terça-feira, 12 de novembro de 2019

Novembro chama atenção para a consciência negra


Quase metade dos negros no Brasil trabalha na informalidade, de acordo com o IBGE. Nas maiores empresas, ocupam 4,7% dos quadros executivos e 6,3% dos postos de gerência e são apenas 28,8% dos estagiários.

O mês da Consciência Negra, marca ações para lembrar e destacar a luta dos negros contra a discriminação racial e a desigualdade social.

Dia da Consciência Negra é comemorado em todo país no dia 20 de novembro, dia da morte do líder Zumbi dos Palmares, que lutou contra a escravidão no nordeste. A celebração busca a reflexão sobre a posição dos negros na sociedade. Afinal, as gerações de afro-brasileiros que sucederam à época da escravidão ainda convivem com preconceito e discriminação social. 

Quase metade da população negra possui empregos informais, cerca de 46,9%, conforme os dados mais recentes, deste ano, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Em contrapartida, o percentual entre brancos é de 33,7%. Pesquisa do Instituto Ethos, realizada em 2015, deixa mais evidente a enorme desigualdade entre brancos e negros no mercado de trabalho. Segundo o Instituto, que analisou as 500 empresas de maior faturamento do Brasil, os negros representam apenas 4,7% do quadro executivo e 35,7% do quadro funcional dessas organizações. Em cargos de gerência, eles são 6,3%, e entre estagiários e trainees, representam 28,8% e 58,2%, respectivamente.

Segundo o historiador e educador patrimonial André Moura, a questão mais excludente dos negros no mercado de trabalho é o acesso a oportunidades de qualidade. “As cotas tem feito um aumento no número de negros na universidade, mas nem de longe é um resultado ainda comparável a população negra que é 50% do brasil. Quando se trata dos melhores cursos e a melhor formação poucos negros têm acesso”, indica. Ele diz que outro indicador de exclusão pode ser por a pessoa “não coincidir com o papel estético que a empresa quer mostrar, que é uma sutileza bem cruel”. 

Moura afirma que, em termos históricos, o Brasil não escravocrata ainda é recente. “Até os anos 30, referências culturais que eram relacionadas ao negro eram proibidas, como o samba e a própria capoeira. O processo racista no estado e na sociedade brasileira continuou de diversas formas”, explana. Além do mês da consciência negra comemorado no Brasil, a Organização da Nações Unidas (ONU) iniciou em 2015 a década internacional afrodescendente. A expectativa é que até 2024 seja promovido respeito e proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de afrodescendentes, como reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

De acordo com ele, a maior consequência do racismo e da escravidão no país é o enorme número de pessoas negras que vivem à margem da sociedade, em condições precárias. O racismo estrutural do Brasil, segundo Moura, afeta principalmente as mulheres negras no âmbito do acesso ao serviço público e ao mercado de trabalho. “A mulher negra em uma situação de pobreza muitas vezes tem que gerir a casa e cuidar dos filhos sozinha. Isso dificulta a inserção dela no mercado de trabalho”, explicou. 

A servidora pública e cineasta Simone Borges, 41, conseguiu superar as barreiras impostas pela sociedade. Primeira mulher negra a receber um Fundo de Apoio à Cultura (FAC), ela conta que sempre precisou ser duas ou três vezes melhor do que as outras pessoas, por duvidarem de sua capacidade. “O racismo tá muito enraizado na nossa cultura. Quando estamos em uma reunião de trabalho e alguém solicita um café, a maioria das pessoas olha para mim como se eu fosse a pessoa apropriada para os servir”, desabafou. “Historicamente, as pessoas negras têm menos oportunidades de estudo e de se projetarem como profissionais. Isso faz com que as pessoas me olhem estranho e se perguntem se eu deveria estar ali, quando chego em lugares em que sou a única negra”, relata. 

Mercado Informal
De acordo com a analista de RH Patrícia Renata, a falta de espaço da população negra no mercado de trabalho faz com que as pessoas tenham baixa autoestima e acreditem que não são capazes de ocuparem cargos. “Se eu sou negra e não vejo pessoas negras liderando ou atingindo níveis altos, eu acabo achando que que também não vou poder”, disse. Ela ressalta que atualmente as empresas precisam criar ações para tornar diversos o corpo de funcionários.

As mulheres negras são as principais prejudicadas pela informalidade, trabalhando em ocupações com menor proteção social, sem carteira, como terceirizadas ou no emprego doméstico. Elas também estão sobrerrepresentadas no trabalho doméstico. Segundo o “Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil” (2013), do  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), elas representam 57,6% dos trabalhadores nesta posição. 

Antes de ser proprietária do salão de beleza afro Nega do Pixain, a trancista Quezia Costa, 26, não trabalhava e a casa era mantida com o salário do marido. Ela conta que abriu seu próprio negócio após o marido sofrer um acidente. Quezia revela que, mesmo em um salão especializado em beleza negra, ela sofre racismo. “Quando comecei, eu tinha 21 anos. As pessoas não entendiam como uma mulher tão jovem e negra poderia conseguir fugir das estatísticas.” 

Acesso a Universidades
Apesar da menor presença da população negra no mercado de trabalho formal, pela primeira vez no Brasil, jovens negros e negras são maioria nas universidades federais, segundo pesquisa divulgada em maio pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Eles representam 51,2% dos estudantes de universidades públicas. De acordo com a Andifes, o crescimento na quantidade de estudantes negros se deu principalmente com a Lei de Cotas (Lei 12.711/12), que estabelece que 50% das vagas de universidades e instituições federais de ensino técnico de nível médio sejam reservadas a estudantes de escolas públicas. A lei também reserva vagas para pretos, pardos e indígenas, correspondente à porcentagem dessas populações, nas  universidades estaduais.  

A estudante de Ciência Política da UnB Thaís Cardoso, de 22 anos, conta que, na universidade, por ser coordenadora da frente negra de sua graduação, não tem dificuldade para encontrar pessoas da mesma raça e com os mesmos ideais. Já no trabalho ela é a única estagiária negra.   

Ela conta que é comum precisar se esforçar bem mais do que os outros para conseguir um cargo. “Os currículos de pessoas negras são muito extensos, porque a gente sabe que tem que se matar duas vezes mais do que os outros, participar de muita pesquisa de extensão, ter as melhores notas da faculdade.”

Para ela, em situações que envolvem racismo, às vezes é preciso  ficar em silêncio, mas, na universidade é possível conversar com professores, exigir mais autores negros na ementa levar um recorte social e racial para o debate.  

Para a jovem, é importante que haja um dia e mês reservado para debater o assunto, mas ela reforça que o assunto deve ser discutido o ano todo. “Só lembram de chamar a gente para palestras em novembro. Só lembram de falar de raça em novembro, mas a gente está vivendo isso nos outros 365 dias, não só em um. É importante essa iniciativa, que promovam debates dentro e fora da universidade, mas não existimos só nesse momento”, disse.

Do Jornal Correio Brasiliense  *Estagiárias sob a supervisão de Cláudia Dianni
Reedição Mônica Aguiar


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