Por Felipe Mascari
Rede Brasil Atual
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No jogo com elementos de exploração e sobrevivência, a personagem Cícera auxilia os sertanejos a superarem a seca. (Reprodução/AOCA) |
Na contramão do padrão da indústria, o game baiano Árida surge
algo inovador, com o objetivo de
divertir, mas ao mesmo tempo educar, desconstruir estereótipos e ser uma
plataforma de reconhecimento identitário.
Inserido no contexto do sertão
nordestino durante o século 19, o jogo é uma aventura com elementos de
exploração e sobrevivência. Ele traz a história da jovem Cícera, que
auxilia os sertanejos a superar a seca. O protagonismo da mulher negra e nordestina
é considerado uma “ocupação” dentro do universo do jogo.
De acordo com Filipe Pereira,
game designer e diretor geral da Aoca – produtora responsável pelo jogo –, é
difícil sair do clichê dos jogos desenvolvidos no Brasil e no mundo. “Todos os
componentes que estão no nosso jogo colocam a gente num percentual bastante
diminuído pela indústria, não só pelo local do sertão, mas também pelo viés
mais social.
Sem falar do protagonismo de uma personagem mulher, negra e
nordestina, o que não vemos nos outros jogos”, afirma à RBA.
Inicialmente, o jogo seria
ambientado na região de Canudos, interior da Bahia, durante o confronto
entre o Exército e os integrantes do histórico movimento popular liderado por
Antônio Conselheiro, no fim do século 19. Entretanto, após iniciarem as
pesquisas, os desenvolvedores decidiram agregar questões simbólicas de outras
regiões do sertão baiano. Para isso, o grupo recebeu a colaboração de
historiadores e especialistas na Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
“A gente fez a pesquisa em
campo após seis meses de projeto, em Canudos e região, o que foi muito bom. Nós
validamos caminhos que já tínhamos traçado. Uma coisa curiosa é que lá
encontramos personagens como retratávamos já no game. É algo que vai de
encontro com vários paradigmas que a gente tem na nossa história, como não
conseguir se organizar socialmente, com um viés de resistência e utopia.
Canudos, guardados as devidas proporções, é o socialismo na prática”,
explica Filipe.
Identidade visual
As visitas ao sertão e o
próprio desenvolvimento do projeto permitiram a ampliação de repertório da
linguagem visual. Contrastes entre as texturas, a contemplação do
horizonte como um elemento de reforço à imensidão do ambiente foram
características estratégica adotadas, com o objetivo de oferecer
alternância e antecipação à experiência de jogo.
Victor Cardozo, diretor de arte
do projeto, explica que há um cuidado especial para o público que não conhece o
nordeste, mas que possui uma imagem estereotipada. “A gente contempla o
horizonte porque lá é um ambiente muito único. Desde o solo até a flora local,
então queríamos passar outra visão, mostrando que há um ambiente duro, mas
também bonito.”
A franquia será dividida em
quatro episódios. A data de lançamento do primeiro episódio do game está
prevista para o primeiro trimestre de 2019, com o computador como plataforma
inicial. Victor explica que haverá um amadurecimento e uma dramatização do
ambiente, na qual a arte será transformada ao decorrer da história. “As
mecânicas vão evoluir também. Hoje, tem diversos aspectos universais e uma
paleta de cores diversa; já no capitulo dois vamos explorar mais os detalhes,
terá mais textura. O capitulo três será menos saturado, com mais aspectos de
dramas e cores mais frias”, conta.
Em 2017, a Agência Nacional do
Cinema (Ancine) selecionou o jogo em seu edital de games. De acordo com o
programa, é previsto que Árida receba R$ 250 mil para investir no projeto.
O valor deverá ser usado para a elaboração do terceiro e quarto episódio.
“A gente foi o único da Bahia a
ganhar. Ao mesmo tempo que estamos orgulhosos, estamos tristes por saber que há
outros talentos que poderiam ser contemplados. O fato da Ancine elogiar nosso
projeto é um alento, ao mesmo tempo que produzimos socialmente algo forte,
também é interessante para o mercado”, comemora Victor.
O universo do jogo
mistura o cartoon com o realismo. A arte nordestina
também faz bastante parte da ambientação do jogo, com a música e o cordel,
sendo utilizados para a história. “Dentro da pesquisa nas artes conceituais,
pegamos um novo olhar e trouxemos o grafite para dentro do jogo e chamamos o
Bigode (Josivaldo Santos Silva), de Salvador, que atua há 20 anos aqui”,
acrescenta Cardozo.
Reconhecimento identitário
Com o mercado gamer escorado
no eixo Rio-São Paulo, os desenvolvedores acreditam que Árida, carregando a
identidade nordestina, pode mudar esse cenário. Ao participar de diversos
eventos do gênero pelo país, eles enfrentam a xenofobia e o rótulo de “jogo
nordestino”.
“Porém, ao estarmos nesses
ambientes, é uma intervenção não só para consumidores, mas para os
desenvolvedores também. Muitas pessoas de São Paulo, por exemplo, são filhos de
nordestinos, então tem uma identificação com essa raiz. É uma forma de
reconhecimento identitário que as pessoas terão”, conta Filipe.
A experiência do jogo pode
rever os olhares que tinham para o nordeste, acredita Victor. “Nós vamos levar
a informação e cultura para o público, mas de uma forma divertida. Ensinar o
que é cacimba ou um caçuá são coisas que fazem parte do Brasil que muitas pessoas
não têm contato”, explica o diretor de arte.
A ideia é levar a franquia para
o mundo dos quadrinhos. Apesar da equipe que conta com sete pessoas, hoje, eles
buscam ampliar os colaboradores para tornar o projeto ainda maior, conta
o diretor geral. “O jogo tem um universo que permite expandir a
narrativa em outras plataformas e até com maior qualidade.”
https://youtu.be/hvLTjYTojGU
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