por CLÁUDIA COLLUCCI (yahoo)
Segundo a última
atualização, no dia 7 de abril, desde o início da pandemia foram 9.479 casos de
internações por Covid entre gestantes e puérperas, com 738 mortes
O número de mortes
mat
ernas por Covid-19 mais do que dobrou nas 13 primeiras semanas de 2021 em
relação à média semanal do ano passado. Passou de 10,4 óbitos (449 mortes em 43
semanas de pandemia de 2020) para 22,2 nas primeiras semanas deste ano, com 289
mortes.
Embora estudos
mostrem que a gestação e o pós-parto aumentam o risco de complicações e morte por Covid-19, no
Brasil o alto número de óbitos maternos associados à doença é atribuído, principalmente,
à falta de assistência adequada.
Desde o início da
pandemia, uma em cada cinco gestantes e puérperas (22,6%) internadas com Covid
não tiveram acesso à UTI e 33,3% não foram intubadas, último recurso
terapêutico para os casos graves da Covid-19.
Os dados obtidos pela
Folha vêm do OOBr Covid-19, um observatório obstétrico recém-lançado que agrupa
informações de várias bases públicas, como os sistemas de nascidos vivos e de
mortalidade materna, e o Sivep Gripe (Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica
da Gripe). A atualização é semanal.
O painel é elaborado
por pesquisadores da USP e da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e
está dentro de um projeto maior que analisa dados materno-infantis no país e
que conta com financiamento da Fundação Gates e de bolsas de pesquisa do CNPq e
da Fapes (fundação de amparo à pesquisa do ES).
Segundo a última
atualização, no dia 7 de abril, desde o início da pandemia foram 9.479 casos de
internações por Covid entre gestantes e puérperas, com 738 mortes.
Existem outros 9.784
de registros de SRAG (síndrome respiratória aguda grave) não especificados
nesse grupo, com 250 óbitos. Para os pesquisadores, é grande a possibilidade
desses casos serem também Covid.
O que explica
liderança do Brasil em ranking de mortes maternas?
Desde o início da
pandemia, uma em cada cinco gestantes e puérperas (22,6%) internadas com Covid
não tiveram acesso à UTI
Segundo a médica
obstetra Rossana Pulcinelli Francisco, professora do departamento de
ginecologia e obstetrícia da USP-SP e uma das criadoras do painel, os dados
deixam evidentes as disparidades regionais envolvidas na falta de uma
assistência materna adequada, cenário já apontado em outros estudos que
colocaram o Brasil como líder mundial de mortes maternas por Covid.
No Pará, quase a
metade (46%) das gestantes e puérperas mortas não puderam contar com terapia
intensiva. Já no Rio Grande do Sul, 4% dos óbitos foram nessas circunstâncias.
No estado de São
Paulo, 18% das gestantes e puérperas morreram fora da UTI e 38% não foram
intubadas. Na capital paulista, 3% não chegaram à UTI e 24% não foram
intubadas.
"Nos casos
graves, uma boa assistência significa a mulher ter chegado à UTI. E como a
maior complicação da Covid é a respiratória, ela precisa ter chance de ser
intubada. Se ela morre antes disso, é porque não recebeu toda a assistência que
deveria", explica Rossana Francisco.
Segundo a médica,
além da falta de leitos da UTI, o fato de as gestantes infectadas terem que
percorrer longas distâncias para conseguir alguma assistência também pode
contribuir para um pior desfecho.
De acordo com Lucas
Lacerda, estudante de graduação de estatística da Ufes e que também integra o
grupo que mantém o painel obstétrico, gestantes e puérperas com Covid residem
em 2.520 municípios brasileiros e foram atendidas em 977 hospitais. Ainda estão
sendo organizados os dados sobre o percentual de mulheres que se deslocaram
para conseguir a internação.
A morte de uma menina
de 13 anos, que estava com 31 semanas de gestação e que morreu em Medicilândia
(PA) por complicações da Covid-19, exemplifica o gargalo.
Vítima de estupro, a
criança vivia em Uruará (1.048 km de Belém) e foi atendida primeiro no hospital
do município. Em seguida, foi levada para Medicilândia, a duas horas de carro.
Com quadro grave de
Covid-19 e precisando de UTI, foi transferida para o Hospital Regional Público
da Transamazônica, em Altamira. Mais uma hora e meia de estrada.
No meio do caminho, o
quadro de saúde da menina piorou e a ambulância voltou para Medicilândia. Ela
não resistiu e morreu na unidade.
Segundo Rossana
Francisco, também é preciso analisar o tipo de UTI que tem atendido essas
gestantes e puérperas com Covid-19. Além dos intensivistas, o serviço precisa
ter médicos obstetras, neonatologistas e equipe multidisciplinar.
"Quando a gente
tem uma gestante, os parâmetros de ventilação são diferentes, a quantidade de
líquidos a ser ingerido [balanço hídrico] também tem que ser monitorada de uma
outra forma", explica.
A médica lembra que
já existem evidências de que qualquer cirurgia feita em um paciente com Covid
aumenta a mortalidade e, durante a pandemia, muitas gestações estão sendo
interrompidas precocemente.
"A gente viu
muitos serviços indicando o parto porque a paciente estava com Covid. Isso
também piora a morbidade e mortalidade."
As mortes maternas
por Covid devem se somar às outras que acontecem anualmente por outras causas,
como hipertensão e hemorragia. Em 2019, foram 1.575 óbitos durante a gestação
ou no pós parto. Em 2018, foram 1.658 mortes.
Mas, para a médica
Agatha Rodrigues, também responsável pelo observatório obstétrico e professora
do departamento de estatística da Ufes, essa soma é até conservadora levando em
conta que, durante a pandemia, muitas gestantes ficaram sem assistência
adequada e isso pode estar se refletindo em mortes ainda não computadas.
A ideia do
observatório, segundo ela, é justamente tentar mapear isso a partir de
informações oficiais. "Sem dados, parece que não tem problema. Não
conseguimos analisar o impacto da pandemia na saúde materno infantil e das
políticas públicas."
Rossana Francisco
ressalta que o Brasil tem tido muitas dificuldades em reduzir as taxas de
mortalidade materna, e uma das razões é fragilidade e as deficiências na
atenção à saúde das mulheres durante o pré natal, parto e puerpério.
"A pandemia de
Covid-19 deixou ainda mais claro essas deficiências, especialmente a
desigualdade que temos entre os diferentes estados."
Para ela, há uma
necessidade urgente de reestruturação da rede de atenção materna, especialmente
na identificação de hospitais que possam ser capacitados para atuar no cuidado
dessas mulheres.
No campo da
prevenção, a médica diz que é muito importante que a gestante possa ter o
direito garantido ao isolamento social para se proteger da infecção.
Rede de médicas pede
urgência de vacinação de gestantes
Especialistas pedem
prioridade na vacinação das gestantes e puérperas com e sem comorbidades e mais
atenção às medidas protetivas para garantir o isolamento dessas mulheres -
Foto: AP Photo/Ramon EspinosaMais
Um manifesto recente
da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras alerta para os riscos que
gestantes e puérperas enfrentam na pandemia de Covid-19.
Além da dificuldade
de acesso aos leitos de UTI, o documento aponta para a desorganização dos
serviços de assistência pré-natal, com suspensão de consultas, problemas de
acesso ao atendimento adequado da Covid-19, falta de testes diagnósticos e de
outros insumos terapêuticos.
Estudos mostram que
dentre os fatores associados ao óbito materno por Covid estão o período do
puerpério, a mulher ter cor preta, viver em área periurbana, não ter acesso ao
Programa de Saúde da Família e morar a mais de 100 km do hospital de
referência.
Segundo o manifesto,
embora o Ministério da Saúde tenha publicado em setembro um manual de
recomendações para a assistência às gestantes e puérperas durante a pandemia,
não houve modificações importantes da estrutura, dos exames e do fluxo de
atendimento, e as mortes continuaram acontecendo.
O documento também
chama a atenção para as subnotificações. "Muitas mortes são registradas
como SRAG de causa indeterminada porque não chegaram a ser testadas ou porque
não havia testes disponíveis. Além disso, muitos óbitos fetais e neonatais
também se associam aos óbitos maternos e precisam ser mais bem estudados."
A rede pede
prioridade na vacinação das gestantes e puérperas com e sem comorbidades e mais
atenção às medidas protetivas para garantir o isolamento dessas mulheres.
O projeto de lei
3932/2020 que prevê o afastamento do trabalho presencial das gestantes, podendo
suas atividades ser exercidas remotamente, foi aprovado pela Câmara dos
Deputados mas continua parado no Senado.
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