sexta-feira, 31 de março de 2017

Capulana: Um tecido carregado de história

Por TELCINIA DOS SANTOS

Este pedaço de tecido colorido que gera encanto e curiosidade por onde passa tem suas origens há alguns séculos no continente asiático e chega à África por intermédio das trocas comerciais que pouco a pouco aportam à costa do Índico, concretamente em Moçambique.

Os anais da história indicam que a capulana chegou em África pela primeira vez nos Séculos IX a X, no âmbito das trocas comerciais entres árabes persas e povos que viviam ao longo do litoral. Quénia, Mombaça e Ilha de Moçambique aparecem nos registos historiográficos como primeiros locais que tiveram contactos longínquos na história do uso deste tecido no continente.

De princípio, a capulana surge como moeda de troca entre os povos e apenas os monarcas a usavam, como símbolo de representação de poder. No império Mwenemutapa (XV e XVIII), por exemplo, só o Mambo (rei) e as suas principais três esposas é que usavam este tecido como símbolo de ostentação e representação da tradição. Portanto, na sua génese, a capulana não emerge como uma questão de pura moda, pelo contrário: surge como um instrumento de legitimação do poder.
________TRADIÇÃO ONTEM E HOJE________
Usada para cobrir o corpo das mulheres, este tecido foi evoluindo ao longo dos anos em termos de textura, cores, e até no seu próprio uso.
A capulana é usada nos países africanos de diferentes maneiras. Em Moçambique por exemplo, as mulheres usam-na no seu dia-a-dia e principalmente em cerimónias tradicionais como funerais, casamentos, ritos de iniciação, cerimónias mágico-religiosas, etc.
Também chamada de “pano” em Angola, “kitenge” ou “chitengue” na Zâmbia, Namíbia e “canga” no Brasil, o seu uso vai muito além da moda: o tecido é usado pelas mulheres para carregar os seus filhos nas costas, para carregar trouxas, para inúmeras funções, como toalha, cortina, pano de mesa, etc.

Geralmente, nas cerimónias de grande importância as mulheres mais velhas amarram a capulana, ou “mucume ni vemba”, e oferecem às noivas no dia do matrimónio uma capulana especial, com o tamanho de três dos tecidos, enfeitadas com uma renda branca, para demonstrar que ela também passa a ser uma mulher adulta e dona de casa.

Quem pensa que é só um pedaço de tecido engana-se: o carinho e cuidado com que as mulheres tratam este tecido é distinto. Acredite se quiser, cada uma delas pode ter várias histórias para contar. A capulana que carregou o seu primeiro filho, a capulana que casou a sua filha, que carregou a colheita do ano x e por aí vai. Com certeza se elas falassem teriam muito para contar.
 Chega a ser uma peça de afirmação de identidade, pois mesmo originário de outro continente este tecido foi sendo aculturado pelas mulheres africanas e passou a ser parte da sua cultura. Em algumas localidades do norte de Moçambique, a forma como a mulher amarra a capulana determina o seu estado civil: casada, solteira, divorciada, viúva, noiva, etc.

Para a mulher casada e mais velha, a capulana passa a ser um símbolo de riqueza. Estas são guardadas juntamente com os “mucumes” em malas de madeira, que muitas vezes recebem no dia do seu casamento. Ela passa a coleccionar as capulanas que recebeu de presente no dia de seu matrimónio, e as restantes que poderá receber do marido como demonstração do seu amor, de cuidado e vontade de querer ver a sua esposa sempre bela.

Geralmente, as capulanas que ficam nesta mala só saem dela quando há uma ocasião especial. Quanto mais capulanas e “mucumes” tiver, mais rica a mulher se considera.
 Em caso da morte da dona da fortuna, esta riqueza é distribuída para as filhas e netas ou para quem ela tiver determinado.

Antes utilizada para esconder e preservar o corpo da mulher, hoje, com as tendências da moda, a capulana passa a servir também para mostrar o corpo das mulheres. Atualmente, o tecido é utilizado para fazer todo o tipo de roupa, inclusive roupa de praia.
Já há algum tempo este tecido começou também a ganhar espaço no guarda-roupa masculino. Foi recebido com um pouco de receio, mas tende a ganhar cada vez mais espaço. Dela se servem os homens para fazer túnicas, calções, calças largas e mais recentemente até fatos se arriscam. A camada infantil também não fica de fora e usufrui deste tecido com modelitos exclusivos para a faixa etária.

Procurando elevar ao extremo a sua africanidade, alguns casais começam inclusive a casar-se com vestidos feitos de capulana, prática que tende a ganhar espaço.
Numa fase mais moderna, esta mesma capulana já é usada como ferramenta de difusão de mensagens educativas. Por exemplo, em campanhas eleitorais, os partidos políticos mandam fazer capulanas decoradas com suas fotografias e símbolos de seus partidos e oferecem às mulheres de modo a persuadir a população a votar no seu partido. Mas não só, as causas sociais também usam esta ferramenta para a difusão de mensagens ligadas a campanhas de saúde por exemplo para campanhas contra AIDS, malária, cólera ou mesmo campanhas de vacinação, sendo também usadas para veicular mensagens educativas.
A capulana, carregada de valor histórico, tem merecido a atenção de investigadores e escritores que já produzem teses e obras literárias falando acerca deste tecido, que passa a ser um “embaixador cultural”.
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CASA ELEFANTE, UM IMPÉRIO DE CAPULANAS QUASE SECULAR
A Conexão Lusófona localizou em Maputo uma casa de venda de capulanas que existe desde 1919. Os seus donos são de origem indiana e há concretamente 97 anos dedicam-se à venda de tecidos e capulanas.
 A gerência da casa viu na capulana um potencial enorme, o que fez com que a loja se tornasse numa casa especializada no tecido, visto que de um tempo para cá, a capulana passou a ser muito mais que um tecido e passa a representar o símbolo da mulher moçambicana, fazendo parte da cultura e da identidade do país.
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Passados vários séculos, a capulana segue o rumo das dinâmicas sociais como um pedaço de historia com mil e uma funções, não perde a forma, o valor, nem o poder, evolui com a sociedade e se moderniza a si própria.

Telcínia é uma jovem luso-moçambicana apaixonada pelo jornalismo e pela arte de comunicar. Finalista do curso de Ciências da Informação, pela Universidade Eduardo Mondlane, é jornalista de cultura do jornal Debate - único jornal cultural de Moçambique.
"As artes e as letras são o meu ponto fraco no mundo da escrita por uma simples razão. Elas me permitem viajar num mar sem fronteiras onde as palavras são minhas e eu sou delas. O mundo lusófono é para mim uma aliança de diversas culturas e identidades. Comunicar é uma arte, Informar é uma necessidade e pertencer a Lusofonia é uma dádiva".




Divulgação Rede Social  por Janira Sodré 

  • Professora Graduada em História pela Universidade Federal de Roraima (1995), Especialista em Educação e Mestre em Ciências da Religião . Professora da Coordenação de Filosofia e CIências Humanas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Coordenadora do Programa de Estudos e Extensão Afro-brasileiro da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Tem experiência docente e de pesquisa nas áreas de teoria da história; história da África, estudos feministas e de gênero; africanidades e afrodescendências, teoria da história, políticas públicas de igualdade racial e educação.

Um comentário:

Mara Jovanka disse...

Grande aprendizado,conhecimento de nossa origem nós da paradigma do caminho percirrido pelis nossos ancestrais e nossas permanentes bandeiras nesse novo caminho de Emponderamento e Afirmação.

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