Por Mônica Aguiar
Várias são as experiências adotadas nas mulheres negras. As mais brutais foram as práticas adotadas em nome da evolução da ginecologia.
Em um artigo publicado pela HuffPost UK de Nadine Whiter trouxe a história do James Marion Sims, médico ginecologista que submeteu mulheres negras escravizadas à várias torturas como:- procedimentos sem anestesias. Enfermeiras obstétricas em conjunto com o movimento de mulheres negras em Nova Iorque, criaram uma grande campanha contra o racismo que culminou a retirada da Estátua do médico do Central Park. O movimento durou 8 anos.
Mas como bem disse EMANUELLE GOES em seu artigo publicado no Portal
Geledés
“No entanto, infelizmente, não foi somente Sims que,
na história da medicina e da saúde, utilizou os corpos negros para realização
de experimentos, fazendo-os cobaias da humanidade”.
Góes cita vários procedimentos. Um deles o Estudo da Sífilis Não-Tratada de Tuskegee (Alabama/EUA) que usou a população negra como cobaias, no o período de 1932 a 1972, onde foi realizado um ensaio clínico no qual 399 homens negros com sífilis, sem medicamentos, sofreram com procedimentos brutais para a observação da progressão natural da sífilis.
Dentre os relatos de Góes, deparei com a história do Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana (CEPARH), criado em 1986, e dirigido pelo médico Elsimar Coutinho na Bahia, fazia campanhas sobre controle de natalidade a partir de uma perspectiva eugênica. Entre os seus materiais de divulgação, tinham outdoors com fotos de crianças e mulheres negras com os seguintes dizeres: “Defeito de Fabricação”, para convencer a população baiana da necessidade do controle da natalidade.
O
Centro realizava experimentos com métodos contraceptivos hormonais,
principalmente os injetáveis, em mulheres negras e pobres sob acusações da
falta de informação dos efeitos no corpo e dos riscos no uso do método.
Emanuelle Góes também traz à tona resultados de estudos científicos que confirmam
que muitos profissionais de saúde ainda utilizam desta informação para definir
o uso ou não de analgesia para as mulheres negras, o que revela a pesquisadora
Maria do Carmo Leal e colaboradoras em seus dois artigos “A cor da dor:
iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil” (2017). Neste
artigo é evidenciado que as mulheres pretas recebem menos anestesia local
(pretas 10,7% e brancas 8,0%) para a episiotomia e o artigo mais antigo
“Desigualdades raciais, sociodemográficas e na assistência ao pré-natal e ao
parto, 1999-2001” (2005) revela que as mulheres negras estão mais expostas à
não utilização de anestésico no parto vaginal, chegando a quase um terço.
Bem próxima destas histórias nocivas à sociedade, presenciamos em Belo
Horizonte uma PL que propunham a esterilização de mulheres em estado de
vulnerabilidade social. PL455/17, com a utilização de Pílulas, injetáveis,
dispositivo intrauterino (DIU), métodos cirúrgicos (laqueaduras de trompas) e o
implante subdérmico liberador de etonogestrel, conhecido como Implanon, um
sistema intrauterino com liberação de levonorgestrel.
Após pressão do Conselho Municipal de saúde e do Movimento de Mulheres negras
em BH, a PL foi retirada de pauta.
Práticas arcaicas estão sendo reformuladas e justificadas por falta de um planejamento familiar,
pela existência das desigualdades sócio econômicas, dependências químicas e do álcool.
Não mudam das muitas outras práticas e atitude racistas existentes ao
longo da história da medicina. Todos trazem as mesmas características higienista,
seletivo e punitivista. Tem como principal objetivo controlar a natalidade de
um grupo populacional e seu alvo principal a mulher negra.
Hoje acrescentam indevidamente
entre suas justificativas os parâmetros dos direitos sexuais e reprodutivos.
Este tipo de proposta transparece o racismo existente, reforça a
segregação e impõem à um grupo de mulheres as determinantes do não acesso amplo
aos tratamentos adequados na saúde mental, na assistência social e psicológica
para se recuperar e ou reabilitar, mas para todas as mulheres negras moradoras nas
periferias.
Não podemos permitir qualquer proposta que viole corpos e desrespeitem a
autonomia das mulheres, seja através da gestão de saúde pública ou de um setor
de saúde privado.
Mariana Damaceno em seu artigo A questão da saúde reprodutiva e o
feminismo negro no Brasil nos informa:
“As críticas à esterilização cirúrgica foram
importantes para a criação da Campanha Nacional Contra a Esterilização
de Mulheres Negras, iniciada em novembro de 1990 e liderada pela médica e
ativista negra Jurema Werneck. De acordo com as responsáveis pela campanha, o
cenário em que as esterilizações estavam sendo realizadas, desde a década de
1980, era formado por: “Milhões de mulheres negras e mestiças
esterilizadas (grifo meu) por acreditarem que esta é a única forma de
evitar filhos (…)”
EMANUELLE GOES ainda diz “ Diante disso, o que temos como responsabilidade hoje é recontar a história da medicina/saúde e a história natural da doença, desconstruir epistemologias racistas, sexistas e colonizadas nas práticas de saúde e construir outras bases epistemológicas que reconheçam os direitos humanos, a diversidade e as diferenças, na esperança que futuramente os atendimentos e os cuidados nos serviços de saúde não sejam estruturados pelo racismo e outras formas de opressões correlatas, que ainda tem sido determinante na forma de adoecer e morrer para mulheres negras e homens negros.”
Não podemos esquecer nunca que o direito à autonomia reprodutiva sempre
esteve no centro da luta pelos direitos humanos das mulheres. Isto não inclui determinação
ou escolha para a outra, do método a ser utilizado e, ou determinação de métodos
que provoquem a esterilização parcial ou definitiva.
O Estado através de seus gestores de saúde, não podem e não devem intervim
no exercício dos direitos individuais a partir de uma “recorte” socioeconômico somado
a vulnerabilidade social. Isto é eugenia.
Fátima de Oliveira já havia alertado : Tenho dito, por paradoxal que possa parecer, que “lutar pela saúde da
mulher é a arte de fazer inimigos. Por que governantes e executores de
políticas de saúde são intolerantes quando nos referimos à saúde da mulher?
Ouvi de um secretário de saúde: ‘As feministas são muito abusadas, exigentes
demais e nunca nada está bom para elas’. Enfim, somos umas chatas. Vai ver que
somos! Afinal, o que é saúde da mulher em ‘feministês’, que soa como uma
linguagem indecifrável para a maioria de governos e gestores de saúde, ou mesmo
um palavrão, ou um xingamento à mãe deles? (Médica Fátima Olíveira. Árdua defensora do Sistema Único de Saúde
(SUS), pesquisadora da saúde da mulher, da população negra e defensora
incansável dos direitos sexuais e direitos reprodutivos.
Na semana passada, dia 13, o STF identificou “higienização
social" e invalidou a lei que pretendia criar um cadastro de dependentes
químicos em TO. Para os ministros a lei tem viés de seletividade
incompatível com a Constituição, além da matéria não ser de competência
legislativa do ente estadual. (UOL)
Natalia Roberto no (Esquerda
do diário) “Sabemos que grande parte da população negra se
encontra nos trabalhos precários, vivem em condições de párias sociais sem
acesso à educação, saúde e moradia de qualidade. No caso das mulheres negras, a
combinação do racismo com o machismo as colocam num estado superior de
vulnerabilidade social e na prática faz com que sejam as maiores vítimas da
violência institucional perpetrada pelo Estado”.
Enquanto se investem em projetos e programas para o controle de natalidade das mulheres negras que violam o princípio de liberdade e a autonomia sobre o corpo, 60% das mulheres negras são vítimas da mortalidade materna no Brasil. As práticas dos racistas na saúde, a falta de investimento à saúde da população negra, continuam determinando a falta de acesso aos serviços de saúde, limitando cuidado, fomentando as iniquidades raciais nos serviços públicos.
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