terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Pedido de desculpa de Renata Spallicci, rainha de escola de samba, não convenceu o movimento negro

Fantasia de Renata Spallicci (Foto Instagran)  

Por Mônica Aguiar 

Renata Spallicci vestiu máscara de flandres, instrumento de tortura, usado no período da escravidão, para impedir que negros escravizados comessem e bebessem.

A Rainha de bateria da escola de samba Barroca Zona Sul, Renata Spallicci, foi duramente criticada por usar a máscara de flanders, objeto utilizado para impedir que negros escravizados comessem ou bebessem. 

A exposição da fantasia foi feita durante ensaio técnico no Sambódromo do Anhembi neste sábado (25) .

Militantes do movimento negro reforçaram críticas as direções das Escolas de Samba por permitir estereótipos nas fantasias utilizadas durante o carnaval.

E mesmo após Renata Spallicci, ter feito publicamente, pedido de desculpas nesta segunda-feira (27) por ter usado uma fantasia com referências à escravidão, o movimento negro e principalmente de mulheres negras não deixaram de cobrar também responsabilidades sobre a banalização ao sofrimento passado pelo povo negro, no período da escravidão.  

O Coletivo Samba Quilomba, movimento de conscientização da história das mulheres no carnaval, publicou uma nota em que repudia o uso da máscara, pelo que considera apologia à tortura e à escravidão.

"O adorno não é bijuteria de grife. A máscara tem um significado cruel carregado por inúmeras mulheres ainda hoje. Significa a via crúcis de toda mulher negra escravizada, estuprada e humilhada pelas mãos da tirania escravocrata patriarcal. E este exemplo só poderia ser replicado pra educar, conscientizar, e jamais pra 'lacrar'(...) É preciso o mínimo de discernimento e, principalmente, respeito à história para evitar o papel ridículo. Tortura não é brincadeira", diz o texto do coletivo.

Para Juliana Fênix, uma das idealizadoras do Samba Quilomba, a fantasia não pode ser considerada uma homenagem.

"Se vestir de uma guerreira negra vai além de plumas e paetês. Isso é uma agressão a essas ancestrais negras. Se você se importa ou quer homenagear algo, estude, não faça essa palhaçada que estão chamando de fantasia. Isso não é homenagem, é apologia à tortura. O carnaval não pode fazer fantasia da dor de um povo, isso é repudiante", afirmou a ativista ao G1.
"Não somos lendas, temos vidas e memória. E por sinal uma memória doída. A escola que tenha mais responsabilidade com seus componentes, afinal é uma festa que e vista pelo mundo. E tudo que o negro brasileiro não precisa é passar a imagem que a escravidão foi benéfica ou romântica pra nós. Já temos muita dor pra ser superada. Não precisamos de imagens distorcidas para fortalecer isso", diz Juliana Fênix.

Uma enxurrada de críticas foram divulgadas nas redes sociais.

Vários militantes do movimento negro, cobraram responsabilidade e respeito a história do povo negro, reacendendo um grande debate e pauta da naturalização das práticas utilizadas para o que é reconhecido e considerado crimes de lesa humanidade.

Tão somente após receber milhares de críticas, Renata apagou a foto em que aparecia com a fantasia e publicou  pedido de desculpas, afirmando que o objetivo da roupa de ensaio era 

"denunciar a situação de todas as mulheres que foram e continuam sendo, muitas vezes, subjugadas, silenciadas e reprimidas 
por uma sociedade machista e patriarcal".

Mas por melhor que pareça ser a intenção de Renata, faltou conhecimento do que significa expor instrumentos de torturas (máscaras de flandres), utilizados durante o período da escravidão principalmente contra as mulheres negras.

A naturalização existente à este tipo de tortura já deveria ter sido banida de toda sociedade e principalmente das Escolas de Samba.

Para quem não conhecem, as máscaras de flandres é uma peça de metal flexível geralmente com três buracos (dois para os olhos e um para o nariz), fechada atrás da cabeça por um cadeado - correntes e pegas no pescoço. “Registros mostram a crueldade e a naturalização dos castigos, prática adotada durante todo o período escravista e que fazia parte do cotidiano da escravidão no Brasil”. https://www.brasilianaiconografica.art.br/artigos/20231/tortura-e-castigo-os-mecanismos-da-repressao-escravista

Parcelas significativas do sociedade tem se tornado vigilantes, se colocando contraria as manifestações racistas e pejorativas existentes quando pessoas de forma alienada e irresponsável, retratam fatos da participação do negro na história da construção da sociedade brasileira.

Mas mesmo assim, muitos fatos se repetem e ficam impunem.

Por diversas vezes, observamos o grito do povo negro, nas ruas e nas redes sociais, exigindo respeito a ancestralidade. 

Muitos adeptos a este tipo de comportamento, ainda promovem contradições e desvirtuamentos no clamor e luta do movimento negro, principalmente quando denunciam crimes de lesa humanidade.

Chegam a tratar como exageros de concepções religiosas e ideológicas do movimento negro. 
Tais naturalizações reforçam o lugar, o trato, e o referencial de humanidade que tem este grupo e setor da sociedade que sustentam valores racistas como modo operante de viver.

Naturalizam o ato de usar uma fantasia cheia de correntes, um instrumento de tortura como é a máscara de flandres.

Militantes do movimento negro nas redes sociais questionaram:

- Como pode tamanho desrespeito com a história do povo negro, não somos fantasia chega de Black Face . Usar algo que expressa a dor de milhares de negros mortos e torturados no processo de escravidão como nossa guerreira Anastásia não é homenagear o povo negro e sim mexer em algo que nos causou dor. Sem dizer que Tereza de Benguela nunca usou tal máscara.

Chega de Rainhas de bateria que não vem da comunidade. A Escola precisa pedir desculpa também, pois afinal ninguém viu a fantasia dela antes de entra no ensaio? Fora o Ateliê que não buscou confeccionar algo da altura de merecimento de nossa Rainha Tereza de Benguela, sem dizer quem fala por nós mulheres negras somos nós. Não dá mais para aceitar este tipo de coisa.  Basta, chega. Nossa dor não é fantasia de marketing para branco propagar seu racismo.

No ensaio da Barroca Zona Sul que chegou ao grupo de acesso depois de 15 anos, que pretende contar a história da líder quilombola Tereza de Benguela em seu desfile no grupo especial. A Barroca será a primeira escola a desfilar pelo Sambódromo do Anhembi na primeira noite do carnaval, 21 de fevereiro.

Tereza era uma mulher que veio de Angola e lutou contra a escravidão no século 18. Tereza foi trazida para o Mato Grosso, onde comandou o Quilombo do Quariterê, que existiu entre 1730 e 1795, e tinha uma estrutura parecida com um sistema parlamentar.

Fontes: Facebook, Instagran,   
Trechos entrevista G1 / Revista Facebook Raça 

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