Ilustração Jordana Andrade |
Por Helena Zelic
O prazer é uma coisa incrível. É incrível porque amplia, movimenta, completa as pessoas – seja qual prazer for, nas várias esferas da vida. Às vezes, as pessoas passam uma vida inteira sem dar atenção a essa parte bem importante que é o prazer, principalmente as mulheres: com suas duplas, triplas jornadas de trabalho, com o tempo gasto no cuidado exclusivo de outras pessoas, quando é que sobra tempo pra ter prazer na vida?
Para o prazer sexual, temos um impasse nos dias de hoje. A dificuldade de atingi-lo em sua plenitude, em um mundo androcêntrico, ou seja, focado na vida e nas experiências dos homens, muito pouco sobra para nós. São muitas as mulheres que afirmam nunca terem chegado a um orgasmo, mesmo tendo vida sexual ativa – várias delas já até sendo casadas! É um mundo que nos limita, nos reprime sexualmente, nos impõe a heterossexualidade como a única possibilidade, moraliza nossos corpos e nossas atitudes, nos julga a partir da forma como lidamos com o nosso prazer, nos divide entre santas e putas – quando na verdade não queremos cair em nenhum dos dois estereótipos, que nada dizem respeito ao que somos ou queremos ser.
Ao mesmo tempo, existe um movimento reverso rolando, na direção oposta, para o qual precisamos ficar muito atentas: na tentativa de fugir desse buraco da ausência do prazer, muitas decidem se jogar com tudo em formas de se relacionar que parecem mais livres e cheias de aventuras, mas que continuam, de uma forma mascarada de libertária, sendo focadas exclusivamente no prazer do cara. Não adianta fazer muito sexo se esse sexo nem dá prazer, nem liberta, nem altera na profundidade a lógica tradicional do jogo. Muito melhor do que isso é prezar e buscar relações que sejam prazerosas, nos garantam o respeito aos nossos corpos, às nossas vivências e aos nossos limites, não nos impeça de priorizar o cuidado e a sabedoria sobre nós mesmas – mesmo que isso envolva muito sexo, é claro. Às vezes, essas relações podem ser casuais, de uma noite só, às vezes em um relacionamento, às vezes sozinha mesmo, e às vezes pode nem acontecer nada (a gente nem sempre sente tesão e tudo bem).
Além disso, é importante falar sobre como reverberam esses debates, quebras e mudanças. O discurso que une, de forma responsável, o prazer, a sexualidade, a autonomia e a liberdade, está cada vez mais forte entre meninas e mulheres – muito por causa do trabalho de formiguinha das feministas do Brasil todo, nas redes, ruas, escolas, ocupações, etc. Isso diz respeito não apenas ao prazer individual, mas a uma liberdade coletiva das mulheres de mudar os limites tradicionais de lidar com o corpo e o sexo, mas também de decidir sobre a maternidade, acabar com a violência e com as mortes de mulheres causadas pela possessividade de seus “companheiros” e mudar por completo a forma como o mundo hoje se organiza: a desigualdade.
A partir da repercussão e da força do que mostram as feministas, também muitas empresas que não têm nada a ver com a gente modelam seus discursos para se adequar aos tempos que mudam e, assim, não diminuírem suas vendas. De que adianta, para nós, que revistas pornô, que retratam mulheres como objetos sexuais, traga modelos um pouco menos fora da realidade, se a função daquela revista é exibir os corpos femininos para ampliar o prazer masculino e manter em alta o olhar que nos objetifica? Esse é só um exemplo, mas existem muitos outros circulando por aí nos últimos tempos. As mulheres continuam sendo hipersexualizadas na publicidade, na mídia, nas produções culturais diversas, e essa hipersexualização não tem como ser boa para a liberdade que queremos alcançar, ela existe apenas para valorizar o prazer masculino. Vale lembrar que a indústria do sexo, que gerencia a indústria pornográfica e a prostituição, ainda é uma das que mais movimenta dinheiro pelo mundo todo. O produto é quase sempre o acesso ao corpo das mulheres e o cliente é quase sempre homem. É essa a liberdade que queremos? A liberdade de sermos usadas, jogadas fora quando for a hora, de podermos fazer com nossos corpos não o que quisermos, mas o que deseja a cultura machista e o prazer masculino?
Se queremos ser livres, que seja por nós e pelas outras, pelo nosso direito de levar uma vida que valha a pena ser vivida, pela liberdade de decidir sobre o corpo, o desejo, o sexo e o futuro que são nossos sem as imposições dos homens que nos rodeiam ou das indústrias que tentam nos engolir.
Fonte:Capitolina
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