sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Heroínas sem Estátua

Estudantes homenageiam mulheres que fizeram história

“… Por minhas irmãs, mulheres

Guerreiras, companheiras, verdadeiras

Levanto o meu braço

Grito cheia de cansaço que a luta temos que seguir”

Vitória de Jesus Santana tem 16 anos e foi estimulada, em seu colégio de ensino médio na cidade de São Sebastião, no Distrito Federal, a buscar histórias de mulheres que mereceriam, por sua ótica, ser homenageadas. Sua eleita foi a cantora Yzalu, rapper, negra e moradora da periferia de São Paulo que superou as adversidades da vida para se firmar na música. “Ela é uma negra, periférica, feminista e rapper que canta para levar o feminismo para outras mulheres”, conta a estudante e poetisa Vitória, sobre sua identificação com a artista.

Heroínas sem Estátua: trabalho em homenagem a Maria da Penha
Mulheres em todas as suas diversidades foram as fontes de pesquisa e inspiração para o projeto “Heroínas sem Estátua - Conhecimento a partir das mulheres”, idealizado no Centro de Ensino Médio 01 (Centrão) pela professora de Língua Portuguesa Maria del Pilar Tobar Acosta, que também é doutoranda em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB). A proposta da atividade, que envolveu cerca de 350 estudantes de 1º e 2º anos do ensino médio, é contar e valorizar a vida e obra de mulheres que não tenham sido, na avaliação dos alunos, reconhecidas por seus feitos. “O trabalho ao mesmo tempo é um projeto de intervenção, porque eu percebi dentro do ambiente escolar a discriminação de mulheres, tanto professoras como alunas; e é muito louco pensar que a gente sofre tanto em um ambiente em que nós somos a maioria”, justifica Pilar. 
Ativistas, escritoras, esportistas, cientistas e até mesmo familiares dos alunos figuram entre as homenageadas no Heroínas sem Estátua: “Os meninos e as meninas puderam escolher, por exemplo, falar das suas mães ou suas avós, que também são heroínas. A maioria dos nossos alunos tem em casa uma chefe de família, que é uma heroína”, conta a professora.

Resgate - O projeto traz à tona a trajetória de mulheres que tiveram suas trajetórias deixadas de lado no curso da história; e neste processo, os alunos atuam como produtores de conhecimento que, além da pesquisa, precisam criar e inovar também na apresentação dos resultados. “Eles puderam escolher que tipo de material utilizar, que tipo de trabalho eles iriam apresentar”, conta a professora Pilar, explicando que a apresentação deveria ser feita de forma multimodal. “Um dos temas centrais do nosso currículo é o multiletramento: ler em várias modalidades e produzir em várias modalidades”, diz.  

Lucas dos Santos Lopes, de 15 anos, fez um vídeo sobre sua avó, Maria Lucinda Santos do Nascimento, de quem ele tem orgulho pela história de superação, por ter vencido a pobreza e criado dois filhos sozinha. “Eu quis falar sobre uma pessoa com quem eu já me identificava bastante, que eu já conhecia”, conta o aluno. A identificação também foi fator determinante para a escolha de Ana Lyssa dos Santos Valim, de 15 anos. Ela homenageou a avó, Maria Rosária dos Santos Valim, que lutou contra preconceitos de raça e religioso. “Eu vi que não é uma luta só minha; minha avó lutou contra isso também, uma carga religiosa que as pessoas têm um preconceito muito forte. Eu achei muito especial falar sobre ela e queria que as pessoas soubessem”, relata Ana Lyssa. O pioneirismo de Anita Malfati chamou a atenção de Liara Monique Brito, 16 anos, aluna do 2º ano. Ela fez um painel luminoso com uma ilustração da pintora, desenhada por ela mesma. “Eu gosto muito de arte, de pintar, desenhar, e por tudo que ela representou no Modernismo Brasileiro, foi a mulher que mais me interessou”, conta. 

Heroínas sem Estátua: Liara mostra seu painel luminoso, feito em hmenagem à artista Anita Malfati
Liara mostra seu painel luminoso, feito em homenagem
à artista modernista Anita Malfati. 
A estudante Vanessa Lisboa da Silva se destacou ao fazer uma tela e várias ilustrações da professora e filósofa Angela Davis. “Eu queria mostrar pras pessoas todo o trabalho que ela teve pra lutar contra o racismo, pra lutar pelo direito das mulheres, e a história dela mexeu muito comigo”, conta.  A história de vida da nadadora Annette Kellerman foi o que chamou a atenção da aluna Patrícia Rodrigues Moura, de 15 anos. “Ela foi uma nadadora bem conceituada mas não teve o reconhecimento que merecia; ela foi a pessoa que trouxe as roupas que hoje em dia os nadadores usam”, relata.

Além da Língua Portuguesa - A liberdade para pesquisar e criar é um estímulo para que os adolescentes busquem histórias que ultrapassam a Língua Portuguesa – disciplina que originou o projeto. A professora Pilar Acosta defende que este é um caminho para formar cidadãos mais críticos: “a Língua Portuguesa é nossa principal ferramenta de trabalho, é nossa principal ferramenta social pra construção da nossa sociedade. (…) A gente precisa questionar a fundo problemáticas sociais nossas; e como a linguagem faz com que os problemas fiquem piores ou possam ser solucionados”, argumenta. O método de ensino que levou à realização do projeto Heroínas sem Estátua chama a atenção dos alunos, uma vez que eles são colocados como protagonistas de suas obras. Para eles, o resultado dos trabalhos é gratificante. “No início achei bem complicado ter que escolher sobre quem fazer, mas no fim você acaba conhecendo coisas que você não imaginaria”, conta Patrícia Rodrigues. "É uma forma de fazer trabalhos que a gente não está acostumado, mas nos ajuda a ser mais críticos", celebra Liara Monique. 

Iniciação científica-  O fomento de produção intelectual dos alunos é uma proto-iniciação científica, como define a professora responsável pela iniciativa. Segundo ela, os métodos de pesquisa comumente usados em ambiente acadêmico, na universidade, foram adaptados de acordo com o nível de maturidade dos alunos de 1º e 2º anos. O formato de trabalho causa estranhamento de alguns alunos; mas é a partir dele que, segundo Pilar, é possível iniciar a produção. “O espantamento é a essência da ciência: você só faz ciência se você se questiona sobre algo; e você só se questiona se estiver intrigado, espantado, curioso. A partir desse questionamento surge o pensamento mais sofisticado, mais desenvolvido; surge a reflexão sobre o seu meio”, defende. 
Nem todos os alunos se adaptam facilmente ao método e, por isso, a produção ultrapassa, também, as paredes da sala de aula. “A gente vai sentindo o clima em cada sala, ou às vezes um aluno que não fala nada em sala de aula vem conversar com a gente no recreio. O professor tem que estar aberto a esse tipo de diálogo, porque o recreio também é um espaço de aprendizado, um lugar para trocar ideias, e é pra isso que serve a educação”, acredita Pilar.

Legado-  “Ela faz com que a gente sinta as coisas, é muito diferente. Ela envolve o mundo, faz com que tudo vire língua, tudo vire português, é muito legal”, elogia a aluna Anna Lyssa sobre o projeto e os estímulos da aula de Língua Portuguesa. Vanessa Lisboa também gosta do formato: “inspira a gente a pensar, a ter nossa própria opinião e não a ir pela opinião dos outros”, diz.
"Para a estudante Vitória Santana, trabalhar com a pesquisa e a reflexão é uma vantagem em relação ao ensino tradicional do currículo escolar. “A maior parte dos professores comuns passa um conteúdo que daqui uns anos você vai esquecer; mas quando você se engaja em projetos como esse você vai levar pra vida toda, e é isso que a gente precisa”, acredita."
Os trabalhos realizados pelos alunos foram apresentados em exposições na escola e na cidade de São Sebastião, e podem ser vistos também em um museu virtual que está em construção. Clique na imagem abaixo para visitar:

http://www.ebc.com.br/sites/_portalebc2014/files/atoms_image/museu_virtual.jp

O museu virtual Heroínas sem Estátua pode ser visitado em http://heroinassemestatua.blogspot.com.br/
 Fonte Portal EBC:Reportagem : Ana Elisa Santana / Fotos : Gustavo Gomes

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