Onze fotógrafas, entre elas Mônica Zarattini, do 'Estado', foram convidadas para mostra no Centro Cultural São Paulo
Cobertas com o hábito, algumas freiras driblam e comemoram gols enquanto jogam bola no time das funcionárias do Hospital Santa Marcelina, no bairro de Itaquera, em São Paulo. “Fotografá-las foi encontrar um mundo particular, harmonioso, que, na essência, rompe o silêncio da meditação para correr em direção ao grito de vitória”, conta a fotógrafa Eliária Andrade, que criou um belo ensaio de imagens em preto e branco registrando as religiosas no exercício de uma paixão inusitada, o futebol.
A ideia do projeto, que também se desdobra em livro, partiu das fotógrafas, profissionais destacadas do fotojornalismo, em 2012. “É um tema masculinizado”, diz Mônica Zarattini, do Estado, que fotografou as meninas do time Amizade Futebol Clube na pobre Parada de Taipas, São Paulo. De maneira divertida, ela se refere ao grupo de expositoras como “coletivo dinossauro”, formado ainda por Nair Benedicto, Marlene Bergamo, Ana Carolina Fernandes, Luludi Melo, Marcia Zoet, Bel Pedrosa, Ana Araújo, Evelyn Ruman, Luciana Whitaker e Eliária Andrade. Cada uma definiu sua “pauta” nas reuniões. E mesmo sem patrocínio, no início, elas começaram a realizar suas obras em 2013, por conta própria.Essa é apenas uma das histórias - surpreendentes - das 121 obras da exposiçãoAs Donas da Bola, que será inaugurada neste sábado, às 16 h, no Centro Cultural São Paulo. A Copa do Mundo está chegando, mas as 11 fotógrafas que participam da mostra aproveitaram o momento para trazer o tema do futebol através de um prisma diferente, duplamente feminino - são mulheres registrando mulheres e sua relação com o esporte, mulheres “observando a garganta da realidade, o Brasil diante de si mesmo”, como afirma o curador Diógenes Moura. “É uma reflexão sobre um país que não reflete sobre nada”, continua o escritor. Ana Carolina Fernandes, por exemplo, foi até o Amapá para fotografar o “futelama”, misto de jogo feminino e atração turística, descreve, que depende da maré do rio Amazonas. Já Bel Pedrosa entrou na casa de torcedoras - fanáticas? - cariocas. Suas imagens, coloridas, mostram quartos com cantos para os santos (São Jorge, Buda, Shiva) e faixas de times, ou a expressão da devoção estampada no corpo das retratadas, como a que esmalta as unhas com as cores do Vasco. Nair Benedicto foi a Cuiabá, onde presenciou as Olimpíadas Indígenas do Mato Grosso - e seu trabalho é muito mais do que registrar as índias guaranis e o futebol, é um questionamento sobre a exposição do corpo feminino no esporte, desde a ditadura, ela lembra em texto.Enfim, muitas são as questões - e práticas estéticas - por detrás de um simples tema. “O projeto ultrapassa o fotojornalismo”, diz o curador.
Vertentes
No Centro Cultural São Paulo (CCSP), próximo a um dos pontos de retirada de ingressos da Fifa para os jogos da Copa do Mundo no Brasil, os visitantes já são convidados a ver a exposição As Donas da Bola pelo paredão que apresenta 11 grandes imagens, em sequência. As fotografias, de 1,50 m X 1 m, representam os trabalhos de cada fotógrafa participante da mostra que coloca o tema da relação das mulheres com o futebol. Numa das obras, realizada por Marcia Zoet, uma menina equilibra uma bola com seu rosto e seu ombro. Atrás dela, o Morro do Alemão, no Rio, torna-se quase infinito - é uma perspectiva, no mínimo, impressionante. O esporte é colocado pela vertente da “ação social” também no ensaio de Mônica Zarattini, há 25 anos no Estado. “Um motoqueiro, o Bolacha, me levou até o time Amizade Futebol Clube, na Parada de Taipas, comunidade no pé da Serra da Cantareira”, ela conta. Entre fevereiro de 2013 e dezembro, a fotógrafa documentou, geralmente às quintas-feiras, os treinamentos das meninas de 13 a 19 anos na periferia de São Paulo. Nos retratos em preto e branco, com filtro daguerreótipo, Mônica homenageia “o início da fotografia”, diz ela; traz “a memória do tempo à janela do amanhã”, descreve o curador Diógenes Moura.
A exposição, em sua poética, apresenta “um Brasil real, verdadeiro, não o de falcatruas, da construção de estádios”, afirma o escritor, que foi convidado pelas fotógrafas a pensar o que poderia ser uma “unidade” no projeto. “Foi um processo de enlouquecimento”, ele brinca, trabalhar com 11 mulheres. No espaço expositivo, as obras de cada fotógrafa são apresentadas em conjuntos (nos quais as peças são impressas no formato 75 cm x 50 cm). O preto e branco é a estética predominante das obras de Mônica Zarattini, Ana Carolina Fernandes, Eliária Andrade e Luciana Whitaker (que retrata o futebol praticado por meninas de classe média alta na praia de Ipanema); já os ensaios de Evelyn Ruman (que tem como destaque a presença de uma menina com Síndrome de Down) e de Luludi (com trabalho de imagens de torcidas) misturam o p&b com a cor. As outras participantes, Ana Araújo (que explora o contraluz no sertão), Bel Pedrosa, Marcia Zoet, Marlene Bergamo e Nair Benedicto se dedicam ao colorido. As Donas da Bola também estará em livro (Syn Criativa Edições, 192 págs, R$ 60), a ser lançado na segunda quinzena de junho. As imagens são acompanhadas de depoimentos das fotojornalistas, assim como na mostra.
Fonte: Estadão
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