfile que será
guiado por oito cores vermelho, azul, amarelo, laranja, verde, rosa-choque,
roxo e branco. Para a jornalista, mais do que um projeto de moda, o Afro
Fashion Day é uma ação focada em evidenciar as lutas da população negra em suas
mais variadas formas.
O objetivo era um só: exaltar o protagonismo e a
identidade cultural do povo negro.
Goya Lopes, 64, designer têxtil
baiana que estudou em Florença, na Itália, na década de 70, conta que, aqui e
lá, o problema incomodava, e se diz feliz com o progresso. “A mudança é
visível. Hoje, o medo do que o outro iria falar deu espaço a uma estética de
autoafirmação, orgulho e resistência. E os criadores estão com um forte
conteúdo simbólico e uma criatividade consciente”, pontua ela. Dete lembra, ainda,
a gestação do projeto do Curuzu, na Liberdade, para que a estética da população
negra permanecesse altiva: “Para a gente foi difícil. Mas ao mesmo tempo não.
Porque saímos de uma casa onde Mãe Hilda sempre fortalecia que somos negros e
bonitos. Que podíamos ir para qualquer lugar sem ter medo. E o Ilê nos
fortaleceu muito mais, trazendo as cores fortes que não usávamos antes”.
A designer de moda e pesquisadora
baiana Carol Barreto, primeira brasileira a desfilar na Black Fashion Week de
Paris e participante do AFD desde o primeiro ano, reconhece a importância do
tema. “A nossa história foi quase apagada para construção desse território
chamado Brasil. As cores como afro-referências são necessárias. É uma mudança
de mentalidade, não apenas uma troca de roupa. Hoje, aparentar ser negro é uma
posição de escolha e não de comodismo”, afirma a santo-amarense.
Barreto ressalta que discorrer
sobre cores é falar sobre a conexão global da população negra, mas, também,
sobre a dos próprios brasileiros. “No Brasil, a gente teve uma exclusão
fragmentada. Foi construído na cabeça dos negros o ímpeto de apagar em si os
elementos que lembram a negritude e a cultura africana. Parte desse
comportamento de eliminar essas marcas é composto pela negação”, explica a
estilista.
Considerando que a aparência é
um dos elementos da identidade, o AFD valoriza as marcas baianas que são
produzidas por pessoas negras ou que evidenciam a cultura dessa parte da
população. Goya, que foi uma das pioneiras na discussão do silenciamento dos
aspectos identitários, considera que utilizar as cores remete às adaptações da
diáspora africana na Bahia, contribuindo assim para a noção de identidade e
autoexpressão na sociedade. Para ela, as cores são elementos importantes. “É a
ousadia nas combinações, nos adereços, nas texturas. Se apresenta na
religiosidade, onde há sintonia com as cores da natureza que encantam e
transmitem o Axé, ou nas formas da arquitetura, na arte, em pinturas e desenhos
decorativos”.
O Afro Fashion Day é realizado
pelo CORREIO com apoio institucional da prefeitura de Salvador e apoio de
Salvador Shopping, Sebrae, Vizzano e Museu du Ritmo.
Em 2018, o Afro Fashion Day chega
à sua 4ª edição. Idealizado para celebrar o Dia da Consciência Negra,
comemorado em 20 de novembro, o AFD representa um importante movimento cultural
e social e já marca importante presença no calendário baiano. Considerado o
principal evento de moda negra no Brasil, a representatividade e valorização da
diversidade são os principais trunfos deste projeto que atrai o público de
Salvador.
Muito mais que um desfile, o Afro Fashion Day é um gerador de oportunidades.
Seja para apresentar ao mercado consumidor os estilistas e designers baianos,
seja para revelar a beleza dos novos talentos que desfilam na passarela,
o
projeto coleciona histórias de superação.
Fonte: Correios
Foto:Thiago Borba/Divulgação
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