sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Plantio tradicional de quilombolas recebe título de patrimônio mas sofrem com burocracia



Decisão do Iphan sobre a roça de coivara foi anunciada ontem 

Modo de vida das comunidades quilombolas está ameaçado devido à demora no processo de autorização, por parte do governo de São Paulo, para o plantio das roças tradicionais


O sistema agrícola tradicional das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, no sudeste paulista, foi reconhecido ontem (20) como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Os quilombolas desenvolveram há mais de 300 anos um cultivo de alimentos na Mata Atlântica que não usa adubo nem agrotóxico, chamada roça de coivara.

Dados do ISA mostram que o Vale do Ribeira abriga, ao todo, 88 comunidades quilombolas em variados graus de reconhecimento pelo estado. 
Dos 7% que restaram do bioma de Mata Atlântica em território nacional, 21% estão localizados no Vale do Ribeira.

Burocracia e falta de conhecimento 

No entanto, o modo de vida das comunidades quilombolas está ameaçado devido à demora no processo de autorização, por parte do governo de São Paulo, para o plantio das roças tradicionais, reclamam as representações dos quilombos e entidades que defendem o direito de comunidades tradicionais. 
Eles precisam de autorização para o corte de pequena área de vegetação nativa de Mata Atlântica para fazer a roça.

Segundo o instituto, os documentos apresentados ao Iphan servem de subsídios para dar segurança aos órgãos governamentais em relação à autorização para o plantio da roça. 

Ivy  Ivy Wies, assessora técnica do Instituto Socioambiental (ISA), uma das entidades que apoiam os quilombolas. destacou que o atraso na emissão da licença pelo governo estadual tem consequências graves às comunidades tradicionais.

“Dois pontos que estão ameaçados pela falta de licença: a segurança alimentar e a manutenção das variedades agrícolas, que são um patrimônio da humanidade - as variedades de milho, batata, cará, arroz, feijão, mandioca. Hoje em dia, estamos nesse processo da transgenia, dos organismos geneticamente modificados. Imagina você ter 15 variedades de milho diferentes [que não foram geneticamente modificados], isso é uma riqueza para a humanidade”, disse.

A maior parte da produção serve para a subsistência das comunidades, mas há também impacto na renda já que os quilombolas vendem parte dos produtos da roça para custear suas necessidades básicas. Ivy destaca que há comunidades esperando há dois anos por uma licença.

As comunidades apresentam o pedido de autorização de 12 a 15 meses antes do início do preparo da roça para garantir que o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) faça os laudos baseados em vistorias e que a Companhia Ambiental do Estado (Cetesb) possa emitir a licença a tempo do plantio.

 Em 2013, foi o último ano em que as licenças saíram a tempo do plantio, informou o ISA, afirmando que a estrutura que o estado colocou para realizar o processo não dá conta da demanda.
“O estado alega falta de pessoal para os trabalhos de campo. Mas a avaliação mais certeira é que há um excesso de exigências para o processo e as várias etapas são morosas demais, o que gera um volume de papel e burocracias desnecessárias”, segundo texto da Campanha “Tá na Hora da Roça”, lançada no mês passado pelas comunidades quilombolas e entidades parceiras, chamando a atenção do governo estadual para que autorize, com a emissão de licenças no tempo adequado, a abertura das roças.

Das 19 comunidades localizadas em cinco municípios do Vale do Ribeira que pediram autorização para início da roça, apenas duas conseguiram: São Pedro e André Lopes. De acordo com representantes das comunidades, o atraso na licença faz com que o agricultor perca o ciclo do plantio.

Ciclo da roça

O ciclo quilombola começa a partir dos meses de junho e julho, com o preparo da área e derrubada da vegetação, que geralmente não passa de um hectare. Depois de 15 dias, é feita a queima controlada da área e as cinzas fertilizam o solo. Depois disso, já feito o plantio, que geralmente começa em agosto e setembro. Até o momento, no entanto, o governo estadual não deu a autorização para o início da derrubada.

O manejo dessa área aberta na floresta ocorre no período de dois a três anos, ou até que aquele solo não esteja mais tão fértil. Depois disso, o produtor abandona esse trecho e a floresta se regenera.

Outro lado

A Cetesb disse, em nota, que “para atender às comunidades é feito todo um trabalho envolvendo o Itesp, a Fundação Florestal e a Cetesb. E a produção dessa documentação pode tomar bastante tempo. Assim, é fundamental o planejamento no pedido dessas autorizações”. A companhia disse que está sendo feito um trabalho conjunto para aprimorar os procedimentos.

HISTÓRICO
Campanha pede respeito ao plantio tradicional quilombola
Dona Diva, do quilombo Pedro Cubas de Cima
 Agê Barros - ISA



As comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, no sudeste do estado de São Paulo, lançaram dia 17/8, a campanha "Tá Na Hora da Roça", em defesa de suas roças tradicionais, ameaçadas pela burocracia e falta de conhecimento dos órgãos ambientais de SP. 

A campanha pediu ao governo de São Paulo que autorize, com a emissão de licenças no tempo adequado, a abertura das roças de coivara nos quilombos, garantindo segurança alimentar, autonomia e fortalecimento cultural para as comunidades.

Há anos, essas comunidades enfrentam sérios obstáculos junto à burocracia de órgãos estaduais, como a Secretaria de Meio Ambiente, Itesp, Fundação Florestal e Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), para conseguir as licenças que liberam o corte de vegetação, procedimento necessário para o plantio de alimentos voltados à subsistência.

Foto:  Foto Instituto Sócio Ambiental /EBC
Fontes  :Agência Brasil /Instituto Sócio Ambiental /CONAQ

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