Na história do Brasil, conta-se muito pouco a respeito das mulheres negras. Na escola, são pouquíssimas as aulas que citem as grandes guerreiras e líderes quilombolas, ou que simplesmente mencionem a existência das mulheres negras para além da escravidão. Em um país em que a escravidão não é retratada como uma vergonha para a nação - pelo contrário, ainda se insiste que a população negra não lutou contra esse quadro -, isso não é nenhuma surpresa.
Nós, brasileiros, passamos vários anos na escola aprendendo sobre todos os detalhes das vidas de Dom Pedro I e II, seus familiares, seus casos sexuais e viagens. Na televisão, os imperadores viram protagonistas de minisséries, enquanto os atores e atrizes negros são reduzidos a papéis de escravos sem profundidade. Grandes lutadores como Zumbi dos Palmares, Dragão do Mar e José Luiz Napoleão, são pouco mencionados. Aliás, eles são lembrados apenas no mês de novembro, em razão do Dia da Consciência Negra; mas as mulheres negras, que contribuíram de tantas formas na luta contra a escravidão e nas conquistas sociais do Brasil, nem sequer são mencionadas.
Devido ao machismo, é muito difícil encontrar registros da história das mulheres, especialmente aqueles que sejam contados de forma aprofundada e responsável. Ainda hoje, poucas mulheres, mesmo entre as brancas ou europeias, são citadas e celebradas por suas conquistas. No entanto, quando essas mulheres são negras, a negligência é ainda maior. Em um país onde mais de 50% da população é negra, a situação desse quadro é absurda.
Mesmo com os esforços racistas para apagar a história das mulheres negras, racismo nenhum será capaz de enterrar a memória de ícones como Luísa Mahin e Tia Simoa. Mulheres negras inteligentes, com grande capacidade estratégica, imensa coragem e ímpeto de transformação, que jamais se conformaram ou se dobraram diante do racismo e da misoginia; pelo contrário, lutaram e deram suas vidas para que mulheres negras como eu pudessem viver em liberdade e escrever, ocupando espaços que, ainda hoje, nos são de difícil acesso.
Infelizmente, tive que descobrir essas guerreiras por conta própria, contando com a ajuda de outras mulheres negras, companheiras de luta, que me apresentaram textos e materiais onde suas vidas foram contadas, ainda que brevemente. Por isso, decidi utilizar minha produção literária, meus cordéis, para contar as histórias dessas mulheres e fazer com que mais pessoas tomassem conhecimento de suas batalhas e do quanto são importantes para a história do Brasil. Até o momento, tenho vários cordéis biográficos que contam as trajetórias de Aqualtune e Carolina Maria de Jesus, além de outras já citadas nesse texto.
Nosso papel é fazer com que essas mulheres negras sejam conhecidas e seus feitos sejam estudados. Seja por meio do cordel, das redes sociais ou de trabalhos acadêmicos, precisamos registrar e divulgar essas memórias. Com elas, provamos que a população negra sempre lutou por seus direitos, provamos que as mulheres negras sempre foram protagonistas dos movimentos negro e de mulheres e que nunca se omitiram ou saíram das trincheiras. Afinal, essas mulheres são espelhos e exemplos do que todas as meninas e jovens negras podem ser.
Fonte: Revistaforum
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