Mulheres enfrentam dificuldades para prestar queixa,
alerta FBSP
Publicado em 20/04/2020 - 14:44 Por Letycia Bond - Repórter
da Agência Brasil - São Paulo
No contexto da pandemia de covid-19, os atendimentos da
Polícia Militar a mulheres vítimas de violência aumentaram 44,9% no estado de
São Paulo. Em relatório divulgado hoje (20), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) informa
que o total de socorros prestados passou de 6.775 para 9.817, na comparação
entre março de 2019 e março de 2020. A quantidade de feminicídios também subiu
no estado, de 13 para 19 casos (46,2%).
Policiais militares do Acre também foram acionados mais
vezes, pelo mesmo motivo, durante o mês passado, quando a Organização Mundial
da Saúde (OMS) declarou o estado de pandemia para caracterizar o impacto global
da doença. Na unidade federativa, constatou-se um crescimento de 2,1% no número
de chamados, que saltou de 470 para 480. Também foram registrados dois
feminicídios, contra apenas um ocorrido em 2019.
O Rio Grande do Norte apresentou um aumento de 34,1% nos
casos de lesão corporal dolosa (quando há intenção de se ferir) e de 54,3% nos
de ameaça. As notificações de estupro e estupro de vulnerável dobraram, em
relação a março de 2019, de modo que o mês foi encerrado com um total de 40
casos.
Produzido a pedido do Banco Mundial, o levantamento mostra,
ainda, que no Mato Grosso os feminicídios quintuplicaram, subindo de duas
ocorrências para dez. No Rio Grande do Norte, apenas um caso havia sido
contabilizado em março de 2019, enquanto se registraram quatro no mês passado.
Na análise, foram contemplados seis estados: São Paulo, Acre,
Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Pará. A coleta de dados
foi feita ao longo da segunda semana de abril e abrangeu o quantitativo de
registros de boletim de ocorrência produzidos pelas Polícias Civis de homicídio
doloso de mulheres, feminicídios, estupros e estupros de vulnerável, ameaça a
vítimas mulheres e lesão corporal dolosa decorrente de violência doméstica; o
número de ocorrências atendidas pela Polícia Militar por meio do 190 em casos
relativos à violência doméstica e sexual; e o quantitativo de medidas
protetivas de urgência determinadas pelos Tribunais de Justiça.
Subnotificação de ocorrências
Apesar de se ter confirmado a multiplicação dos crimes em
diversos pontos do país, formalizar denúncia às autoridades policiais tem sido
um obstáculo para as vítimas, em virtude das medidas de quarentena ou
isolamento social. Conforme explica o FBSP, se por um lado, as vítimas não têm
conseguido ir a delegacias, por outro, podem sentir medo de denunciar os
parceiros, devido à proximidade que agora têm deles, com a permanência em casa.
No último dia 13, o Ministério Público de São Paulo soltou nota, em que
afirma que "a casa é o lugar mais perigoso para uma mulher". Como
referência, o órgão destaca dados da pesquisa Raio X do Feminicídio em São
Paulo, que revelou que 66% dos feminicídios consumados ou tentados foram
praticados na casa da vítima.
O fórum comenta que esses são fatores que explicam a
subnotificação de casos e que acendem um alerta para que as autoridades
promovam, logo, respostas frente ao problema. "Apesar da aparente redução,
os números não parecem refletir a realidade, mas sim a dificuldade de realizar
a denúncia durante o isolamento", escreve na nota.
No Acre, embora se observe que mais mulheres se tornaram alvo
das agressões no último mês, os boletins de ocorrência tiveram queda de 28,6%.
Na avaliação do FBSP, a redução demonstra a série de obstáculos encarada pelas
vítimas para prestar queixa, assim como as taxas do Ceará (-29,1%), Mato Grosso
(-21,9%), Pará (-13,2%) e Rio Grande do Sul (-9,4%).
A Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o
Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres) já havia feito um apelo para que as
autoridades governamentais planejassem ações específicas para mulheres durante
a pandemia, levando em conta os riscos que sofrem, como a violência doméstica.
O organismo ressaltou que, nessa fase, as mulheres não somente enfrentam
entraves quanto ao acesso a serviços essenciais ou ordens de proteção, mas que
"o impacto econômico da pandemia pode criar barreiras adicionais para
deixar um parceiro violento". As colocações ajudam a entender por que a
concessão de medidas protetivas diminuiu 32,9% no Pará, 67,7% no Acre e 37,9%
em São Paulo, no intervalo de 1 a 12 de abril deste ano, ante o mesmo período
de 2019.
No dia 7 de abril, o veículo oficial da ONU Mulheres noticiou
que autoridades, ativistas dos direitos das mulheres e membros da sociedade
civil da Argentina, Canadá, França, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Estados
Unidos têm reportado aumento nas denúncias de agressões contra mulheres e na
demanda por abrigos de emergência. Singapura e Chipre, por sua vez, vivem um
crescimento de 30% em chamadas nas linhas de apoio às vítimas.
Na Austrália, a
procura por socorro foi elevada em 40%, o que mais uma vez comprova a violência
contra mulher como uma questão generalizada, presente em todo o mundo e em
curva ascendente durante a pandemia.
Percepção de vizinhos
O FBSP destaca que os vizinhos das vítimas têm percebido a
escalada da violência contra mulher e compartilhado o que testemunham em redes
sociais. Segundo a entidade, os relatos sobre brigas entre vizinhos totalizaram
52 mil postagens no Twitter, entre fevereiro e abril deste ano, um acréscimo de
431%. Ao se considerar apenas as mensagens que indicavam a ocorrência de
violência doméstica, as menções chegaram a 5.583.
Pelo mapeamento, concluiu-se que um quarto (25%) do total de
relatos de brigas de casal foi publicado às sextas-feiras e que mais da metade
(53%) à noite ou na madrugada, entre 20h e 3h. Outra descoberta é de que as
mulheres foram maioria entre os autores das postagens (67%).
Simplificação e engajamento
Para facilitar o registro do boletim de ocorrência, que, em
geral, exige presença física das vítimas em uma delegacia, o FBSP recomenda que
os governos façam adaptações no serviço, a exemplo do que fez São Paulo. O
estado mudou as regras vigentes até o início da pandemia e agora permite que a
vítima preste queixa mediante o preenchimento de um formulário via Delegacia Eletrônica , pela aba "Outras
ocorrências".
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
nº 1267/20, que visa ampliar, durante a pandemia, a divulgação do Ligue 180,
disque-denúncia do governo federal. De autoria de 13 parlamentares do PSOL, PT,
PDT, Rede, DEM, PSB, MDB, Pros e PCdoB, a proposta é de se veicular um anúncio
sobre o canal em "toda informação que se exiba por meio dos serviços de
rádio e televisão aberta, programação audiovisual, notícias divulgadas na
internet em portais, blogs e jornais eletrônicos, sejam de acesso gratuito ou
pago, sobre episódios de violência contra a mulher".
O Ligue 180 está disponível 24 horas por dia, todos os dias,
inclusive finais de semanas e feriados, e pode ser acionado de qualquer lugar
do Brasil. Vítimas residentes do exterior também pode utilizar o serviço, sendo
que cada país tem um número de telefone correspondente, que pode ser conferido
na página do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).
As informações também podem ser fornecidas por meio do aplicativo Proteja
Brasil, disponível para download gratuito, em versão para os
sistemas iOs e Android. Através do Ligue 180 é possível, ainda, se esclarecer
dúvidas sobre a aplicação da Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, que prevê pena para cinco tipos de
violência: moral, psicológica, patrimonial, física e sexual.
A pasta também elaborou informes, cartazes e panfletos
contendo orientações de segurança para mulheres e informações, para estimular
vizinhos das vítimas a prestar queixa das agressões. O material foi
disponibilizado na página do ministério. Na última semana de março, os
atendentes do Ligue 180 receberam 9% a mais de chamadas do que na
semana anterior, segundo a ministra do MMFDH, Damares Alves.
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