Pela atuação no curta brasileiro “Receita de caranguejo” comissão concedeu Prêmio Especial do Júri à artista que, no ano passado, foi vítima de prisão arbitrária
A publicitária e “artivista” Janice Ferreira da Silva, a Preta Ferreira, foi premiada, em 26 de setembro, com o troféu Kikito da 48ª edição do Festival de Cinema de Gramado. O prêmio foi concedido por sua atuação como atriz no curta Receita de Caranguejo (2020). Dirigido por Issis Valenzuela, o filme também recebeu um Kikito pelo “Melhor Desenho de Som”, assinado por Isadora Torres e Vinicius Prado Martins.
O anúncio foi feito pela realizadora audiovisual Juliana Balhego e a cineasta e fotógrafa Safira Moreira, ambas mulheres negras. Na cerimônia, realizada de forma virtual e transmitida pelo Canal Brasil, pela TVE-RS e pelas redes sociais, Juliana abriu o discurso lembrando que no “país que insiste em criminalizar a narrativa de corpos pretos ao longo do séculos”, as mulheres negras “seguem lutando e construindo outros modos de existência e resistência. Resistimos através das artes, da música, da dança. Resistimos através do cinema”, destacou.
Safira prosseguiu, afirmando que essa população faz da sétima arte “mais um espaço de liberdade e inventividade. Por isso ver na tela o trabalho de uma mulher negra, que é tantas, merece destaque. Por mais que tentem rotular, encarcerar, aniquilar nossas existências, mostramos que somos muitas. Podemos ser artistas, cantoras, produtoras, ativistas, atrizes num só corpo. É por isso que o Prêmio Especial do Júri vai para Preta Ferreira por sua atuação no curta ‘Receita de caranguejo”, anunciou a cineasta.
“Voltei gritando”
Em 24 de junho do ano passado, Preta foi presa por sua luta por moradia, sob acusações frágeis e arbitrárias. Ela é filha da coordenadora do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) e da Frente de Luta por Moradia (FLM), Carmem Silva, candidata à vereadora pelo PT em São Paulo. A artista chegou a perder vários papéis e contratos que tinha como atriz durante os 100 dias que ficou na prisão. “Quem vai me devolver o tempo e os trampos perdidos? (Para) Onde mando a conta”, denunciou pelo Twitter, em julho deste ano.
Ao receber a notícia do prêmio, comemorou. “Ano passado tentaram me silenciar, esse ano eu voltei gritando”, ironizou. Ela dedicou a estatueta “à toda a população indígena e preta desse país. Eu ofereço aos favelados, aos sem-teto, aos encarcerados, aos minorizados”, escreveu em sua conta no Instagram. “A todos que vivem de arte nesse país: ofereço esse prêmio a todas as pessoas que têm o sonho de serem inseridas no mercado cinematográfico – lugar tão estático e seletivo. Nós vamos estar em todos os espaços de poder”, garantiu a artista e ativista.
Outros prêmios
Vencedor na categoria de melhor curta-metragem brasileiro do Festival de Gramado 2020, O Barco e o Rio também mostra a importância da representatividade. Com a direção de Bernardo Ale Abinader, a produção amazonense venceu também os prêmios de Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte, Melhor Direção e Júri Popular.
“Eu espero que as pessoas assistam mais as nossas narrativas, as histórias do Amazonas contadas por amazonenses. Que esse prêmio sirva de inspiração para saber que podemos sim fazer cinema sobre o Amazonas, no Amazonas”, afirmou o diretor do curta.
O longa pernambucano “King Kong en Asunción”, de Camila Cavalcante, conquistou quatro Kikitos, entre eles o de Melhor Filme. A 48ª do Festival de Cinema de Gramado também premiou a obra “La Frontera”, de David David como o Melhor Longa Estrangeiro.
Confira todos os vencedores do Festival de Gramado
Longa-metragem brasileiro
Melhor Filme – King Kong en Asunció
Melhor Direção – Ruy Guerra, por Aos Pedaços
Melhor Ator – Andrade Júnior, por King Kong en Asunción
Melhor Atriz – Isabél Zuaa, por Um Animal Amarelo
Melhor Roteiro – Felipe Bragança, por Um Animal Amarelo
Melhor Fotografia – Pablo Baião, por Aos Pedaços
Melhor Montagem – Eduardo Gripa, por Me Chama Que Eu Vou
Melhor Trilha Musical – Salloma Salomão, por Todos os Mortos, e Shaman Herrera, por King Kong en Asunción
Melhor Direção de Arte – Dina Salem Levy, por Um Animal Amarelo
Melhor Atriz Coadjuvante – Alaíde Costa, por Todos os Mortos
Melhor Ator Coadjuvante – Thomás Aquino, por Todos os Mortos
Melhor Desenho de Som – Bernardo Uzeda, por Aos Pedaços
Prêmio Especial do Júri: Elisa Lucinda, por Por que você não chora?
Menção Honrosa do Júri: Higor Campagnaro, por Um Animal Amarelo
Longa-metragem estrangeiro
Melhor Filme – La Frontera
Melhor Direção – Mariana Viñoles, por El gran viage al país pequeño
Melhor Ator – Anibal Ortiz, por Matar a un Muerto
Melhor Atriz – Daylin Vega Moreno (Diana), Sheila Monterola (Chalis), por La Frontera
Melhor Roteiro – David David, por La Frontera
Melhor Fotografia – Nicolas Trovato, por El Silencio del Cazador
Prêmio Especial do Júri: El Gran Viaje al País Pequeño
Longa-metragem gaúcho
Melhor Filme – Portuñol, de Thaís Fernandes
Curta-metragem brasileiro
Melhor Filme – O Barco e o Rio
Melhor Direção – Bernardo Ale Abinader, por O Barco e o Rio
Melhor Ator – Daniel Veiga, por Você Tem Olhos TTristes
Melhor Atriz – Luciana Souza, Inabitável
Melhor Roteiro – Inabitável, Matheus Farias e Enock Carvalho
Melhor Fotografia – O Barco e o Rio, para Valentina Ricardo
Melhor Montagem – Você Tem Olhos Tristes, para Ana Júlia Travia
Melhor Trilha Musical – Atordoado, eu permaneço atento, para Hakaima Sadamitsu, M. Takara
Melhor Direção de Arte – O Barco e o Rio, para Francisco Ricardo Lima Caetano
Melhor Desenho de Som – Receita de Caranguejo, Isadora Torres e Vinicius Prado Martins
Prêmio especial do júri: Preta Ferreira, por Receita de Caranguejo
Júri Popular
Curta Brasileiro: O Barco e o Rio, de Bernardo Ale Abinader
Longa Estrangeiro: El gran viaje al país pequeño, de Mariana Viñoles
Longa Brasileiro: King Kong en Asunción, de Camilo Cavalcante
Júri da Crítica
Curta Brasileiro: Inabitável
Longa Estrangeiro: El Gran Viaje al País Pequeño
Longa Brasileiro: Um Animal Amarelo
Redação: Clara Assunção
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