quarta-feira, 22 de junho de 2016

Mulheres Atrizes no Teatro Brasileiro

Há alguns anos venho estudando o tema “gênero e arte”. Como é ser mulher na arte? Geralmente, o meio artístico é visto como descolado e livre, mas será que é isso mesmo? Então por que não aprendi sobre as artistas na escola? Tem Da Vinci, tem Michelangelo, tem Caravaggio.. .e nenhuma mulher?
Perguntas como essas me levaram a entrar em contato com o trabalho da Professora Heloísa Pontes, da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, por meio do livro “Intérpretes da metrópole”, que analisa a história social e a relação de gênero no teatro e no campo intelectual, de 1940 a 1968.
Como atriz e gestora cultural, me interessei imediatamente pela pesquisa, e logo na introdução me deparei com dois trechos reproduzidos, que transcrevo a seguir:
“As mulheres mandavam no teatro”
Essa frase foi dita pela atriz Maria Della Costa, em uma entrevista concedida ao jornal A Tribuna de Santos, em 26/2/1984, e se referia ao prestígio conquistado pelas atrizes na cena teatral dos anos 40 e 50.
De fato, a Professora Heloísa Pontes discute, em sua pesquisa a construção da autoridade artística das atrizes que conquistaram enorme prestígio na cena teatral desse período: Cacilda Becker, Maria Della Costa, Nydia Licia, Fernanda Montenegro e Henriette Morineau, apenas para citar algumas mulheres que se destacaram na arte de interpretar, encabeçando, muitas vezes, as próprias Companhias de Teatro. Eram as “primeiras atrizes”, que atraíam público, e que hoje nomeiam importantes teatros na cidade de São Paulo.
O teatro antes da década de 40 se apoiava em convenções rígidas. Era super profissional, mas estava engessado, o que fez com que o público migrasse para o cinema. Então, não tinha jeito, era necessário algo novo para quebrar essas convenções tão endurecidas. Bem, tinha que entrar sangue novo nos palcos, gente que não tinha sido formado por essa escola teatral, de preferência gente sem tanto profissionalismo.
O amadorismo, necessário para trazer uma nova roupagem ao teatro brasileiro, começou a ganhar contorno consistente na década de 40. Inicialmente com Alfredo Mesquita, em São Paulo, fundador da Escola de Arte Dramática, EAD, e do Grupo de Teatro Experimental e Paschoal Carlos Magno, no Rio de Janeiro, responsável pelo Teatro do Estudante do Brasil. Ambos traziam vivências na cultura europeia e com a literatura. Tinha também o Grupo Universitário de Teatro, criado por Décio de Almeida Prado e a trupe “Os Comediantes”, responsáveis pela encenação de Vestido de Noiva, do dramaturgo Nelson Rodrigues, considerado o ponto de partida do teatro moderno.
A consolidação dessa transição se deu em 1948 com a criação do TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, que virou símbolo do teatro paulista e referência obrigatória nos anos 50. As atrizes ganharam espaço nesse período, pois participaram ativamente da implementação e da sedimentação da novo rotina do teatro moderno. Quer dizer, a mulherada tava junto no começo do movimento, que lembra-se começou como amador. É importante destacar isso porque, o que se observa na história, é que os movimentos nos quais as mulheres tiveram destaque, ou seja, que conseguiram entrar, são movimentos que começaram sem muita importância ou no amadorismo.
Outro fato que deve ser destacado foi a chegada de diversos artistas estrangeiros ao Brasil, muitos exilados pela guerra no continente Europeu, como o encenador polonês Zbigniew Ziembinski, responsável pela montagem histórica de Vestido de Noiva, e Louis Jouvet que chegou ao Brasil com sua Companhia francesa, possibilitando ao público paulista, apreciar o espetáculo com atores da própria companhia de Jouvet, e não com artistas escolhidos aleatoriamente de última hora, algo comum em apresentações de grupos estrangeiros no Brasil.
Assim, a formação desses atores e atrizes, antes nomeados amadores, se deu com os encenadores estrangeiros que chegaram ao Brasil, trazendo indubitavelmente, novidades para a cena do teatro brasileiro. Feita essa breve consideração, transcrevo o segundo trecho que chamou minha atenção:
“Eu poderia ter feito grandes filmes e grandes personagens. Mas esses grandes filmes e grandes personagens não aconteceram na minha geração. Os filmes eram feitos, quase sempre, para personagens masculinos. O Cinema Novo era todo voltado para o homem, as mulheres funcionavam como enfeite de bolo. (…) Os exemplos são vários e incluem os filmes de Glauber Rocha. Ele mesmo dizia – com maior graça, mas com total franqueza- que o mundo tem o lado masculino e o lado negativo. As mulheres fizeram cinema e teatro, sim: Maria Della Costa, Fernanda Montenegro, Cacilda Becker, Nathália Timberg, Tônia Carrero, todas ativíssimas. Mas no teatro do meu tempo, dos meus 20 anos (referência ao teatro dos anos de 1960), qual seria o Teatro de Arena, era assim: Gianfrancesco Garnieri e nós, mulheres, o complemento, a massa.”
Essa declaração foi feita pela atriz Dina Sfat, que estreiou como atriz amadora em 1962, se projetando no teatro paulista em 1963, quando ingressou no Teatro de Arena.
O Teatro de Arena foi fundado pelo dramaturgo e diretor José Renato Pécora, ao sair da Escola de Artes Dramáticas (EAD), de São Paulo. Conforme Décio de Almeida Prado, José Renato ou Zé Renato (homenageado com um importante edital de fomento ao teatro, recém implementado na cidade de São Paulo) “não ambicionava mais do que abrir caminho para os iniciantes na carreira, propondo-lhes uma disposição cênica diferente – atores no centro, espectadores ao redor (…) . O Teatro de Arena ganhou projeção quando Zé Renato reuniu-se com Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho.
O Arena, como é conhecido, trazia em seu repertório, não só uma nova forma de dispor a cena, isto é a não utilização do tradicional palco italiano, mas um cunho social, de esquerda, nacionalista e populista “O sucesso de Eles não Usam Black-Tie, sucesso completo, maciço, de imprensa e bilheteria, restaurou a crença no valor, inclusive comercial, das peças nacionais, com o Arena marchando à frente dos acontecimentos”, palavras do Décio. O espetáculo “Eles não Usam Black-Tie”, foi encenado pela primeira vez em 22 de fevereiro de 1958.
O Teatro de Arena foi e é referência em teatro político no Brasil.
Outros grupos e linguagens emergiram nesse período e muito tem a ser dito sobre esta movimentação na cena teatral brasileira. No entanto, a intenção deste texto é tentar compreender ou apenas levantar possibilidades do motivo das mulheres terem saído da cena brasileira como autoridades do palco. Porque as mulheres deixaram de mandar no teatro ao ponto de Dina Sfat se lamentar de ser atriz em sua época?
Um apontamento possível de ser feito é o momento histórico no qual se deu sua carreira.
Considerando que as atrizes de 1940 a 1950 profissionalizaram-se com os encenadores estrangeiros que aqui chegaram, e que a maioria possuía uma origem social humilde – Cacilda Becker e Cleyde Yaconis, por exemplo, tiveram uma infância paupérrima – pode-se concluir que o ofício teatral não era visto como um meio culto e elitizado, o que permitiu a presença das mulheres. Aliado a este fato, tem-se que a estrutura do teatro desse período, bem como o seu repertório, possuía a figura da primeira atriz, o que possibilitou a projeção das intérpretes.
Esse panorama modifica-se com o Teatro de Arena e com o momento político que o Brasil passaria nas décadas seguintes.
Com o Golpe Militar de 1964, o teatro ainda era um dos poucos lugares em que as pessoas podiam se reunir e ali ter um discurso. Como visto, o Teatro de Arena trouxe um teatro engajado que oportunizava a discussão. Porém, essa pseudo liberdade cessou de vez em 1968, com a implementação do Ato Institucional n.º 5, conhecido como AI 5, que intensificou a censura nos meios culturais.
O país estava amordaçado e era preciso falar.
Leila Diniz 
Nesse contexto, o teatro essencialmente político, também começou a abrir espaço para outras discussões, pautadas em estados psicológicos, e em grupos mais específicos. Pode-se apontar como marco desta abertura, a dramaturgia de Plínio Marcos, que em 1967 estreiou Dois Perdidos numa Noite Suja, que fez enorme sucesso. Plínio trouxe em suas peças as classes sociais esquecidas, a escória de tudo: as prostitutas, os homossexuais, o cafetão. Sem querer o dramaturgo inaugurou um espaço novo, no qual as minorias tiveram sua vez. Foi nesse período também que as dramaturgas começaram a frequentar os palcos brasileiros.
Ainda nesse quadro, aflora o “feminismo organizado”, como movimento de mulheres das camadas médias, na maioria intelectualizadas, que buscavam novas formas de expressão da individualidade.
Eva Todor

A mulher desse período tinha duas ações políticas – a luta contra a repressão e a luta contra as desigualdades entre homens e mulheres. As mulheres tidas como subversivas, não escapavam desta dualidade, já que dentro dos partidos de esquerda encontravam barreiras machistas de seus colegas.
Tônia Carrero e Odete Lara de mãos dadas, marchando com a multidão. Algumas sofreram com a censura dos militares e com o exílio, caso de Leila Diniz e Norma Benguel.

Eva Vilma 
É possível atribuir tal fala ao ofício teatral realizado nos anos 60 e 70. O teatro estava voltado à discussão do cenário político do período. Considerando a fala da professora Heloisa Pontes de que o político é masculino, pode-se supor que esse espaço, portanto, deixou de ser feminino. A discussão política pertence ao mundo dos homens.
Tonia Carrero 
Evidentemente que não se pode esquecer que na época de Dina Sfat as atrizes atuavam também na televisão, o que permitiu a elas fama, não necessariamente autoridade artística.
Odete Lara 
Infelizmente, este espaço de texto e tempo é muito pequeno para encontrarmos respostas concretas e assertivas para tais questões. Deixo essas perguntas que me foram suscitadas quando me deparei com a pesquisa que cito no começo do texto. E torço para que outras surjam.

Texto extraído:  http://lasabuelitas.com/  Fotos: Internet 

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