Formação política feminista com lideranças do movimento de trabalhadoras domésticas em Nova Iguaçu e Volta Redonda, no Rio de Janeiro; formação de uma rede de mulheres ciclistas e ativistas por um meio de transporte sustentável e democrático em São Paulo; capacitação de mulheres quilombolas do Maranhão para enfrentamento à violência e liberdade dos territórios; instalação e manutenção de uma rádio comunitária indígena com as guerreiras Pankararu de Pernambuco.
Estes foram alguns dos projetos contemplados pelo Building Movements – Feminismos Contemporâneos, cujo resultado foi divulgado na semana passada. Ao todo, serão R$ 350 mil reais distribuídos a 14 projetos de fortalecimento de iniciativas feministas em todo o Brasil, selecionados por meio de edital pelo Fundo ELAS de Investimento Social. Entre 645 projetos inscritos, foram escolhidas propostas inovadoras que mobilizam mulheres em busca de seus direitos, com necessidades reais, urgentes e estratégicas.
Segundo a coordenadora-geral do fundo, Amalia Fischer, a instituição trabalha há 17 anos na mobilização de recursos “para que as mulheres possam executar projetos ou iniciativas inovadoras, pequenos negócios e negócios sociais, e possam também ter acesso a tecnologias”. Ela explica que este foi o primeiro edital do tipo no país, que distribuiu recursos para um número grande de projetos, e será usado como modelo para outros países da América Latina, além de ter parcerias com o Reino Unido.
“Esse projeto de apoio às trabalhadoras domésticas é para que elas tenham possibilidade de se capacitar e articular campanhas por seus direitos. Ao mesmo tempo, elas farão uma parceria com o London School of Economics, do Reino Unido, muito interessante porque uma das questões de nossa parceria é que os movimentos de mulheres do Brasil possam ter contato com os das mulheres do Reino Unido. Esse edital não é unicamente para ser feito no Brasil”, disse Amália. Ela acrescentou que os fundos da América Latina vão seguir o modelo que está sendo feito com o British Council,o que considera “muito inovador”, porque vai haver intercâmbio.
Amália destacou a importância do financiamento para os projetos de empoderamento feminino, na busca da igualdade de gênero no país. “As mulheres não têm recursos porque isso tem a ver com a questão da desigualdade e iniquidade entre homens e mulheres. Por isso, elas não têm tanto acesso aos recursos como os homens. De fato, você vê isso nos salários e vê a relação entre os salários de homens e mulheres, elas ganham muito menos do que os homens e estão muito mais preparadas. Nas universidades, muito mais mulheres se graduam do que os homens, mas mesmo assim elas tem menos acesso aos recursos”.
Articulação nacional
Um dos projetos contemplados foi o Mulheres Negras pelo Bem Viver: Fortalecendo a luta no Contexto Pós-Marcha, da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB). Segundo a coordenadora executiva, Valdecir Nascimento, a entidade reúne 35 instituições de mulheres negras em todo o Brasil, e o recurso será utilizado para promover reuniões e seminários nos quais serão traçadas as estratégias do movimento para o próximo ano.
“Fizemos a Marcha das Mulheres Negras em 2015, em Brasília, e tivemos uma avaliação em 2016. Tínhamos a expectativa de fortalecer as regiões a partir do que a marcha trouxe, para retroalimentar esse processo de crescimento das organizações de mulheres negras. Aí vem essa crise braba, que exige de nós uma reação permanente sobre esse desmonte que está acontecendo no Brasil, retrocessos e perda de direitos e violações de direitos humanos. E também [precisamos] consolidar o nosso processo de organização nacional. Então, ficamos sem apoio e sem dinheiro e precisando nos reunir para montar algumas estratégias”, disse Valdecir.
Ela informou que a Articulação está organizando mobilizações para a juventude, no próximo dia 26, e para a saúde da população negra, no dia 27, além do 20 de novembro, com foco no combate ao feminicídio. Para o ano que vem, o objetivo é fazer uma grande articulação para o Fórum Social Mundial, que ocorrerá de 13 a 17 de março em Salvador. “A gente quer produzir um pacto significativo dentro do Fórum Social Mundial, para chamar a atenção para as coisas que dizem respeito não só ao retrocesso no Brasil, mas como isso afeta a população negra de uma forma muito mais contundente.”
Negras na comunicação
Outro projeto contemplado, o #PRETAS_HUB, da organização carioca #AZ_Pretas, vai trabalhar com formação feminista em comunicação e tecnologia. Será organizada uma rede de colaboração entre negras e indígenas empreendedoras digitais, youtubers, blogueiras, coletivos de produção audiovisual e realizadoras independentes.
De acordo com a coordenadora da iniciativa, Aline Lourena, serão trabalhadas quatro vertentes. “A primeira, que é de formação, de 20 mulheres, voltada para a produção de audiovisual na web – aprender a produzir vídeos e finalizá-los, isso é uma demanda. Tem uma exposição fotográfica, feita por fotógrafas negras do projeto Amar é Ver, que são só mulheres do Complexo da Maré que fotografam. Tem uma rodada de negócios para projetos do audiovisual e de comunicação que serão apresentados para agências, produtoras e canais de televisão. E também tem os ciclos de debate, onde a gente debate empreendedorismo, feminismo negro, representatividade.”
O projeto vai ser executado na Casa das Pretas, que fica na Lapa, na semana do 8 de março, Dia Internacional da Mulher, “para chamar a atenção para outras diversidades de mulheres”, diz Aline. Também será produzida, a partir da formação, uma websérie documental de oito episódios com mulheres que estão trabalhando na internet, na engenharia e outras áreas tecnológicas. “Em geral, associam-se as mulheres negras e indígenas ao artesanato, à culinária. E tem uma série de outras coisas, tem programadora, design, muita gente fazendo muita coisa fora desse censo mais comum onde a gente é sempre vista”, explica a coordenadora.
De acordo com Aline, o trabalho da organização é conectar mulheres da comunicação com as mulheres do afroempreendedorismo, utilizando o conhecimento na produção de vídeo que chegar a uma sustentabilidade financeira. “A gente está pensando sempre as duas coisas. O vídeo como ferramenta de empoderamento, de criação de autoestima, de identidade, mas também como ferramenta de sustentabilidade econômica, de gerar uma cadeia de serviços, de produtos. Porque senão a gente fica só se afirmando e sem dinheiro no bolso. Assim não funciona. Então o empoderamento tem que ser estético e também financeiro, pra gente poder criar uma cadeia de consumo sustentável.”
O edital Building Movements – Feminismos Contemporâneos resulta de uma aliança em defesa dos direitos das mulheres feita entre British Council, ONU Mulheres, Open Society Foundations, OAK Foundation, Global Fund for Women e Fundo ELAS. Cada projeto vai receber R$ 25 mil.
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