A baixa participação de mulheres negras* no cinema nacional
é consequência de um elemento estrutural na sociedade brasileira: o
racismo. A avaliação é do cineasta Joel Zito Araújo, que comentou
pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) sobre os
filmes brasileiros de maior bilheteria entre os anos de 2002 e 2012.
Para a diretora da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, Irene Ferraz, a
escolaridade e o acesso a recursos para a produção audiovisual poderiam
reverter esse quadro.
O estudo A Cara do Cinema Nacional
constatou que nenhum dos 218 longas-metragens nacionais de maior
bilheteria analisados no período contou com uma mulher negra na direção
ou no roteiro. A presença delas nas telas também é baixa: atrizes pretas
e pardas representaram apenas 4,4% do elenco principal desses filmes.
Segundo
Araújo, que é P.H.D. pela Universidade de São Paulo (USP), aliado ao
racismo, que invisibiliza produtores negros no cenário nacional, o
padrão estético das produções atuais ainda está calçado em ideias do
período colonial, provocando distorções em todas as artes, inclusive no
cinema. “A supremacia branca, o reforço da representação dos brancos
como uma 'natural' representação do humano é chave para tudo isso. O
negro representa o outro, o feio, o pobre, o excluído, a minoria não
desejada.” Por isso, segundo ele, não está nas telas.
A opinião
do cineasta é a mesma da coautora da pesquisa da Uerj, a doutoranda
Verônica Toste, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp). Ela
lembra que o Estatuto da Igualdade Racial tratou de prever a
igualdade de oportunidades em produções audiovisuais, mas as leis são
vagas e insuficientes para mudar a cara do cinema. “O Brasil tem uma
legislação para tratar dessa situação, de conferir oportunidades iguais,
no entanto, ela é burlada, sem fiscalização.” Verônica defende a
distribuição de recursos do audiovisual para realizadores negros.
A
diretora da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, Irene Ferraz, reconhece que
é baixa a presença de pessoas pretas e pardas em posições de mais
visibilidade e prestígio no cinema, como o elenco, a direção e a
produção de roteiros. Para ela, o problema começa na formação. “O cinema
é uma arte muito complexa, envolve uma indústria, precisa de editais,
recursos, se você tem uma escolaridade, chegará lá. Acontece que, na
nossa sociedade, o negro está excluído em várias áreas”, avaliou, em
relação à subrepresentação. “O cinema reflete o que é a sociedade”,
completou.
O presidente do Sindicato Interestadual dos
Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual, Luiz
Antonio Gerace, não vê como um problema a ausência de mulheres negras no
cinema. Segundo ele, a exclusão pode diminuir a partir do maior acesso a
cursos de audiovisual. “É verdade que as mulheres ocupam mais os cargos
de assistente de figurino e camareira do que direção e roteiro. Mas se
fizer faculdade, por exemplo, vai ter a mesma chance que os outros.”
O
argumento da educação, no entanto, é frágil, na avaliação de Joel
Araújo. Para ele, a solução passa por políticas públicas. “Cabe à Ancine
[Agência Nacional do Cinema] buscar meios para resolver essa distorção
profunda. E não ficar esperando que uma futura desejada educação de
qualidade para todos extermine o nosso racismo estrutural”, destacou.
Procurada pela Agência Brasil,
a Ancine, que tem a função de fomentar e regular o setor, informou que
“não opina sobre conteúdo dos filmes ou elenco”. Já o Ministério da
Cultura informou ter investido R$ 5,1 milhões em editais de produção
audiovisual este ano. Desse total, R$ 2,8 milhões foram destinados a
jovens realizadores negros, cuja contratação foi feita em 2012.
*
Convencionou-se chamar de negros a soma dos grupos populacionais preto e
pardo, seguindo classificação do Instituto Brasileiro de Geografia
Estatística (IBGE)
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