Quase metade dos negros no Brasil trabalha na informalidade,
de acordo com o IBGE. Nas maiores empresas, ocupam 4,7% dos quadros executivos
e 6,3% dos postos de gerência e são apenas 28,8% dos estagiários.
O mês da Consciência Negra, marca ações para
lembrar e destacar a luta dos negros contra a discriminação
racial e a desigualdade social.
O Dia da Consciência Negra é comemorado em
todo país no dia 20 de novembro, dia da morte do líder Zumbi dos Palmares, que
lutou contra a escravidão no nordeste. A celebração busca a reflexão sobre a
posição dos negros na sociedade. Afinal, as gerações de afro-brasileiros que
sucederam à época da escravidão ainda convivem com preconceito e discriminação
social.
Quase metade da população negra possui empregos informais,
cerca de 46,9%, conforme os dados mais recentes, deste ano, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Em contrapartida, o percentual
entre brancos é de 33,7%. Pesquisa do Instituto Ethos, realizada em 2015, deixa
mais evidente a enorme desigualdade entre brancos e negros no mercado de
trabalho. Segundo o Instituto, que analisou as 500 empresas de maior
faturamento do Brasil, os negros representam apenas 4,7% do quadro executivo e
35,7% do quadro funcional dessas organizações. Em cargos de gerência, eles são
6,3%, e entre estagiários e trainees, representam 28,8% e 58,2%,
respectivamente.
Segundo o historiador e educador patrimonial André Moura, a
questão mais excludente dos negros no mercado de trabalho é o acesso a
oportunidades de qualidade. “As cotas tem feito um aumento no número de negros
na universidade, mas nem de longe é um resultado ainda comparável a população
negra que é 50% do brasil. Quando se trata dos melhores cursos e a melhor
formação poucos negros têm acesso”, indica. Ele diz que outro indicador de
exclusão pode ser por a pessoa “não coincidir com o papel estético que a
empresa quer mostrar, que é uma sutileza bem cruel”.
Moura afirma que, em termos históricos, o Brasil não
escravocrata ainda é recente. “Até os anos 30, referências culturais que eram
relacionadas ao negro eram proibidas, como o samba e a própria capoeira. O
processo racista no estado e na sociedade brasileira continuou de diversas
formas”, explana. Além do mês da consciência negra comemorado no Brasil, a
Organização da Nações Unidas (ONU) iniciou em 2015 a década internacional
afrodescendente. A expectativa é que até 2024 seja promovido respeito e
proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de afrodescendentes,
como reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
De acordo com ele, a maior consequência do racismo e da
escravidão no país é o enorme número de pessoas negras que vivem à margem da
sociedade, em condições precárias. O racismo estrutural do Brasil, segundo
Moura, afeta principalmente as mulheres negras no âmbito do acesso ao serviço
público e ao mercado de trabalho. “A mulher negra em uma situação de pobreza
muitas vezes tem que gerir a casa e cuidar dos filhos sozinha. Isso dificulta a
inserção dela no mercado de trabalho”, explicou.
A servidora pública e cineasta Simone Borges, 41, conseguiu
superar as barreiras impostas pela sociedade. Primeira mulher negra a receber
um Fundo de Apoio à Cultura (FAC), ela conta que sempre precisou ser duas ou
três vezes melhor do que as outras pessoas, por duvidarem de sua capacidade. “O
racismo tá muito enraizado na nossa cultura. Quando estamos em uma reunião de
trabalho e alguém solicita um café, a maioria das pessoas olha para mim como se
eu fosse a pessoa apropriada para os servir”, desabafou. “Historicamente, as
pessoas negras têm menos oportunidades de estudo e de se projetarem como
profissionais. Isso faz com que as pessoas me olhem estranho e se perguntem se
eu deveria estar ali, quando chego em lugares em que sou a única negra”,
relata.
Mercado Informal
De acordo com a analista de RH Patrícia Renata, a falta de
espaço da população negra no mercado de trabalho faz com que as pessoas tenham
baixa autoestima e acreditem que não são capazes de ocuparem cargos. “Se eu sou
negra e não vejo pessoas negras liderando ou atingindo níveis altos, eu acabo
achando que que também não vou poder”, disse. Ela ressalta que atualmente as
empresas precisam criar ações para tornar diversos o corpo de funcionários.
As mulheres negras são as principais prejudicadas pela
informalidade, trabalhando em ocupações com menor proteção social, sem
carteira, como terceirizadas ou no emprego doméstico. Elas também estão
sobrerrepresentadas no trabalho doméstico. Segundo o “Dossiê Mulheres Negras:
retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil” (2013), do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), elas representam 57,6% dos
trabalhadores nesta posição.
Antes de ser proprietária do salão de beleza afro Nega do
Pixain, a trancista Quezia Costa, 26, não trabalhava e a casa era mantida com o
salário do marido. Ela conta que abriu seu próprio negócio após o marido sofrer
um acidente. Quezia revela que, mesmo em um salão especializado em beleza
negra, ela sofre racismo. “Quando comecei, eu tinha 21 anos. As pessoas não
entendiam como uma mulher tão jovem e negra poderia conseguir fugir das
estatísticas.”
Acesso a Universidades
Apesar da menor presença da população negra no mercado de
trabalho formal, pela primeira vez no Brasil, jovens negros e negras são
maioria nas universidades federais, segundo pesquisa divulgada em maio pela
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(Andifes). Eles representam 51,2% dos estudantes de universidades públicas. De
acordo com a Andifes, o crescimento na quantidade de estudantes negros se deu
principalmente com a Lei de Cotas (Lei 12.711/12), que estabelece que 50% das
vagas de universidades e instituições federais de ensino técnico de nível médio
sejam reservadas a estudantes de escolas públicas. A lei também reserva vagas
para pretos, pardos e indígenas, correspondente à porcentagem dessas
populações, nas universidades
estaduais.
A estudante de Ciência Política da UnB Thaís Cardoso, de 22
anos, conta que, na universidade, por ser coordenadora da frente negra de sua
graduação, não tem dificuldade para encontrar pessoas da mesma raça e com
os mesmos ideais. Já no trabalho ela é a única estagiária negra.
Ela conta que é comum precisar se esforçar bem mais do que os
outros para conseguir um cargo. “Os currículos de pessoas negras são muito
extensos, porque a gente sabe que tem que se matar duas vezes mais do que os
outros, participar de muita pesquisa de extensão, ter as melhores notas da
faculdade.”
Para ela, em situações que envolvem racismo, às vezes é
preciso ficar em silêncio, mas, na universidade é possível conversar com
professores, exigir mais autores negros na ementa levar um recorte social e
racial para o debate.
Para a jovem, é importante que haja um dia e mês reservado
para debater o assunto, mas ela reforça que o assunto deve ser discutido o ano
todo. “Só lembram de chamar a gente para palestras em novembro. Só lembram de
falar de raça em novembro, mas a gente está vivendo isso nos outros 365 dias,
não só em um. É importante essa iniciativa, que promovam debates dentro e fora
da universidade, mas não existimos só nesse momento”, disse.
Do Jornal Correio Brasiliense *Estagiárias
sob a supervisão de Cláudia Dianni
Reedição Mônica Aguiar
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