terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Ano Novo, vida nova. Sem garantia e acesso. "Mortes maternas, cesárias e violência obstétrica".

Por Mônica Aguiar 

Ato em defesa da Maternidade
Leonina Leonor, destruída em BH.  
Por mais que exista ou tenha existido uma predisposição para combater e ou erradicar as mortes maternas no Brasil, a medida que acontecem retrocessos da ordem de conjuntura política, as políticas fundamentais sofrem com várias perdas.

Uma das consequências é o crescimento de fatores que sustentam as desigualdades socioeconômicos. 

As mulheres negras grávidas são as principais vítimas da falta de investimento e assistência adequada na saúde.  

As mortes maternas que acontecem no Brasil são inaceitáveis.

Mulheres negras ainda não fazem parte do conjunto da população que conseguem acessar as políticas fundamentais. 

O exercício da cidadania é extremamente limitado, demarcando o alcance da liberdade e autonomia sobre o corpo.

“As estatísticas demonstram uma violência institucionalizada. Mulheres negras são privadas do direito e do acesso à saúde. Isso se aplica à população negra em geral, mas é mais latente com as pretas e pardas,  Rebeca Campos Ferreira, 2021”

A Precocidade de óbitos maternos ressaltado nas altas taxas de mortalidade materna e infantil, e a prevalência de doenças crônicas, infecciosas e de desnutrição, demostram os níveis de desigualdades existentes quando o assunto é a falta de acesso aos diretos fundamentais.

saúde da mulher negra no que diz respeito à gravidez é um pesadelo no Brasil. Um levantamento da ONG Criola mostrou que as mortalidade de gravidas e puérperas negras pela covid-19, desde o início da pandemia, em março de 2020, superaram em 78% os óbitos das mulheres brancas em todo o país.  Os dados revelam que a região Norte é a mais desproporcional: 87% das mortes são de mulheres negras. Na sequência aparece o Nordeste, com 71% óbitos. Na avaliação da entidade, essa é mais uma demonstração do racismo no Brasil

A pandemia escancarou todas as desigualdades sofridas por mulheres negras. Da falta de acesso a saúde pública à variáveis ainda não mensuradas e que estão sub representadas nos índices da camada social denominada como invisível.  Terreno fértil para a população que se encontra cada dia mais sem moradia, alimentação adequada e sem aceso ao saneamento básico.

Desde o início da pandemia, uma a cada cinco gestantes e puérperas mortas pelo novo coronavírus não teve acesso a unidades de terapia intensiva (UTI) e 33% não foram intubadas, perdendo assim a chance de serem salvas.

Pré – Natal

“Os indicadores de maternidade e mortalidade infantil apontam que o risco de morte na infância é três a quatro vezes maior para as crianças negras em relação às brancas, e isso mesmo quando ajustamos para indicadores socioeconômicos, Dandara de O. Ramos”.

 Dados preliminares de uma pesquisa coordenada por Dandara no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a sobre gravidez e maternidade na adolescência , que tem como objetivo demostra  que a cor da pele interfere não só no acesso ao exame pré-natal, mas também no tipo de parto realizado pelos médicos.

Enquanto 64% das meninas brancas têm acesso adequado ao exame pré-natal, esse índice cai para 50% entre as meninas negras e 30% para as indígenas.  

Professora e pesquisadora do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA,
Dandara de Oliveira Ramos, mestre em psicologia social
e doutora em saúde coletiva pela Uerj - Arquivo pessoa
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Meninas negras e indígenas tem o pior acesso ao tanto à saúde reprodutiva quanto ao atendimento pré-natal. São 64% das meninas brancas adolescentes com acesso ao pré-natal; as meninas pretas esse índice cai para 50% e indígenas 30%.

De fato as jovens adolescentes enfrentam um maior risco de complicações e morte como resultado da gravidez. O risco de mortalidade materna é mais alto para adolescentes menores de 15 anos e as complicações na gravidez e no parto são uma das principais causas de morte entre esse grupo em países em desenvolvimento.

A maioria das complicações que desenvolve durante a gravidez pode ser evitada e tratada. Soluções de cuidados de saúde para prevenir ou administrar complicações são bem conhecidas e já administradas. Basta:-  vontade política, transversalização das ações e implementação igualitária no pré-natal, programas específicos de atenção a saúde das mulheres e direitos sexuais e reprodutivos.  

 “O acesso ao pré-natal é o principal promotor do nascimento saudável e a principal medida de prevenção de mortalidade materna por causas evitáveis existente na atenção básica. A entrada precoce neste serviço possibilita atingir o número adequado de consultas, bem como a realização dos procedimentos preconizados e definidores de adequabilidade. A raça/cor da pele é um importante preditor do estado de saúde da população, assim como um marcador de desigualdades sociais. As mulheres negras apresentam menor acesso à assistência obstétrica e o percentual delas que não realizam o pré-natal é maior em comparação com as brancas. Além disso, para as mulheres negras, a interação entre os fatores biológicos, sociais e ambientais as tornam mais vulneráveis a alguns agravos, como a hipertensão arterial, diabetes, dentre outras consideradas de alto risco durante o período gravídico-puerperal. (PEDRO HENRIQUE ALCÂNTARA DA SILVA-NATAL/RN 2020)”

CESÁRIAS NO BRASIL

Existe uma indicação excessiva de cesárea sem necessidade, refletido também nas diferentes raças.

Painel de Indicadores de Atenção Materna e Neonatal criado em 2019, demostrou em agosto de 2021, que, 56,71% das cesárias foram realizadas antes do início do trabalho de parto. O maior percentual de cesárias (37,29) ocorreu em mulheres com idade gestacional entre 37 e 38 semanas. As cesárias, realizadas então pelos serviços privados como públicos, representavam 55,5% do total de partos no Brasil.

"Dados da pesquisa Nascer Saudável realizada pela Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] demonstram que a maioria das mulheres inicia o pré-natal optando pelo parto vaginal e mudam de opinião ao longo da gestação. As principais causas determinantes da elevada proporção de cirurgias cesarianas no Brasil incluem a forma atual de organização da rede de hospitais, que não favorece o parto vaginal, o modelo de remuneração baseado na realização de procedimentos, a preponderância de uma cultura médica intervencionista e as características psicológicas e culturais das pacientes, dentre outras, avalia a ANS.

Vários apontamentos demostram que o Brasil vive uma epidemia de operações cesarianas, com aproximadamente 1,6 milhão de cesarianas realizadas a cada ano. Nas últimas décadas a taxa nacional de operações cesarianas tem aumentado progressivamente e a cesariana tornou-se o modo mais comum de nascimento em nosso país. A taxa de operação cesariana no Brasil está ao redor de 56%, havendo uma diferença importante entre os serviços públicos de saúde (40%) e os serviços privados de saúde (85%). Estudos recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) sugerem que taxas populacionais de cesariana superiores a 10% não contribuem para a redução da mortalidade materna, perinatal ou neonatal”.  

VIOLENCIA OBSTÉTRICA  

“A dor das mulheres negras é vista pelos profissionais de saúde de forma hierarquizada, como uma dor que pode esperar. Temos uma situação na qual o racismo determina a forma como vamos nascer, viver e morrer. Larissa Borges ”

As mulheres negras são principais vítimas das práticas racistas na saúde, se tornam reféns  deste sistema considerado abstrato de normas culturais e que se move a partir da concepção racial de cada um, “claramente” detectada nas linguagens, abordagens, acolhimento, tempo de consulta, desinteresse a escuta, quebra de sigilo, dificuldade de consultas e exames específicos, erros nos diagnósticos e dos  preenchimento de prontuários até a dificuldade de apresentação de dados em comitês e Fóruns mortalidade materna/saúde da mulher separadas por grupos étnicos/racial.

Não acredito que certas práticas profissionais devam ser consideradas como racismo institucional ou estrutural.  As relações interpessoais se dão em breves momentos com formatos e foro íntimo.  Comportamentos discriminatórios e preconceituosas produzidos a partir da concepção pessoal que cada profissional tem ao ver, enxergar o outro principalmente, aqui reafirmo, a mulher negra como semelhante, igual.  

A pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz Maria do Carmo Leal, em 2014 ela coordenou a pesquisa Nascer no Brasil,  um retrato sobre como as mulheres geram e parem no Brasil.  Desta primeira pesquisa, surgiu a Nascer nas Prisões cujos dados foram utilizados na argumentação a favor do habeas corpus coletivo para que as grávidas e mulheres que têm filhos até 12 anos fiquem em prisão domiciliar.  Também fruto deste estudo, foi publicado em 2017 o artigo A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil, que comprova como mulheres negras sofrem mais no parto – pelo mito de que são mais fortes.

Emanuelle Goés, pesquisadora da Fiocruz Bahia, com trabalho dedicado as desigualdades raciais no acesso aos serviços de saúde, direitos reprodutivos e racismo, interseccionalidade e saúde das mulheres diz:- “A violência obstétrica é um conceito usado para definir as violências sofridas pelas mulheres na procura por serviços de saúde durante todo o período da gestação, parto, puerpério e também em casos de aborto. Ela pode ser psicológica, física ou moral Essa forma de violência inclui abusos que podem estar relacionados ao não exercício da autonomia da mulher e à exploração do seu corpo”.

"Além do pré-natal, os indicadores de violência obstétrica para a população negra e indígena são elevadíssimos, Dandara de Oliveira Ramo 2021 “.

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